DAVID THEWLIS
O livro de David

Sunday Herald ~ Barry Didcock
29 de outubro de 2007
Tradução: Raisa Garcia

David Thewlis tem ótimas estórias de sua carreira como ator. Mas agora ele escreveu uma ainda melhor.

Tendo triunfado em Cannes, trabalhado com Brando e aparecido em filmes tão variados como O Grande Lebowski e Harry Potter, David Thewlis já tem mais credibilidade do que a maioria dos atores tem em uma vida. Ele até sobreviveu a Instinto Selvagem 2 com sua reputação intacta, um fato não desconsiderado devido às circunstâncias.

“Sim, é um monte de merda do c***ete,” diz o ator de 44 anos, cutucando um sanduíche não comido em um café legal de Londres. “Eu fiz pelo dinheiro. Sharon Stone é um pé no saco.”

No entanto, suas conquistas na atuação são poucas, comparadas a que nós estamos aqui para falar sobre: o romance que ele começou a escrever em 1999, e que finalmente foi publicado. Seu título é The Late Hector Kipling — uma jornada muito engraçada e satírica pelo mundo da arte contemporânea.

Embora Thewlis tenha sempre escrito — músicas, poemas, diários, roteiros — ter um romance terminado completa um comichão que durou a vida inteira, e que a atuação nunca pôde coçar.

“Eu não acho que você pode ser um ator genial. Pra começar, não é tão difícil. Você meio que se pergunta por que nem qualquer um pode fazê-lo.”

Genial, ele acha, é outra coisa. É pintar, é escrever, é sentar com Billy Connolly e Robin Williams em um bar tarde da noite, como Thewlis fez, enquanto eles embarcavam numa mistura cômica.

“Eu não tive uma p***a de uma palavra nele,” ele diz carinhosamente enquanto lembra do evento. “Eu tive que sair do lugar porque minha cabeça estava doendo muito. E quando você vê algo assim, você sabe que tem tanta genialidade nisso como tem em Einstein ou Picasso — duas pessoas apenas falando, mas dizendo tantas coisas engraçadas por minuto.”

Connolly contribuiu com uma citação gentil à contracapa. Assim como Jake Chapman, outro amigo, que tem isso a dizer: “Eu ri e ri até que eu li meu próprio nome entre a matança dos personagens de Thewlis. Esse livro é uma desgraça.”

Hector, o anti-herói titular de Thewlis, é um pintor cuja vida começa a desmoronar quando seu antigo amigo Lenny Snook é indicado ao Turner Prize e começa a se ocupar com uma nova peça conceptual para o Tate. Um sofá com um pequeno corte.

Como se inveja profissional não fosse o suficiente para se sustentar, a própria exibição modesta de Hector é destruída quando um motociclista passa pelo meio de um de seus quadros enquanto este está sendo carregado em um caminhão. Hector faz cabeças. Grandes.

Então, cheio com suas dúvidas e ódio interiores — e se perguntando se grandes cabeças não são um beco sem saída artístico nesses dias de arejados sofás — Hector se junta à sádica pseudo-gótica Rosa, ignorando o fato de que sua namorada Eleni está na Grécia visitando sua mãe no leito de morte. É uma coisa covarde e grosseira para se fazer, mas bem, este é Hector.

Alguns personagens no romance são reais —David Baddiel, por exemplo — enquanto o resto é de pessoas severamente observadas por Thewlis ali pelo Soho, onde ele vivia quando começou a escrever o romance, ou na modernosa Shoreditch, onde ele vive agora e onde ele finalmente o terminou.

O diálogo, no momento, é rápido, engraçado, e tem falas como: “Quanto de você mesmo você acha que poderia comer antes de desmaiar?” É o tipo de coisa que Lenny e Hector gostam de discutir depois de muitas cervejas no Soho. Thewlis também, ele admite.

Então por que a demora entre começar o romance e publicá-lo? O projeto foi adiado no dia que ele finalmente completou o primeiro rascunho. “Eu conheci Anna na noite em que terminei o primeiro rascunho do livro,” ele diz. “Eu digitei ‘Fim’ e sai e celebrei. Ela tinha saído também. Eu e ela ficamos juntos. Eu me apaixonei e fiquei entre quatro paredes por meses, meses e meses. Meu agente e meus editores foram muito pacientes. Mas anos se passaram.”

Anna é a ex-atriz de Brookside, Anna Friel, mãe da filha de dois anos de Thewlis, Gracie, e estrela do drama televisivo americano, Pushing Dasies. Então o lar, para Thewlis, é atualmente LA, onde eles vivem em uma casa alugada em Beechwood Canyon, perto do letreiro de Hollywood. Ele é, ele admite, um pai o tempo todo.

