Bethune, Brian “A conexão Rowling: como a história de uma garota de Toronto tocou o coração de uma autora”. Macleanâ’s, 06 de novembro de 2000.

A única pessoa do mundo que conseguiria atrair 15.000 crianças a um estádio de baseball para escutar uma leitura de um livro finalmente chegou ao Canadá semana passada. A escritora britânica Joanne Kathleen Rowling, criadora da série muito popular Harry Potter, veio a Toronto e Vancouver para conhecer seus fãs, para ir a um almoço de arrecadação de uma fundação para literatura infantil, para levar a manchetes a maior leitura já feita e não incidentalmente para renovar uma extraordinária amizade que começou com uma carta que ela recebeu em julho de 1999.

No momento, a mania Harry Potter já estava explodindo em paí­ses de língua inglesa. Em Edimburgo, Rowling estava reclusa, recusando todo e qualquer pedido da mí­dia e outras distrações, enquanto trabalhava fervorosamente na longa história que logo mais viraria, Harry Potter e o Cálice de Fogo, de 636 páginas. E em Toronto Natalie McDonald, de nove anos, estava morrendo. “Ela era obcecada pelos livros de Harry Potter”, lembra uma amiga da famí­lia e ativista política, Annie Kidder. “Foram o seu descanso apesar do inferno da leucemia. E porque eu sou o tipo de pessoa que acha que deve haver algo que eu possa fazer, cansei os editores de Rowling em Londres, mandando a eles uma carta e um e-mail e um fax para ela”.

Passada adiante pelos editores, a carta chegou até a casa de Rowling em Edimburgo um dia depois que a autora tinha ido passar um feriado na Espanha. “Quando eu voltei duas semanas depois e li, tive um pressentimento de que já era tarde demais”. Rowling disse para Maclean’s. “Eu tentei ligar para Annie, mas ela não estava em casa, então mandei e-mails para Natalie e para sua mãe, Valerie; porque Annie não tinha contado para Valerie o que ela tinha feito”. Rowling estava certa com seu mau pressentimento, os e-mails foram recebidos um dia depois que Natalie tinha morrido, dia 3 de agosto.

“O e-mail de Jo era lindo”, Kidder diz. “Ela não patrocinou Natalie, ou disse que tudo estava muito bem; ela escreveu para ela como um ser humano que estava passando por um momento difícil. Ela falou sobre seus livros e seus personagens e quais ela gostava mais”. E o mais memorável de tudo, Rowling livremente compartilhou os segredos de seu quarto livro, detalhes que a mídia e os fãs esperaram por mais 11 meses para saber.

A história poderia ter terminado ali, mas Valerie McDonald escreveu de volta, para agradecer. “Aquela carta tocou bem fundo”, diz Rowling devagar, tentando explicar a estima que ela tem pela mãe de Natalie. “Eu apenas soube, lendo, que se fôssemos duas mães esperando pelas nossas crianças no portão da escola, nós serí­amos amigas”. Então uma correspondência regular se iniciou ali, e uma amizade inesperada “o único momento de luz em todo esse acontecimento horrí­vel”, disse Kidder – foi estabelecida no verão passado, quando McDonald, seu marido, Bruce Stratton, e suas duas filhas viajaram até a Inglaterra para conhecer Rowling. Mas até mesmo depois disso, a autora tinha comemorado sossegadamente a leitora que ela nunca conheceu. Na página 159 de Cálice de Fogo, o famoso Chapéu Seletor da Escola de Magia e Bruxaria Hogwarts manda a aluna de primeiro ano Natalie McDonald, o único nome verdadeiro usado em uma história de Rowling para a casa de Harry, Grifinória. Foi durante aquela visita naquele verão, lendo o recém-lançado, Cálice de Fogo para suas filhas enquanto estava no túnel de Londres, que Valerie McDonald viu o gesto de Rowling. E no primeiro dia de Rowling no Canadá, diz a escritora, ela passou uma maravilhosa tarde nas Cataratas do Niágara com a famí­lia McDonald e Kidder.

