LIA WYLER
Potterish.com
29 de dezembro de 2006

 

Potterish.com: Quais foram suas impressões iniciais quanto ao título do sétimo livro? Você arriscaria uma tradução não-oficial, mesmo sem conhecer o contexto? Se sim, qual seria? Deverá ser uma tradução mais fácil que a de Half-Blood Prince?
Lia:
Hallows no plural significa entre muitas coisas os deuses pagãos e seus lugares de culto. Como no sétimo livro Harry estará procurando as outras horcruxes, faria sentido procurar nos lugares mais prováveis, não?

Potterish.com: Uma pesquisa na internet nos mostrou que na Escócia -Hallows- pode significar Fonte de Luz, entretanto a polêmica religiosa em torno dos livros não torna provável que a palavra tenha um significado religioso. O que você pensa sobre isso?
Lia:
Harry Potter é um bruxo, portanto cultua deuses anteriores ao deus cristão – daí­ os ataques de que a obra divulga a bruxaria, nome com que o mundo ocidental designa as práticas não-cristãs.

Fiz uma breve pesquisa em dicionários célticos e não encontrei a acepção para hallows que você me deu. Encontrei sim, em cultura céltica, a explicação de que as hallows na maioria das lendas representam as insígnias de um rei ou os objetos que alguém sai procurando em uma cruzada pessoal religiosa ou não. Um bom exemplo seria o Santo Graal, entendido aqui metaforicamente como um objeto muito desejado pelo qual vale a pena arriscar a vida, como as horcruxes que Harry sairá buscando. As insí­gnias citadas nas lendas célticas e inglesas, nas lendas do ciclo arturiano são a espada da luz, o caldeirão da cura, a pedra do destino, a lança de combate entre muitas outras. Você reparou que o objeto cultuado pela Grifinória é a espada e ficava guardada no gabinete de Dumbledore?

Então, o futuro tí­tulo em português fará referência às insí­gnias bruxas, talvez com outro nome mas com esse sentido. Acabei de conversar com o dono da Editora Rocco e chegamos ao seguinte tí­tulo provisório, em primeirí­ssima mão para a Potterish.com: -Harry Potter e as insí­gnias mortais –

Potterish.com: Você acha que o sexto volume da série tenha sido mais difí­cil de traduzir, considerando-se o problema com o tí­tulo?
Lia:
Não acho os livros de J. K. Rowling complicados, mas a tradução de uma série exige que o tradutor repita as escolhas que fez na primeira ocorrência de uma palavra ou de um fato em todos os volumes. Isto pode ser bom ou pode ser um desastre que só poderá ser remediado depois de terminar a série. Por exemplo chamei o quidditch de quadribol porque é jogado com 4 bolas e descobri em outro volume que a autora, ao contar a história do jogo, diz que no início ele era jogado apenas com uma bola. E que a bola não era bola, era passarinho – e um passarinho inventado. Há gente que acha que tradução é muito simples: pega-se um dicionário de inglês, outro de português, põe-se a palavra lá no Google e Plim! Plom! eis a solução!- Não se traduzem palavras, traduz-se cultura.

O tí­tulo foi trabalhoso por que não se podia, é claro, dar nenhuma pista de quem era o prí­ncipe, tí­tulo que em inglês leva inicial maiúscula e ajuda a construir o mistério de sua identidade. Em português precisamos criar outra solução, daí­ enigma, palavra semanticamente carregada de mistério.

Potterish.com: Você possui um site ou blog?
Lia:
Não; não gosto muito de exposição, como a maioria dos meus colegas tradutores e, embora curta avanços tecnológicos – sempre gostei de sci fi -, ainda não me acostumei com a idéia de me expor em um site como defunto em capela esperando que venham me trazer flores ou pedras. A Internet criou um anonimato que acoberta os covardes e permite aos mal informados agredirem impunemente. O Potterish é um dos raríssimos sites com o qual colaboro por que reconheço que ele é tão especial quanto a série que escolheu para discutir.