Harrison, David; Sawer, Patrick; Willsher, Kim. “Bisavô de J.K. Rowling foi um heroi francês da Primeira Guerra Mundial”. Telegraph, 7 de fevereiro de 2009.

Está faltando um livro na obra de JK Rowling e deveria ser chamado de “A Criadora de Harry Potter e a Legião de Honra” e ter como subtítulo “O Legado do Bisavô.”

Enquanto o heroi ficcional de Rowling inspira milhões, há outro heroi, menos conhecido, na vida dela: seu bisavô que lutou nas trincheiras da Frente Ocidental na Primeira Guerra Mundial.

Quando a autora recebeu o prêmio Legião de Honra, de Nicolas Sarkozy, presidente francês, ela revelou que seu corajoso antepassado, Louis Volant, ganhou o mesmo prêmio por sua bravura durante a Batalha de Verdun.

Agora, o Sunday Telegraph revela a história completa da extraordinária coragem de Volant em uma das batalhas mais importantes da guerra.

Volant foi ferido e afastado três vezes, mas continuou retornando às trincheiras para lutar na armada francesa contra os alemães.

Ele recebeu o prêmio Legião de Honra por sua bravura quando foi ferido enquanto tentava levar suprimentos de granada para os soldados franceses cercados pelas tropas alemãs no Forte de Vaux, perto de Verdun.

O soldado, que se casou com uma inglesa em 1900, sofreu ferimentos que o deixaram incapacitado, depressivo e com apenas 50% da visão em um dos olhos.

Detalhes de sua ilustre carreira militar estão em documentos dos arquivos nacionais em Paris.

Ele foi alistado em 2 de agosto de 1914, um dia antes da Alemanha declarar guerra à França, no 108º Regimento de Infantaria Territorial (RIT), e mais tarde transferido para o 252º RIT.

Em outubro, depois de um ataque na vila de St. Baussand, ele foi afastado das trincheiras em Lorraine com tifóide e promovido a subtenente.

O soldado retornou para a frente em abril de 1916, mas menos de dois meses depois foi seriamente ferido durante o cerco no Forte de Vaux, perto de Verdun, onde uma pequena guarnição militar liderada pelo Comandante Sylvain Raynal resistia aos alemães.

Volant foi ferido na noite de 5 de junho, “tentando abastecer o forte com granadas” e foi transferido para o 52º Regimento de Infantaria. Em novembro de 1916 estava de volta ao campo de batalha, servindo na artilharia até 24 de fevereiro de 1918.

Em outro documento, Volant diz que após o ataque em Mont Kemmel, uma frente britânica, ele “assumiu o comando da 9ª Companhia após numerosas perdas de oficiais e soldados”.

Ele foi ferido em 10 de maio de 1918, “sob violento bombardeio” e foi levado, com “45 por cento de mutilação,” para Bourbourg, no norte da França.

O soldado passou por uma operação que ele descreve como um “trépano”, provavelmente “trepanação”, um procedimento em que um buraco é feito no crânio para aliviar a pressão.

Em uma carta, ele descreve a extração de um “projétil” de um ferimento. Ele diz que ficou em estado de choque, sofreu de vertigem e “irritação” e ficou com “numerosas cicatrizes em seu rosto devido ao projétil”.

A carta menciona “perda de um membro, tendências depressivas” e perda de metade da visão do olho direito.

Volant foi afastado em 12 de julho de 1919. Arquivos de 1925 mostram que ele sofreu de 40% de invalidez.

Ele foi indicado para a lista de honras em novembro de 1924 como um Cavaleiro da Legião de Honra e recebeu sua medalha em uma cerimônia militar em Lyons no mês seguinte.

Cartas de Volant, que se descreve como um professor amador de escola primária, mostram que ele teve de pagar 67 francos por sua medalha e lutar por benefícios de invalidez.

Ele escreveu várias cartas para a Grande Chancelaria da Legião de Honra, pedindo que pagassem os benefícios de invalidez devidos a alguém que havia recebido a medalha. Seu pedido era apoiado por cartas de membros do parlamento ao Ministério da Guerra.