A parte pública da visita de Rowling foi muito boa, para colocar em miúdos. Quando chegou a Toronto dia 22 de outubro, a escritora disse que estava nervosa com a leitura de seu livro em frente a milhares de crianças no cavernoso estádio SkyDome da cidade. Dois dias depois, no pódio do estádio, Rowling evidentemente ainda se sentia do mesmo jeito, falando para uma saudação atroadora com “Estou contente e apavorada por estar aqui”. Mas assim que ela falou, 15.000 crianças ficaram em um súbito silêncio que não tinham oferecido para dois autores canadenses famosos, Ken Oppel e Tim Wynne-Jones, que leram antes. E quando Rowling terminou, 14 minutos depois, as crianças irromperam em altos e prolongados aplausos. Os adultos acompanhantes talvez tenham reclamado sobre o som, mas as crianças estavam muito felizes por estarem lá. Ian McCann, de nove anos, teve que fazer uma escolha difí­cil: iria perder sua participação no campeonato de corrida em Toronto para poder ir, mas ele não estava reclamando, “Será uma memória para o resto de minha vida, uma data histórica”.

As vendas incrí­veis de Rowling, cerca de 40 milhões de cópias no mundo todo, têm deixado comentaristas discutindo para explicar o seu sucesso. Os elogios à apaixonante história de Potter são praticamente universais, mas boas histórias apenas não parecem ser explicação suficiente. Uma resposta verdadeira talvez esteja na interação de Rowling com as crianças, como visto em suas recentes turnês e na delicadeza que teve ao escrever para Natalie McDonald. O pacote de seis dias de viagem para visitar o Canadá da autora teve sua parte de falhas inevitáveis com os adultos (sem falar na abominável qualidade de som do estádio SkyDome, tinha o almoço da fundação, tão inesperadamente breve que o próximo a falar teve que lutar para chegar no palco). Mas com as crianças Rowling sempre conversa.

A melhor parte de suas turnês com os livros é ‘conhecer os pequenos leitores’, ela diz para os repórteres. “Eles fazem as melhores perguntas, sem ofensa a qualquer um de vocês. As crianças falam sobre os personagens como se fossem amigos em comum que nós conhecemos um pouco melhor”. E apesar de grandes avisos de ‘nada de autógrafos’ no almoço de arrecadação para a Coleção Osborne de livros infantis da Biblioteca Pública de Toronto, um grande grupo de crianças conseguiu com sucesso se aproximar, apesar de tudo. “Pobre Jo”, disse Jackie Davis, um de seus seguranças, “ela nunca consegue almoçar”.

Respeito pelas crianças, que Rowling acha que são absurdamente subestimadas pela maioria dos adultos, também é evidente em suas histórias de Potter. Morte é um tema de muita importância. O vilão quer viver para sempre, por qualquer meio que seja, e o herói é uma criança que teve os pais assassinados, cuja mãe morreu para preservar sua vida. Morte e famí­lia estão de maneira insolúvel conectados para Rowling. “Sou fascinada por grandes famí­lias nas histórias que eu gosto, provavelmente porque eu sou de uma muito pequena”, ela diz. “Meus pais eram muito jovens quando se casaram, minha mãe tinha apenas 20 anos quando me teve e 23 quando teve minha irmã, e nós tínhamos 4 avós vivos e muitos tios e tias. Mas eles logo começaram a morrer, incluindo minha mãe, de esclerose quando eu tinha 25 anos, então agora resta apenas eu, minha irmã, minha filha Jessica, meu pai e uma tia”.

Talvez seja a história da famí­lia de Rowling que deu a ela a sensibilidade no trato com a morte, que o vendedor de livros Jessy Khan de Toronto, dono da Costant Reader, vê em seus livros. “Ela mexe com a morte com muita sensibilidade. Eu não pensei nisso até os clientes começarem a voltar pedindo cópias a mais de Harry Potter para dar aos amigos que tinham sofrido uma perda. E aquelas pessoas acharam os livros confortantes”. Uma Rowling satisfeita responde: “Se esse for o caso, estou muito grata”. Ela parecia surpresa pela observação de Kahn. Valerie McDonald provavelmente não ficaria.

Traduzido por: Leticia Vitoria em 12/07/2006.
Revisado por: Adriana Couto Pereira em 05/05/2007.
Postado por: Fernando Nery Filho em 04/05/2007.
Entrevista original no Accio Quote
aqui.