Weeks, Linton. “Encantado, com certeza”. The Washington Post, 20 de outubro de 1999.

A mulher na mesa do café da manhã é concentrada, miúda e possuidora de uma certa postura de pessoa experiente, que a maquiagem bem aplicada não pode esconder. Lembra-se daquele filme bem “rock and roll”, sobre determinados peões desempregados, “Loucos pela Fama“? Em suas botas de salto alto e suéter de gola baixa, J.K. Rowling soa e fuma e ri e aparenta para todo o mundo ser uma uma daquelas backing-vocal de blues.

Confiante. Com sua sólida formação literária. Um jeito educado de “não mexa comigo”. Joanne Kathleen Rowling, mais conhecida como a criadora de Harry Potter – um jovem e heróico bruxo de uma série fantasmagórica de histórias – está na cidade pelos próximos dias.

Em apenas três anos, Rowling, 34 anos, tornou-se uma das mulheres mais ricas da Inglaterra e o epicentro de uma febre mundial. Existem mais de 8,2 milhões de cópias de seus livros impressos nos Estados Unidos. Eles foram traduzidos em 28 idiomas.

Ela está neste paí­s por três semanas para autografar seus três livros, para se encontrar com seus exércitos de admiradores e para opor-se a um pequeno mas barulhento grupo de críticos que clamam que seus livros promovem a bruxaria.

É uma da tarde, três horas antes da sessão de autógrafos começar, a fila na Politics & Prose já ultrapassava o Marvelous Market, uma padaria no fim do quarteirão. Às duas da tarde, a fila virava a esquina e alcançava a metade do outro quarteirão. Fora da loja um cartaz anunciava: “não garantimos que qualquer livro será autografado ou que qualquer pessoa encontre a Sra. Rowling”.

Mas ontem pela manhã, antes de arriscar-se para fora deste mundo louco por Harry, ela escolheu algumas amoras, bebeu um pouco de suco de laranja, fumou alguns Marlboro Lights e falou dos surpreendentes aspectos sobre os quais sua vida mudou.

E dos aspectos sobre os quais não mudou.

A vida era ontem um borrão para Rowling. Literalmente.

Ela perdeu uma de suas lentes de contato e tudo e todos pareciam um pouco distorcidos em no quarto Willard. Ela estreitou seus olhos azuis, jogou a fumaça para longe de seus cabelos louros, arrumou seus brincos prateados e desculpou-se pela sua dependência de cigarros. “Eu sou um péssimo exemplo”, ela disse.

Por outro lado, ela acredita piamente em se fazer o que se gosta.

Recentemente, Rowling (que rima com “bowling”, boliche, em inglês) comprou um livro para sua filha de seis anos, Jessica. A garota foi batizada numa homenagem á curiosa e socialmente engajada Jessica Mitford. O livro em questão é uma autobiografia de Mitford. Ela o deu para Jessica porque ela já tem idade suficiente para apreciá-lo. Rowling admira Mitford porque ela ‘segue os seus princípios’.

“Quando um jovem faz 18 anos, ele deveria fazer o que ele quer, e não o que os seus pais dizem para que faça”, disse Rowling. Encontrar um reflexo de nossos pais em nós mesmos é um dos temas de seu mais recente livro, Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban.

Rowling sabe o que é perseguir um sonho.

Ela nasceu em Chipping Sodbury, próximo a Bristol. Seu pai era um gerente numa fábrica da Rolls-Royce (marca de carro) e sua mãe era uma técnica de laboratório. Seu avó era ‘completamente fantasioso’. “Ele poderia dizer mentiras ultrajantes a qualquer um,” Rowling contou. “Eu acho que talvez tenha sido dele que eu herdei minha imaginação”.

Quando ela tinha 6 anos, já sabia qual seria o seu destino. “Tudo o que eu sempre quis foi ser uma escritora”, ela disse.

Uma estudante brilhante, Jo, como os amigos costumavam chamá-la, veio de uma escola pública em Chapstow para a Universidade Exeter. Ela aspirava se graduar em inglês, porque ela adorava ler, mas ela ‘cedeu’ á pressão familiar e concentrou-se em francês. Seus pais queriam que ela fosse uma tradutora ou intérprete, que talvez trabalhasse nas Nações Unidas.

“Eu não sou uma pessoa organizada”, ela disse. “Eu tremo só de pensar no que poderia ter acontecido”.

Ela escreveu várias histórias enquanto estava na faculdade, mas ela nunca terminou coisa alguma. Ela continuou a ler. Ela leu toda a obra de Jane Austen. Ela adora o escritor Irlandês Roddy Doyle, autor de “Loucos pela fama“, mas não trouxe seu novo romance para a América porque ela sabia que precisava dormir.

