Davies, Hugh. “O ataque a Harry Potter inicia uma guerra de palavras que fez as penas literárias voarem quando a vencedora do prêmio Booker sugere que falta mágica ao último campeão de vendas”. The Daily Telegraph (Londres), 10 de julho de 2003.

A autora vencedora do prêmio Booker, A.S. Byatt foi acusada ontem de jogar em Rowling um “cálice de amargura” insistindo que Harry Potter e a Ordem da Fênix estava abaixo de uma “imitação mágica”, faltando com habilidades de grandes escritores infantis.

Byatt, 66 anos, disse que a questão mais difícil de responder é por que Rowling é lida por tantos adultos. Enquanto escritores como “o grande” Terry Pratcher criou “sentenças incríveis”, o mundo de Rowling era pequeno – “sem lugar para o sobrenatural”. Teve pouca relação com “o excitamento que nós sentimos” olhando através de “janelas mágicas, abrindo sobre espumas, de mares perigosos, em terras encantadas esquecidas” do poeta Keats. Ela disse: “Isso foi escrito para pessoas cujas imaginações estão confinadas em desenhos de TV, e o exagerado – mais excitante, menos ameaçador – mundo das novelas, reality shows e fofocas de celebridades”. A formada em Cambridge autora de Possessão: Uma Fantasia e Anjos e Insetos notável por suas habilidades intelectuais, e cujos escritores favoritos são Proust e Balzac, defendeu seu ponto em um artigo do The New York Times. Ela disse que apesar das crianças terem sido atraídas pelas histórias de Potter pelo forte trabalho de fantasia, escapismo e controle, o livro falta com a “seriedade equilibrada” de escritores como Tolkien, Susan Cropper, Alan Garner e Ursula K Le Guin. Leitores adultos são remetidos à criança que eles foram quando leram Billy Bunter ou então ao ver os “cartazes infantis” de Enyd Blinton com os seus próprios desejos e esperanças infantis. Rowling fala com uma geração que não tinham conhecido, ou se importado com mistérios. “Eles são habitantes de uma selva urbana, não de uma selva real”. Eles não têm habilidades para discernir mágica falsa da coisa real. A crítica dela inflamou uma disputa com o site de literatura de São Francisco, Salon, que a descreveu como esnobe. Ficou claro, Charles Taylor, o crítico líder do site, diz “que nós estamos lidando aqui com uma auxiliar do templo de alta cultura barrando as portas quando a massa de ignorantes que amam a cultura pop vem bater”. Ele chamou Byatt de grosseira por rebaixar a popularidade de Rowling por vender cinco milhões de livros em um dia à “a estupidez das massas populares”.

Taylor acrescentou que ao fazer de Rowling o depósito de tudo que é barato e falso da cultura contemporânea, Byatt parecia estar argumentando contra o principal motivo que levou as pessoas aos livros. A “dura verdade” foi que enquanto Byatt foi inevitavelmente reduzida a uma página de rodapé na história acadêmica, a autora de Potter estaria “rindo” na companhia de outros autores “não-literários” como Dumas e Conan Doyle. O ataque veio após Stephen King, o escritor americano de histórias de terror, delirar com o sucesso que são os livros de Rowling. Ele chamou a gentil e sorridente Dolores Umbridge, com sua voz infantil, rosto de sapo e dedos curtos e grossos a maior vilã da ficção desde Hannibal Lecter. Ele concluiu que Rowling é uma contadora de estórias natural “repleta de idéias loucamente vivas e vivendo o momento de sua vida”. Salon disse que a abordagem de Byatt sobre Potter foi mal feita.

Ela estava falando “besteiras” quando disse que o mundo de Rowling era “somente perigoso” porque ela assim o disse, e que existia um padrão objetivo para discernir se um livro era uma “invenção sem valor”. O site adicionou que talvez Byatt estivesse com inveja, já que ela também já teve “suas explosões de raiva” quando foi dado à Martin Amis um avanço lucrativo diante a livros futuros. “É simplesmente humano que autores se sintam ressentidos e até mesmo desdenhosos quando o que eles consideram como bons e sérios trabalhos estão sendo passados para trás por algum artefato pop. Byatt tem isso mais do que a maioria, saboreando uma pitada de fama, mais do que sua parcela de respeito, e de distinção em ser um dos poucos que tem sido capazes de fazer a vida com literatura de ficção. Mas sucesso na escala do de Rowling claramente a deixa a flor da pele”.

