SWEENEY TODD
Tim Burton faz muito pelo musical, mas o que o musical pode fazer por Tim Burton?

Omelete ~ Marcelo Hessel
07 de fevereiro de 2008

Musical é cinema de execução, nem tanto de inspiração. Precisa ter coreografia ensaiada, marcação de cena certa, vozes afinadas. Sob esse aspecto, Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet (2007), o primeiro musical genuíno de Tim Burton depois de flertes recentes com o gênero em A Fantástica Fábrica de Chocolate e A Noiva-Cadáver, é um excelente filme – um filme de execução impecável. Isso não significa que seja o trabalho mais apaixonante de Burton.

A adaptação para o cinema do musical de Stephen Sondheim, que por sua vez reescreve livremente a lenda vitoriana do barbeiro assassino, coloca Johnny Depp para interpretar Benjamin Barker, barbeiro que, depois de ser injustamente expulso de Londres e ver esposa e filha caírem em desgraça, retorna adotando o pseudônimo de Sweeney Todd para consumar sua vingança. Ao lado da quituteira Mrs. Lovett (Helena Bonham Carter), o vingador usa a cadeira do barbeiro para assassinar seus clientes, enquanto ela pega os restos mortais para assar tortas que viram a sensação de Londres.

Antes de mais nada, a sombria Inglaterra vitoriana, segunda metade do séxulo XIX, auge da Revolução Industrial, era de ouro dos vampiros e dos assassinos em série, é cenário ideal para o imaginário dândi-soturno de Burton. Fãs do cineasta devem reconhecer imediatamente o visual à Bento Carneiro de Depp, o ator-emblema do cineasta, com suas madeixas grisalhas e olheiras melancólicas. O que a dupla faz a partir desses dados – e que talvez desagrade parte do público, até mesmo o mais fiel – é seguir à risca as regras do gênero musical (e adicionar-lhe alguns galões de sangue).

E aí vai muito do gosto e da tolerância do público. Um filme limitado e de trama funcional como Across the Universe faz sucesso porque todo mundo já conhece de cor as músicas dos Beatles, mas ouvir o jovem ator Jamie Campbell Bower cantar “I seeeee you, Johaaaaaanna” pela quinta vez pode fazer de Sweeney Todd uma experiência enfadonha para quem já se indispõe de antemão com o cancioneiro. Não entram numa crítica esses tipos de gostos e julgamentos. O que a crítica pesa é se o filme cumpriu ou não aquilo que propunha, e Burton executou o plano notavelmente.

Primeiro, porque o roteiro adaptado por John Logan cria um zigue-zague entre os dois núcleos dramáticos (barbeiro/quituteira, marinheiro/donzela) que não dá muito espaço para tempos mortos. Quando Todd e Mrs. Lovett terminam de cantar uma passagem importante de sua cumplicidade, a trama corta para uma música dos dois jovens enamorados, e assim por diante. Não há canções “sobrando”, uma vez que quase todas impulsionam a trama adiante. Com isso, o filme ganha agilidade e, em certa medida, os números musicais de cada núcleo cansam menos (porque vêm intercalados).

Além da artimanha de roteiro, há de se louvar a excelência técnica. Algumas cenas – ou, já que estamos falando de musical, alguns números – servem de modelo. A montagem e a edição de som no primeiro encontro de Todd com o juiz na barbearia e na sequência da primeira fornada de tortas humanas são impecáveis. As vozes de Depp e Alan Rickman fundindo-se e intercalando-se com os sons dos panos, da navalha e da cadeira do barbeiro aumentam um suspense que, naquele momento, já era enorme. Já o barulho do alçapão em cortes rápidos, entre uma batida e outra da faca de Mrs. Lovett, dá um ritmo quase dançante à hora da matança.

Em sua cadência perfeita, Sweeney Todd se revela um dos melhores musicais produzidos em Hollywood nos últimos anos. Mas dentro de um universo burtiano povoado de seres à margem da beleza, de ícones imperfeitos como Beetlejuice, Edward Mãos-de-Tesoura e Ed Wood, talvez não exista lugar para esse tipo de perfeição.