Um de seus livros infantis prediletos é “O pequeno cavalo branco“, de Elizabeth Goudge.

Depois da formatura, ela aterrissou em Londres e trabalhou na Anistia Internacional, e então na Câmara de Comércio em Manchester. “Muito chato”, ela disse.

Na época em que sua mãe faleceu, em 1990, Rowling mudou-se para Portugal com o intuito de lecionar. Ela conheceu e casou-se com um jornalista português. Jessica nasceu em 1993. Depois do divórcio, Rowling voltou para a Inglaterra sem dinheiro, sem emprego e com uma criança pequena.

A vida parecia sem esperanças. E, como Harry Potter, ela precisava de um milagre para mudar sua vida. Na época do Natal ela visitou sua irmã, Di, em Edimburgo, Escócia. Rowling planejava ficar duas semanas. Ao invés disso, acabou ficando de vez em Edimburgo onde tempos difí­ceis não são novidade, “era um lugar melhor para se ser pobre do que Londres”, ela disse.

Histórias sobre a sua bancarrota foram contadas e recontadas. “Nós estávamos completamente quebradas”, ela disse. “Mas não estávamos famintas. Algumas vezes eu pulei refeições. Não havia nada nos armários”.

Mas ela recebia ajuda governamental e ela tinha uma irmã que poderia ajudar em caso de extrema necessidade. Embora seu pai ainda fosse vivo e tivesse se casado novamente, ele não estava em condições de ajudar, ela explicou. Por nove meses Rowling não trabalhou. Ela sabia que, cedo ou tarde, poderia voltar a ensinar francês em escolas. Mas ela queria dar uma chance ao seu talento para escritora. Ela poderia nunca mais ter a oportunidade novamente. E ela fez o que quis. Enquanto Jessica cochilava, ela escrevia. “Eu realmente não pensei muito no que aconteceria depois”, ela disse.

Em Edimburgo, mãe e filha pertenciam á congregação da Igreja da Escócia. Jessica foi batizada lá. Na igreja, Rowling conheceu uma mulher mais velha chamada Susan, que estava na casa dos 70 e nunca se casou. “Nossa amizade seria inusitada”, Rowling adicionou.

“Susan realmente me ajudou”, lembrou Rowling. A mulher mais velha tomava conta de Jessica durante as tardes e encorajava Rowling a sair um pouco, bater perna, assistir a mostras de arte, olhar vitrines. Ao invés disso, Rowling encontrou uma mesa vaga em um café e começou a trabalhar no tí­tulo de Harry Potter.

Quando Susan perguntava a Rowling como ela tinha gasto o seu tempo, Rowling dizia, e Susan ficava invariavelmente desapontada. Rowling nunca mostrou seu trabalho a Susan. “Eu estava muito, muito, muito insegura”, disse ela. “Eu nunca mostrei a ninguém meus manuscritos”.

Seu projeto secreto era Harry Potter e a Pedra Filosofal, o primeiro da série. Ela o enviou para o agente Christopher Little, que concordou em representá-la. Depois de quatro tentativas ele vendeu o manuscrito para a Bloomsbury e o resto é a história pública que conhecemos.

Num ponto crucial do processo de escrita ela contou a Di sobre a idéia central do livro. “Ela riu nas principais partes” Rowling disse. “Isso significou muito para mim”.

E deu a ela o empurrão para que deslanchasse.

Os fãs que a adoram
Esta é uma prova de como as pessoas são entusiasmadas por Harry Potter e sua criadora. Em Livingston, Nova Jersey, na sessão de autógrafos, mais de mil pessoas compareceram. Em Borders Books, em Baileys Crossroads, funcionários extras foram chamados de outras lojas. E Toys, Etc., em Potomac, os proprietários estavam absolutamente ansiosos, cartaz dizia: “BOAS VINDAS Á ESCRITORA J.K. ROWLING”.

“As pessoas estão muito empolgadas para vê-la”, Brian Mack, dono da livraria, disse no evento do meio-dia. Setecentos pais e filhos esperavam numa fila para terem os seus livros autografados, mas a maior parte deles apenas querem dizer o quanto a estimam. Um oficial do Condado de Montgomery presenteou Rowling com uma declamação. Crianças trouxeram desenhos para ela.

Politics and Prose (NT: este é o nome da livraria) também teve sua quota de insanidade, disse o supervisor Angelo Parodi. Alguns pais solicitaram ‘uma audiência exclusiva com Vossa Santidade’. Rowling, é claro. E então tivemos uma tentativa de suborno na noite passada.