Ian Rankin, o autor da série sobre o Inspetor Rebus, está lendo o último Harry Potter lançado durante o feriado em Menorca. “Meus filhos gostam dele mais do que eu, mas eu acho que é bom,” ele disse. Ele acrescentou: “Ela não está afirmando de maneira alguma que esteja escrevendo literatura de alto-escalão. Ela está feliz em escrever romances populistas que agradam crianças e adultos. Mas os livros nos dão uma sensação de conforto de que sempre há o potencial para magia além da nossa visão, então há uma seriedade lá”. Byatt, que está em sua casa na França se recuperando de um braço quebrado, se recusou a comentar sobre a disputa de ontem à noite. Um porta-voz de Rowling disse que ela não estava disponível para comentários.

A Crítica de Byatt:

Qual é o segredo do sucesso explosivo e mundial dos livros de Harry Potter? Por que eles satisfazem crianças e – uma pergunta muito mais difícil – por que tantos adultos os lêem? Eu acho que parte da resposta para a primeira pergunta é que eles são escritos pela visão de uma criança, com um instinto certo para psicologia infantil. Mas então como nós respondemos a segunda pergunta? Certamente uma obstrui a outra.

Primeiro a pergunta fácil. Freud descreveu o que ele chamou de “romance familiar”, no qual uma jovem criança, insatisfeita com sua casa e pais comuns, inventa um conto de fadas no qual é secretamente de origem nobre, e pode até ser marcado como um herói destinado a salvar o mundo. Nos livros de J.K. Rowling, Harry Potter é a criança órfã de bruxos que foram mortos tentando salvar sua vida. Ele vive, por razões explicadas pouco convincentemente, com sua tia e seu tio, os verdadeiramente terríveis Dursley, que representam, eu acredito, sua verdadeira “verdadeira” família, e ele são descritos com um implacável, feliz e exagerado veneno. Os Dursley são seus verdadeiros inimigos. Quando ele chega à escola de magia, ele se muda para um mundo onde todos, bons e maus, reconhecem sua importância, e tentam ou destrui-lo ou protegê-lo.

O romance familiar é um período latente de fantasia, pertencente aos lentos anos entre os 7 anos e a adolescência. Em Ordem da Fênix, Harry, agora com 15 anos, está destinado a ser um adolescente. Ele passa muito do livro se tornando excessivamente bravo com seus protetores e atormentadores do mesmo modo. Ele descobre que seu falecido (e “real”) pai não é um perfeito e mágico modelo, mas alguém que queria se mostrar intimidando asquerosamente seus colegas de escola. Ele também descobriu que sua mente é ligada a do perverso Lord Voldemort, portanto fazendo-o responsável de certo modo por alguns atos de violência que seu inimigo comete.

Em termos psicológicos, tendo projetado sua raiva infantil na figura dos Dursley, e mantendo sua inocente bondade, Harry agora vivencia essa raiva capaz de ser extravasada, colocando em perigo seus amigos. Mas isso significa que Harry está crescendo? Na verdade não. A perspectiva ainda é da visão de uma criança. Não há visões interiores que mostrem alguém a beira da vida adulta. O primeiro namoro de Harry com uma mulher bruxa é inacreditavelmente hesitante, repleto de táticas de conversa de uma criança de oito anos de idade.

Auden e Tolkien escreveram sobre a habilidade de se inventar “mundos secundários”. O mundo da Sra. Rowling é um secundário, mundo secundário, composto por caminhos inteligentemente retalhados derivados de idéias de todo tipo de literatura infantil – desde as mesmas histórias escolares de sempre até Roald Dahl, de Star Wars para Diana Wynne Jones e Susan Cooper. Toni Morrison afirmou que clichês resistem porque representam verdades. Narrativas clichês derivadas funcionam com crianças porque são confortavelmente reconhecíveis e imediatamente disponíveis para o poder da própria criança de fantasiar.

