“Chá & Bolo com J.K. Rowling”. Words with JAM, 03 de junho de 2011.

Declaração de interesse: eu conheci Jo Rowling em 1991. Acolhedora, espirituosa e inteligente, ela tinha um senso de humor sujo e uma risada como a de Sid James. Tornou-se uma de minhas melhores amigas. Vinte anos depois, muita coisa mudou, mas a nossa amizade continua. Eu a admiro muito, não somente como escritora, mas como uma pessoa astuta, corajosa e apaixonada. Ela também faz bolos bons para caramba.
JJ Marsh

Qual era o seu livro ou livros favorito(s) na infância?
O Pequeno Cavalo Branco”, de Elizabeth Goudge. O tom é perfeito; uma mistura homogênea de conto de fadas e a realidade. Ele também tem uma heroína comum, o que me encantou além das palavras como criança, porque eu era uma garotinha muito comum e não tinha encontrado muitas heroínas literárias que não fossem bonitas de tirar o fôlego. Os parágrafos iniciais de “O Pequeno Cavalo Branco” ficaram comigo por toda a minha vida. Goudge diz que há três tipos de pessoas nesse mundo: aquelas que encontram consolo na comida, aquelas que encontram consolo na literatura, e aquelas que encontram consolo em adornos pessoais.

Eu sei que li “Little Woman” quando tinha oito anos, porque nos mudamos de casa pouco depois, quando tinha nove. Naturalmente, eu me identifiquei de todo coração com Jo March, com aquela ambição literária em ebulição e o pavio curto. Minha mãe tinha tudo o que a Georgette Heyer escrevera, então eu os lia também quando era pré-adolescente, e FINALMENTE encontrei uma heroína normal aqui também (Phoebe, em ‘Sylvester’, que também – uhu! – acabou sendo uma escritora).

Basicamente, eu vivia para os livros e fui sustentada pelos personagens literários com os quais pude me identificar – era simples e completamente uma rata de biblioteca comum, com sardas e óculos da National Health.

Escritores sempre lamentam a falta de tempo. Entre as responsabilidades familiares, o trabalho de caridade e as exigências de publicidade, como você arranja espaço criativo?
Você tem que ser altamente disciplinada. Na biografia impressionante de Colette, “Secrets of the Flesh”, Judith Thurman escreveu que a maternidade e a escrita “são, às vezes, vocações conflitantes” – isso é muito verdadeiro. Meus filhos vêm antes do meu trabalho, mas quando estou no meio de um romance, a escrita vem antes de responder e-mails e cartas, retornar ligações telefônicas, fazer trabalhos mundanos pela casa – virtualmente tudo. Com isso você pode deduzir que eu tenho amigos excepcionalmente pacientes (como você bem sabe) e um marido tolerante maravilhoso.

E-books – Nêmesis ou Gênesis?
Gênesis. Não adianta tentar impedir o progresso, mas a impressão nunca vai morrer; não há substituto para a sensação de um livro de verdade. Eu adoro virar fisicamente as páginas, ser capaz de sublinhar passagens e não me preocupar em derrubá-lo no banheiro ou ficar sem energia. Também acho livros impressos objetos de beleza, e não falo isso como uma preciosa colecionadora-de-primeiras-edições-sem-dobrar-a-lateral-do-livro, mas como alguém que ama um livro novinho em folha e o cheiro de livros de segunda mão.

No entanto, há momentos em que os livros eletrônicos são uma dádiva de Deus. Nos esquecemos de embalar o meu mais novo livro de cabeceira quando estávamos viajando no ano passado, e eu realmente apreciei a magia de poder baixar um em segundos! Esse verão será a primeira vez que vou levar cinquenta e-books para ler enquanto estivermos de férias, ao invés de encher minha mala com livros impressos.

Existe um livro que mudou sua vida? Se sim, como?
Bem, deixando de lado a resposta óbvia (Harry Potter e a Pedra Filosofal), eu escolheria “Hons and Rebels” de Jessica Mitford. Minha tia-avó achava que a Jessica Mitford tinha uma natureza simplesmente deplorável (Mitford fugiu de sua família de classe alta para se tornar uma comunista e se unir à guerra contra Francisco Franco na década de 1930), e eu a ouvi contar à minha mãe tudo sobre ela quando tinha catorze anos. Eu mostrei interesse, de modo que minha tia Ivy me deu uma cópia antiga da autobiografia de Mitford, contente, sem dúvida, em retirá-lo de suas respeitáveis estantes. Era o livro mais perigoso a dar a uma adolescente esquerdista insatisfeita; Jessica Mitford imediatamente se tornou minha heroína. Eu li tudo o que ela já escreveu e acabei dando o seu nome à minha filha mais velha.