A neta de Volant, Marian Fox, 68, que vive em Hertfordshire, disse: “Minha avó costumava dizer que aquela medalha era de uma categoria mais alta do que a premiada ao General De Gaulle”.

“Para nós, netos, era uma fonte de orgulho que ele tivesse ganhado essa medalha, mas para nós ele era apenas um avô adorável com muitas histórias interessantes. Ele se parecia um pouco com uma caricatura de um homem francês: pequeno e troncudo com uma boina”.

Uma cópia de sua certidão de nascimento nos arquivos mostra que Louis François Alexander Volant nasceu em 16 de julho de 1878 na vila de Ordonnaz, leste da França, a cerca de 50 milhas das fronteiras com a Itália e a Suíça.

Quando jovem, Volant, filho de um alfaiate, se mudou para Paris, onde trabalhou como garçom. Pouco depois da virada do século, ele viajou para a Inglaterra e encontrou trabalho no Café Royal, em Londres, onde ele evoluiu até se tornar garçom-chefe, antes de obter o prestigiado cargo de sommelier(1) no Savoy Hotel, na Strand.

Em Londres, ele conheceu Eliza Mary Ann Smith, filha de um guarda costeiro. Eliza ficou louca pelo arrojado francês, de acordo com o folclore da família.

Eles se casaram na vila de Gorleston, Norfolk, em 22 de janeiro de 1900, antes de retornar a Londres, onde se estabeleceram em uma grande casa em Albert Street, Camden.

Eles tiveram quatro filhos, incluindo o avô de J.K. Rowling, Stanley George Volant, cuja filha foi a mãe da autora, Anne Volant.

A Sra. Fox disse: “Eles gostavam de ter um bom padrão de vida. Costumavam alugar quartos para inquilinos”.

“Meu avô tinha um bom trabalho no Savoy. Ele ganhava boas gorjetas dos hóspedes – notas de £5 algumas vezes, o que era muito dinheiro na época – e até presentes. Um dos hóspedes deu a ele um par de abotoaduras de diamante”.

“Ele empregava garçons franceses e minha avó costumava passar e engomar as camisas deles.”

Pouco antes do início da Primeira Guerra Mundial, Volant retornou a Paris, onde se juntou ao exército francês e logo estava lutando na Frente Ocidental.

Após o armistício, ele permaneceu na França. Embora tenha se separado de sua esposa Eliza, ele voltava para Londres regularmente para ver seus filhos durante as décadas de 1920 e 1930.

Ele permaneceu em Paris durante a Segunda Guerra Mundial, sofrendo as privações da ocupação nazista junto com seus patrícios.

Em várias ocasiões, ele conseguiu mandar cartas aos seus filhos em Londres através da Cruz Vermelha, pedindo que eles mandassem roupas para repor seus trajes surrados.

Quando ele morreu em Paris, em 1948, sua filha mais velha, Gladys, descobriu que algumas de suas posses haviam sido perdidas ou roubadas – incluindo seu prêmio da Legião de Honra.

Após o presidente Sarkozy ter concedido a J.K. Rowling o título honorário de “cavaleiro” na cerimônia no Elysee Palace semana passada, a autora disse: “Meu trabalho não pode ser comparado aos atos desses homens que sofreram ferimentos horríveis ou sacrificaram suas vidas pela liberdade e pela justiça”.

“Mas ele é um antepassado e eu sempre tive orgulho dele, então gosto de acreditar que ele ficaria feliz em saber que há uma segunda Legião de Honra na família, e que os livros escritos por sua bisneta são muito apreciados no país onde ele nasceu”.

NR:
(1) Sommelier: especialista em vinhos em um restaurante.

Traduzido por: Renata Grando em 07/2009.
Revisado por: Juliana Poli Bonil em 09/2009.
Postado por: Vítor Ruwer Werle em 18/01/2010.
Reportagem original aqui.