Celia Farber, “O adversário mais forte de Harry Potter”, Sunday Herald (Glasgow), 17 de Outubro de 1999

O grupo de garotas pré-adolescentes esperavam impacientemente na livraria de Nova York. “Lá está ela,” gritou uma delas, apontando em direção a uma escadaria. Gritos perfuraram o ar. Centenas de garotas apertaram os pulsos e só gritaram imediatamente, pulando pra cima e pra baixo, tentando subir as escadas onde uma arrumada, loura autora começou a autografar o primeiro de alguns, 2.000 livros.

“Oh meu Deus! Oh meu Deus!” gritou uma das garotas, enquanto outra virou e caiu de joelhos, gritando, “Ela sorriu pra mim. J.K. Rowling sorriu pra mim!” Paul McCormick, um empregado da livraria, Book Revue, a maior livraria independente no estado de Nova York, assistia confuso.

“Isso é como a Beatlemania,” ele disse, enquanto começava a conduzir crianças e pais para cima da escada. Aquele bem à frente da fila tinham em alguns casos dormido em seus carros de fora da livraria em Huntington, Nova York. Outros apareceram na madrugada, apesar de a livraria não abrir até as 9:30 da manhã, e a autora que criou Harry Potter não ter programado para aparecer na loja até as 7:30 da noite.

No fim da tarde, a fila lá fora se esticou por vários longos quarteirões da cidade, com centenas e centenas de pessoas vestidas com casacos pesados para se manterem quentes no vento, de uma noite fria de Outubro.

Rowling e Harry Potter tem se tornado de certa forma um fenômeno de publicação nos Estados Unidos, o que é a razão de a autora estar embarcando-se em uma cansativa turnê promocional. A loja de Nova York foi uma das três que ela deveria visitar aquele dia, o que também incluía um bate-papo na rede do programa da Rosie O’Donnell. Mas o sucesso — cinco milhões de livros vendidos na América até agora, milhões a mais quase certos a seguir — atraiu controvérsias no coração do estado e no sul, onde os temas de paganismo, magia, e bebidas de sangue de Rowling não estão sendo apreciados.

A loucura de Potter tem provocado uma profundamente embutida divisão, entre, essencialmente, o certo e liberal comportamento cristão predominante na América.

Começou na Carolina do Sul, onde semana passada pais pediram o Ministério da Educação para remover os livros, sobre as aventuras de Harry na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts das listas de leituras das salas de aula devido aos seus temas “violentos e ocultos”. Protestos similares foram ouvidos durante a semana em Minnesota, Geórgia, e até Califórnia.

“Os livros são escritos de um jeito muito divertido,” cede David Williamson, o pai de um garoto de nove anos da Carolina do Sul, que começou o protesta contra os livros. “Mas aquelas formas secretas de morte, assassinato, e o oculto é o que nos assusta. Especialmente aqui nos Estados Unidos com toda a violência que tivemos em nossas escolas. Muito daquilo tem estado ligado às crianças se envolverem com o oculto.”

O filho de Williamson, ele disse, usou o seu pró prio dinheiro para comprar o primeiro livro de Harry Potter, e uma noite enquanto ele dormia, seus pais receberam uma ligação de alguns amigos alertando-os do conteúdo do livro. Eles tiraram o livro do quarto do garoto, leram, e ficaram horrorizados.

“É muito violento,” diz Williamson. “Houve partes que realmente nos assustou, e nós não queríamos que ele perdesse sua inocência.” Williamson cita alguns detalhes que particularmente o perturbou, como, um personagem do livro dizendo que a morte, para uma mente organizada, é “a próxima grande aventura”. “Tem um personagem apresentado como ‘Nick Quase-Sem-Cabeça’, um fantasma coberto de sangue e pessoas bebendo sangue de unicórnio. Simplesmente vai indo, indo e indo. Não estamos pedindo para que este livro seja banido. Não me importo que ele esteja na biblioteca. Eu só não quero o(a) professor(a) na escola lendo ele para o meu filho.”