No entanto, Thewlis não tem planos de deixar de atuar, o que virá como um alívio a quem faz os filmes Harry Potter. Ele volta como o professor Remo Lupin ano que vem em Harry Potter e o Enigma do Príncipe. Até agora, ele tem ficado satisfeito com os filmes. Mas o que ele fez da autora quando a conheceu? “Ela foi realmente adorável,” ele diz. “Ela disse que estava muito feliz que eu estava fazendo o papel. Na verdade, ela disse que Lupin era seu personagem preferido. Eu disse, bem, então o ponha mais vezes no livro.”

Ele também acabou recentemente um filme escrito e dirigido pelo romancista Paul Auster, um de seus heróis. Thewlis embarca em uma estória longa e envolvente sobre como se deu sua participação no projeto. Começa em Cannes, em 1993, com Mike Leigh o apresentando a Auster quando Thewlis estava lá com o premiado Nu, de Leigh, e termina com Auster ligando para Thewlis e o convidando para estar em um filme. A conversa foi estranha.

“Ele disse, você se lembra de ter me conhecido em Cannes?” lembra Thewlis. “Eu disse, sim, e é muito presciente que você ligue, porque Mike Leigh disse que eu deveria escrever um romance quando ele me viu apertando sua mão.” Ele disse, “Você o escreveu?” e eu disse, “eu estou terminando agora.” Ele disse, “Eu lhe direi porque estou ligando: Eu escrevi um filme e eu quero que você faça o papel principal. É sobre um homem que está terminando um romance” Então eu digo, “você tá brincando, né?” E de repente Thewlis se viu em um set de filmagem em Portugal, com a atriz suíça Irene Jacob, filmando A Vida Interior de Martin Frost. Coisas ainda mais estranhas estão a seguir.

“Paul disse, eu vou fazer várias cenas suas digitando, então por que você não continua seu livro?” Thewlis poliu seus rascunhos iniciais do capítulo final nas tardes, em companhia de Auster. “Uns dois parágrafos foram realmente escritos no set, enquanto filmávamos,” ele diz.

Thewlis é cheio de histórias assim. Algumas ele guarda para o pub, eu imagino, mas outras ele escreveu, assim como sua mini memória sobre trabalhar com o falecido Marlon Brando e com o diretor John Frankenheimer em A Ilha do Dr Moreau, em 1996.

Ele começou a tratar Brando amigavelmente no set, e os dois iriam ficar no trailer da lenda das telas jogando xadrez. Brando, diz Thewlis, estava “bem maluco. Ele se trocava sempre na minha frente. Então eu o vi pelado e ele era um grande colega.”

Não foi uma filmagem feliz. Val Kilmer estava passando por um divórcio, o diretor original tinha sido demitido, o governo francês estava detonando bombas nucleares perto do atol que pertencia a Brando, cuja filha, Cheyenne, tinha se suicidado há apenas alguns meses. Quando Branco recebeu notícias sobre outra morte na família, ele finalmente começou a chorar e foi Thewlis quem teve que consolá-lo.

“Se alguém tivesse me falado três semanas antes que eu iria conhecer Marlon Brando, ou ainda estar num trailer o abraçando e sentindo suas lágrimas em meu pescoço, eu não teria acreditado. Mas a vida é muito estranha.”

Enquanto ele fala, ele atua. Ele abre seus braços, indicando a grandeza de Brando, e abaixa sua cabeça, como se estivesse sobre o ombro do mais velho. Talvez propositalmente pareça com uma pose de crucificação.

As memórias de Thewlis de seu tempo no set de filmagem duram por volta de 60 páginas e estão atualmente com a revista The New Yorker, cujos editores estão tentando convencê-lo a permitir que eles publiquem em parte. Se for tão engraçado impresso como é sobre um ovo e sanduíche de agrião, vale a pena prestar atenção nele.

E com Brando e Frankenheimer ambos mortos, resta apenas Val Kilmer para processar, com razão, por calúnia.

“Mas eu não estou certo sobre isso,” diz Thewlis. “Eu não quero ficar mal falado em Hollywood como o cara que faz um filme e então fala mal de todos. Mas é engraçado. Eu sou bem cruel sobre Frankenheimer, mas ele mereceu isso. Ele era horroroso, indecente pra p***a, um peste velho teimoso. E você pode usar isso como citação minha.”

Então eu o fiz.

The Late Hector Kipling está à venda (Picador, €16.99).