LIA WYLER
Entrevista exclusiva com a tradutora da série Potter

Potterish.com ~ Marcelo Neves
28 de setembro de 2007

1) Supondo que a tradução da primeira folha até a última seja o equivalente a 100%. Quantos % a senhora traduziu até agora?
R. Concluí­ hoje, 62 dias depois de iniciada, a tradução do sétimo volume da série Harry Potter.

2) Diante da pressão para que a tradução seja rápida, a criatividade necessária fica prejudicada? A senhora pode nos contar sobre algum termo deste volume que tenha sido particularmente difí­cil de adaptar, como ficou a tradução e por quê?
R. Marcelo, acho que a pergunta está juntando dois conceitos dí­spares: criatividade e técnica. A criatividade é um dom com que a pessoa nasce e que durante a vida, se houver oportunidade, ela vai desenvolvendo com relação a um ou vários campos de trabalho. Por sua vez, a técnica, em qualquer profissão, pode ser aprendida e aperfeiçoada em qualquer momento da vida desde que a pessoa tenha interesse e alguma habilidade.

Contribuem para uma boa tradução o conhecimento dos procedimentos básicos usados no mundo inteiro, a experiência com traduções do mesmo gênero e, no presente caso, da mesma autora. Quando a Editora tem urgência de uma tradução, ela própria cria as salvaguardas necessárias para produzir em tempo recorde uma edição com poucos erros – pois erros sempre há em qualquer produto audiovisual.

Não sei se já mencionei isso, mas não leio os livros antes de traduzi-los – a maioria dos tradutores que trabalha com ficção comercial não os lê. Portanto, uma dificuldade que tive foi a frase “Open at the close” porque eu não sabia se devia entendê-la literal ou metaforicamente e foi preciso decidir isso no capí­tulo 7, sem voltar atrás, porque os capí­tulos foram entregues à  Editora logo após eu os traduzir e rever. Ora, “Close” pode ser o ato de fechar, o fim, fecho ou conclusão, terras particulares, recinto fechado, átrio. Escolhi “fecho”. A frase ficou então “Abro no fecho”, ou seja no fim, mantendo o jogo de palavras do original “open e close”. Mais divertidos foram os ditados, máximas ou anexins que a autora inventou para o mundo bruxo do tipo “Varinha de sabugueiro, azar o ano inteiro”.

3) Com relação ao seu estilo de tradução no começo da série, voltado inicialmente ao público infantil, e o apresentado nesta etapa final da saga, com leitores mais maduros e o aumento dos fãs adultos, a senhora acredita que o texto sofreu grandes mudanças?
R. A partir do terceiro volume, o texto original sofreu mudanças marcantes que necessariamente se refletiram na tradução, mas imagino que a série continue a ser infanto-juvenil mesmo tendo sofrido mudanças para atender a injunções mercadológicas.

4) A decisão da Rocco de não punir as traduções piratas da internet partiu somente da editora? A senhora concorda com essa posição?
R. Acho que não me cabe dar opinião sobre um assunto que só diz respeito à J.K.Rowling e seus representantes legais.

5) Qual foi a situaçãp mais engraçada ou inesperada que aconteceu em sua vida relacionada à  série Harry Potter?
R. A carta de um gaiato reclamando da lerdeza da tradução e afirmando que qualquer bom tradutor devia ser capaz de traduzir 96 páginas de livro por dia.

6) Sem relevar fatos do livro, o que a senhora achou da nova história e de sua conclusão? Quais foram seus sentimentos ao terminar de ler Harry Potter?
R. Gostei particularmente do capítulo 31 “A história do prí­ncipe”.

Quanto ao que senti: há muitos anos traduzi Fogueira das Vaidades de autoria de um famoso jornalista norte-americano. Foi um livro muito complexo em que os personagens transitavam pelo mundo da arte, da moda, da decoração, da bolsa de valores, da polí­cia, dos negros discriminados e confinados em bairros pobres de Nova York, enfim um livro que exigiu muita informação sobre as culturas do Brasil e dos Estado Unidos. Harry Potter foi um desafio inteiramente novo: a tradução de uma série em que o profissional trabalha dez anos no escuro, sem saber se as opções que fez no primeiro volume continuarão a ser aceitáveis no volume final. Quando terminamos um desafio, não dá para avaliar imediatamente tudo que aconteceu de bom e de ruim, um desafio nos traz os dois.