Descreveria seu escritório e seus pontos de interesse?
Compartilho um escritório com meu marido, então há dois computadores, um de costas para o outro, em uma mesa enorme, mas eu tenho o lugar só para mim durante o dia. Meu lado da mesa é um perigo para a saúde. Ao meu redor, enquanto escrevo isso, tem: um longo pedaço de casca de laranja seca, uma caixa de plástico vazia que contém mirtilos, metade de uma sacola de preztels salgados (aí há duas semanas), uma caixa vazia que continha Optrex Eye Drops, uma tonelada de livros de referência, um telefone enterrado fora de vista sob diversos pedaços de papel, dois jornais velhos, um monte de canetas (a maioria sem funcionar), um par de óculos quebrados e o lado de um brinco. O resto da sala é bem desarrumado também, embora não seja tão ruim quanto o meu lado da mesa. Eu adoraria colocar a culpa de parte disso em Neil, mas realmente sou eu. Sou muito melhor em organizar ideias do que pilhas de papel.

Devo acrescentar que posso e escrevo em todo lugar da minha casa, e muitos outros lugares além. Adoro escrever na cama, e tenho uma cadeira favorita na nossa sala de estar, onde eu às vezes vou com o meu laptop se imagino uma mudança de cena. Meu carinho por cafés também é bem conhecido.

O que a anima e/ou deprime sobre o mundo da publicação de hoje?
Eu sinto como se estivesse um pouco fora do circuito nesse quesito por não publicar nada há alguns anos. Meu agente diz que é um momento difícil para um desconhecido ser publicado, mas eu ainda acredito que se você tem um bom material, você eventualmente vai triunfar.

Há livros que você relê?
Muitos e muitos. Quando estou trabalhando, acho incrivelmente difícil ler novos livros (embora quando estou entre meus próprios livros, devoro os de outras pessoas). Então se estou escrevendo, estou relendo. Eu reli tudo de Jane Austen tantas vezes que realmente posso visualizar o tipo de página; adoro Colette, Katherine Mansfield, Dorothy L. Sayers, Ngaio Marsh, E. F. Benson e P. G. Wodehouse, os quais estão sempre ao lado da minha cama. Eu leio um monte de diários e biografias também; Chips Channon também tem um lugar fixo na estante de cabeceira, assim como o acima mencionado “Secrets of the Flesh”, e tudo de Frances Donaldson é eminentemente para se reler.

Qual palavra ou frase você usa de forma exagerada – na escrita ou na vida?
Não tenho orgulho em dizer que são provavelmente os palavrões no dia a dia. Escrevendo os livros de Harry Potter, eu enjoei mortalmente das palavras ‘passagem’, ‘corredor’ e todas as outras relacionadas com a circulação interminável de meus heróis em torno do castelo de Hogwarts.

A. S. Byatt causou alvoroço quando declarou que o Orange Prize tinha preconceito com o sexo oposto. Você acha que as mulheres precisam de uma plataforma separada para o reconhecimento?
Bem, não há dúvida de que as escritoras têm sido pouco representadas quando se trata de ganhar o grande prêmio literário (em contraste com os prêmios da literatura infantil, que são muito igualitários). Claramente, há duas conclusões possíveis a se tirar das enormes listas masculinas e vencedores; ou as escritoras não são tão talentosas quanto seus colegas do sexo masculino, ou o mundo dos grandes prêmios literários ecoa a falta de representação feminina em outras áreas da sociedade. Eu acredito na segunda opção, então diria que o Orange Prize faz um trabalho útil em dar às melhores escritoras do dia o tipo de exposição que elas poderiam não receber de outra forma.

Confesse sua culpa em prazeres de leitura.
Histórias de detetive ou mistério, especialmente da Era de Ouro – Christie, Sayers, Allingham e Marsh. Embora, se eu for sincera, não me sinto culpada por lê-los. Ler revistas inúteis me faz sentir mais vergonha de mim mesma.

Harry Potter e a Pedra Filosofal foi publicado em 1997. Desde então, como você mudou como escritora?
Espero que eu tenha melhorado. Acho que melhorei.

O debate eterno da literatura floresceu recentemente. O quão diferente é a literatura de ficção do gênero ficção, em sua opinião?
Sempre houve uma sobreposição. O falecido J. G. Ballard é o exemplo moderno que vem à mente; um escritor excelente que “transcende” o gênero de ficção científica. Sou bastante indiferente à distição entre a “literatura” de ficção e o “gênero” ficção, e pulo muito livremente entre os dois como leitora sem me sentir em um pouco como se estivesse ‘favelizando-os’. O chamado “gênero” ficção nos deu personagens imortais como Sherlock Holmes, Ford Prefect e James Bond, que sempre influenciaram a nossa cultura e idioma; o que há ali para se esnobar?

Conte-nos seu(s) talento(s) secreto(s) – exceto os bolos.
Eu ia dizer os bolos, mas isso me pegou de surpresa. Gosto de fazer Sudokus bem difíceis – isso conta como um talento? Eu também consigo segurar coisas com os dedos dos pés, embora ache que isso pode ser classificado como uma deformidade. Ninguém jamais gostou de me ver escrevendo com os pés.