Williamson pediu para ambos professor(a) e diretor(a) da escola de seu filho para parar de ler os livros na classe, o que eles se recusaram a fazer, dizendo que seria injusto com as outras crianças. Ao invés, o garoto agora sai da sala de aula e senta-se na biblioteca enquanto os livros de Potter estão sendo lidos em voz alta. E ele não está sozinho. “Nós tivemos de 12 a 18 pais indo às nossas reuniões com o Ministério da Educação,” disse Williamson, “e eu sei de no mínimo cinco ou seis crianças que estão saindo da sala de aula nessa hora, enquanto os livros de Potter estão sendo lidos.”

A própria Rowling se recusa a pedir desculpas pelo conteúdo dos seus livros. “Eu ainda estou para conhecer uma única criança que tenha me dito que quer ser, você sabe, um satânico ou estão particularmente interessando no oculto por causa do livro,” ela disse.

Editoras americanas estão, talvez de maneira não surpreendente, apoiando. “Há cinco milhões de americanos que compraram esses livros e obviamente os amam,” disse John Mason, sócio diretor de marketing Scholastic. “Nós sentimos muito que exista algumas pessoas que não goste deles. Isso é obviamente um direito deles.”

Muitas das crianças na livraria Huntingdon usavam tatuagens em forma de raio na testa, e outras estavam vestidas com roupas de bruxo. O dono da loja estava pessoalmente andando em volta da fila sem fim, tentando convencer as pessoas de ir para a casa, já que de jeito nenhum Rowling conseguiria chegar a todo mundo, especialmente àquele no fim na fila. Mas ninguém se moveu. Ao invés eles se alternavam para ir comprar copos de chocolate quente para permanecerem quentes.

Foi a mesma cena mais cedo em uma livraria em Manhattan, e então novamente em uma pequena livraria em Port Washington, Nova York. Centenas e centenas de pessoas fazendo filas nas ruas, agarrados aos seus livros. “Isso é coisa ‘quente’,” se emocionou uma mãe do lado de for a da livraria Dolphin em Port Washington. “Você vê pais brigando com seus filhos de quem é a vez de ler os livros. As crianças amam, os pais amam. É maravilhoso.”

Johnny, um residente de Port Washington de 11 anos, já leu os três livros no total de 25 vezes, e diz que Rowling substituiu friamente o seu autor favorito anterior, Roald Dahl. “Ela é muito melhor,” ele diz. “Ela é muito mais criativa que Dahl.”

“Meu folho desligou a TV para poder ler esse livro,” disse outra mãe de um garoto de 11 anos. “Isso nunca foi ouvido.”

De for a da livraria em Port Washington, a divisão cultural era palpável entre as pessoas na fila e os pais religiosos que querer que os livros sejam banidos. Não havia um único protestante à vista.

“Essa confusão toda é completamente ridícula,” zomba Annabelle Clayton, que lê os livros junto à sua filha de 8 anos de idade.

“Nós fazemos parte de uma igreja Batista, mas esse tipo de coisa é parte da infância. É parte de nossa herança, esses tipos de mistérios, e isso volta atrás, bem antes do Cristianismo.”

“Há estados nesse país que eles não ensinam evolução mais,” resmungou um pai. “Tem sempre alguém chateado com algo na Carolina do Sul,” disse Rob Ginsberg, pai de dois. “Eu não conheço um único pai que não ama esses livros. Como você pode não gostar de uma série de livros que fazem o seu filho ler por horas sucessivamente?”

Lenora Heller, mãe de três em pé do lado de for a da livraria Huntington, concordou: “Olhe, esse livro é todo sobre o bem contra o mal. Harry Potter representa tudo o que é bom. É tão simples quanto isso.”

Sua filha de nove anos entra dizendo: “Estou lendo um livro sobre dragões.Eles não são reais. E eu não acho que eles são reais.”

Traduzido por: Frederico Oliveira em 14/01/2006
Revisado por: Antônio Carlos de M. Neto em 21/03/08
Postado por: Fernando Nery Filho em 03/05/2007
Entrevista original no Accio Quote aqui.