Um observador disse que a fila desenvolveu uma disciplina própria. O primeiro fã de Potter chegou ás oito da manhã, e pouco depois os pais (na maioria, mães) estabeleceram uma lista de ‘garantia’ das primeiras 20 pessoas na fila, que permitiram a elas ir ao banheiro sem que perdessem seus lugares.

“Ele está numa consulta com o dentista. Acredita?”, disse Peg Shook, do Condade de Calvert, que não compareceu ao trabalho e liberou seu filho, Stratton, 11 anos, de comparecer à escola.

“É algo como estar nos anos 20, e dizer que você conheceu A.A. Milne”, disse Karen Reillum que trouxe seu filho de 5 anos de idade, Joey, de Williamsburg para a sessão de autógrafos. Pouco antes das 4, Rowling chegou. Foi como uma noite de gala de Hollywood. O mar de fãs se dividiu e Rowling passou no meio deles, acenando. A multidão aplaudiu e ovacionou como se ela fosse uma divindade literária.

Uma mãe, que segurava a senha nº 100, disse que a assinatura de Rowling tinha ‘atingido’ a forma de uma linha reta quando o seu livro foi assinado. Embora a autora gaste alguns nanossegundos em cada livro, ela parava para cumprimentar várias crianças pelas suas roupas ou modos.

Uma garotinha disse a ela que os seus livros eram mágicos. Rowling respondeu que este era o melhor elogio que ela já recebera. E eram mais de mil fãs enfileirados.

Em uma das lojas, uma garotinha chegou vestida como Hermione, uma popular personagem da série. Rowling, no café da manhã, confessou que Hermione é vagamente baseada numa caricatura de mim mesma quando eu tinha 11 anos. Assim como Hermione, ela contou, ela sempre estava levantando a sua mão para responder ás perguntas dos professores. “Naquela idade, eu era irritante. Eu me destacava Outras personagens são baseadas em amigos reais”, ela disse, mas no fim das contas eles assumem uma vida própria.

E os que não a adoram tanto assim
Um dos personagens mais apavorantes de Rowling é o sinistro bruxo Voldemort. Ele é a personificação da pura maldade. Para alguns pais, ele é muito assustador. Eles estão preocupados com o fato de que Rowling está promovendo a bruxaria.

Na Carolina do Sul, o Conselho de Educação está reavaliando se os seus livros são apropriados para estudantes de todas as idades.

Elizabeth Mounce de Columbia, Carolina do Sul, é uma representante daqueles que esperam restringir os livros de Rowling para determinadas idades. “Nós não estamos tentando banir o livro”, ela disse em sua casa. “Nós apenas achamos que há muita maldade nele, muita violência”. Mounce afirmou que a bruxaria e o derramamento de sangue eram excessivos para seu filho que cursa o quarto ano.

Para estas crí­ticas, Rowling diz ter uma solução bastante simples: Não os leia.

Ela continua, “Se você banir todos os livros com bruxaria e o sobrenatural, você banirá três quartos de toda a literatura infantil”.

“Eu realmente acredito que estes são livros com alguma lição de moral”, ela disse. “Harry, Rony e Hermione são pessoas claramente boas. Eu conheci milhares de crianças, mas nunca conheci uma criança sequer que tenha me perguntado sobre o oculto”.

“Eu não quero fazer com que ninguém tenha pesadelos”, ela disse.

Ela admitiu que ‘os livros estão ficando mais assustadores’. Mas quando eles acabarem o último volume, a publicação do livro nº 7 está agendada para 2003.

Final Feliz
Joanne Kathleen Rowling está seguindo seu sonho e ninguém ficará em seu caminho, Os quatro próximos livros já estão estruturados. A Warner Bros. comprou os direitos cinematográficos de “Harry Potter” e o filme deverá ser lançado em 2001. Rowling disse que terá a aprovação final do roteiro.

Ela disse que finalizará a turnê de lanamento do livro e estará de volta a Edimburgo em 1º de Novembro, para conciliar sua fama recém descoberta com a liberdade.

A vida dela mudou, ela disse, dando um trago em seu cigarro, 99% por cento para melhor.

A grande diferença é a sensação de ali­vio. Ela foi agraciada pela mais surpreendente mágica. Não existe a menor possibilidade de ela voltar a lecionar francês novamente. Ela poderá seguir os seus princí­pios e fazer o que ela sempre quis. Apenas escrever.

Libby Copeland e Ellen Edwards, da equipe de redatores, contribuí­ram para a reportagem.

Traduzido por: Mara Regina Vitta em 04/05/2006.
Revisado por: Helena Alves em 26/05/2006, Vinicius Alvarez em 05/03/2008 e Antônio Carlos de M. Neto em 22/03/2008.
Postado por: Fernando Nery Filho em 04/05/2007.
Entrevista original no Accio Quote
aqui.