J.K. (Joanne Kathleen) Rowling nasceu no verão de 1965 no Yate General Hospital na Inglaterra e cresceu em Chepstow, Gwent, onde estudou no Wyedean Comprehensive.

Jo saiu de Chepstow para a Exeter University, onde conseguiu se formar em Francês e Filosofia, e onde seu curso incluía um ano em Paris. Como uma pós-graduanda, ela se mudou para Londres para trabalhar na Anistia Internacional, fazendo pesquisas sobre abusos dos direitos humanos na África francófona. Ela começou a escrever a série Harry Potter durante uma viagem de trem de Manchester para a King’s Cross em Londres, e durante os cinco anos seguintes, ela fez o esboço das tramas de cada livro e começou a escrever o primeiro deles.

Jo então se mudou para o norte de Portugal, onde ensinou inglês. Ela se casou em outubro de 1992 e deu à luz sua filha Jessica em 1993. Quando seu casamento acabou, ela voltou para o Reino Unido para viver em Edimburgo, onde estudou para ser professora e onde Harry Potter e a Pedra Filosofal foi eventualmente terminado.

Em 1996 ela recebeu uma proposta de publicação e o livro foi publicado primeiramente pela Bloomsbury Livros Infantis em junho de 1997, sob o nome de J.K. Rowling.

Jo se casou com o Dr. Neil Murray em 2001, e o irmão de Jessica, David, nasceu em 2003. Outra irmã, Mackenzie, o seguiu em janeiro de 2005.

J.K. Rowling recebeu os seguintes prêmios e honrarias: Ordem do Império Britânico (OBE), 2001 – Príncipe das Astúrias de Concord, Espanha, 2003 – Prêmio de Edimburgo, 2008 – Chevalier de La Legion d’Honneur, França, 2009 – Diplomas Honorários da Universidade de Exeter, Universidade de St. Andrews, Napier University, Universidade de Edimburgo, Dartmouth College (EUA), Universidade de Harvard (EUA), Universidade de Aberdeen – Discurso de Formatura, Universidade de Harvard, EUA, 2008 – James Joyce Award, University College Dublin, 2008 – Autora do Ano, British Book Awards, 1999 – Autora do Ano da Booksellers Association, 1998 e 1999 – W H Smith Fiction Award, 2004 – Blue Peter Gold Badge, 2007 – Outstanding Achievement Award, British Book Awards 2008.

J.K. Rowling apoia um grande número de ações de caridade e causas.

Ela iniciou o Volante Charitable Trust, que apoia um grande número de causas relacionadas à privação social e problemas associados a isso, particularmente os que afetam mulheres e crianças.

O fundo financiou uma variedade de projetos no Reino Unido e além. Ele também apoia pesquisas para as causas e o tratamento da Esclerose Múltipla.

Por sete anos ela foi uma Embaixadora das “Famílias de Pais Solteiros”, agora chamada Gingerbread, uma ação de caridade que trabalha com pais sozinhos e seus filhos. Em 2007, ela aceitou um cargo honorário como Presidente na fundação.

Desde 1999, J.K. Rowling tem sido uma partidária da Sociedade de Esclerose Múltipla da Escócia, por 9 desses anos como sua Patrona. Tendo perdido sua mãe para a doença aos 45 anos, esta é uma das causas das quais Jo mais gosta e seu apoio incluiu planejar e apresentar eventos para arrecadação, conversando diretamente com políticos, escrevendo artigos e dando entrevistas para aumentar a conscientização sobre esta doença que atinge tantos escoceses, e contribuindo com fundos significativos para a pesquisa na Escócia, incluindo estabelecimentos de pesquisa em Edimburgo e Aberdeen. Ela recentemente saiu do cargo de Patrona da fundação, mas continua a bancar pesquisas sobre a EM diretamente.

Em 2005, J.K. Rowling co-fundou o Children’s High Level Group (CHLG) com Emma Nicholson MEP, inspirada por uma matéria que ela leu sobre crianças em camas com grades em instituições na República Tcheca. Esta fundação pretende melhorar a vida de crianças em tratamento, no Leste da Europa e por fim no resto do mundo. Em 2007, J.K. Rowling leiloou para a CHLG uma cópia de uma das sete edições especiais de Os Contos de Beedle, o Bardo, que arrecadou £1.95 milhão. Em dezembro de 2008, o livro foi publicado em prol da fundação e se tornou o livro que vendeu mais rápido naquele ano. Em fevereiro de 2010, o braço britânico da fundação passou a se chamar Lumos.

Jo apoiou inúmeras outras causas e ações de caridade, incluindo o Comic Relief, para o qual ela escreveu dois pequenos livros; The Maggies Centres para o Tratamento de Câncer, do qual ela foi uma Patrona por alguns anos e os Médicos sem Fronteiras, em prol do qual ela presenciou um evento juntamente com Stephen King e John Irving em Nova Iorque em 2006.

Traduzido por: Daniel Mählmann e Sylvia Souza em 04/06/2011.
Postado por: Daniel Mählmann em 04/06/2011.
Entrevista original em scans aqui.