O importante sobre esse mundo secundário em particular é que é simbiótico com o mundo real moderno. Magia, em mitos e contos de fadas, é sobre contatos com os não-humanos – árvores e criaturas, forças não vistas. A maioria dos escritores de estórias de fantasia odeia e teme máquinas. Os bruxos da Sra. Rowling as evitam e em vez delas, usam a magia, mas o mundo deles é uma caricatura do mundo real e possui trens, hospitais, jornais e esportes competitivos. Muito do mal causado nos últimos livros é gerado pela colunista de fofocas do jornal, que faz de Harry uma celebridade duvidosa, o que é a palavra moderna para “herói escolhido”. Muito da outra parte maléfica (tirando Voldemort) é causada pela interferência burocrática em assuntos educacionais.

O mundo mágico da Sra. Rowling não tem lugar para o sobrenatural. É escrito para pessoas cujas imaginações estão confinadas em desenhos de tv, e o exagerado (mais excitantes, menos ameaçador) mundo das novelas, reality shows e fofocas de celebridades. Seus valores e tudo nele são, como Gatsby disse sobre seu próprio mundo quando as luzes saíram de cima de seu sonho, “apenas pessoais”. Ninguém está tentando salvar ou destruir nada além de Harry e seus amigos e família.

Então, sim, a atração das crianças pode ser explicada pelo poderoso trabalho de fantasia, escapismo e controle, combinado com o fato de que as histórias são confortáveis, engraçadas, e assustadoras somente o suficiente.

Elas trazem conforto aos medos infantis assim como Georgette Heyer uma vez nos confortou contra as verdades nas relações entre homem e mulher, suas estórias de detetive domesticando e amenizando a morte. Esses são livros bons em suas categorias. Mas por que homens e mulheres adultos se tornaram obcecados com essa piada latente de fantasias?

Conforto, eu acho, é parte do motivo. Literaturas infantis continuam fortes para muitos de nós. Em uma recente pesquisa feita pela BBC dos 100 “mais lidos”, mais de um quarto eram livros infantis. Nós gostamos de regredir. Eu sei que parte do motivo pelo qual eu leio Tolkien quando estou doente é que há uma quase total ausência de sexualidade no mundo dele, o que é tranqüilizador.

Mas no caso do maior escritor infantil dos últimos tempos, há uma seriedade equilibrada. Havia – e há – um verdadeiro senso de mistério, de forças poderosas e de criaturas perigosas em florestas negras. O bruxo adolescente de Susan Cooper descobre seus poderes mágicos e descobre, ao mesmo tempo, que está em uma batalha cósmica entre forças do bem e do mal. Cada arbusto e cada nuvem resplandecem com um significado secreto. Alan Garner povoa paisagens verdadeiras com malignos, não-humanos e seres élficos que caçam humanos.

Lendo autores como esses, nós sentimos que estamos sendo colocados de novo em contato com antigas partes de nossa cultura, quando o sobrenatural e criaturas não-humanas – das quais nós pensamos que aprendíamos nosso senso de bem e mal – habitavam o mundo que nós não sentíamos que controlávamos. Se nós regredirmos, nós regrediremos à um senso perdido de consciência pelo qual lamentamos. Os bruxos de Ursula K. Lê Guin habitam um mundo antropológico e coerente onde a magia realmente age como uma força. A floresta mágica da Sra. Rowling não tem nada em comum com esses mundos perdidos. É pequena, de nível escolar, e perigosa só porque ela assim o diz.

A esse respeito, é mágica para o nosso tempo. A Sra. Rowling, eu acredito, fala para uma geração de adultos que não tem conhecido, ou se importado com mistérios. Eles são habitantes da selva urbana, não da selva real. Eles não têm habilidades para discernir mágica falsa da coisa real, já que quando crianças eles diariamente investiram em mágica falsa com a imaginação que tinham.

Do mesmo modo, alguns dos leitores adultos de Rowling são simplesmente remetidos à sua própria infância quando liam os livros de Billy Bunter, ou investiam nos cartazes infantis de Enid Blyton com seus desejos e esperanças infantis. Um surpreendente número de pessoas – incluindo muitos estudantes de literatura – lhes dirão que eles não viveram realmente em um livro desde que eram crianças. Infelizmente, aprender a literatura geralmente destrói a vida dos livros. Mas nos tempos antes dessas excessivas explicações e estudos culturais, ninguém fazia revisões sobre Enid Blyton ou Georgetter Heyer – assim como eles agora não revisam o grande Terry Pratchett, cuja inteligência é metafísica, o qual cria um mundo secundário energético e vivo, o qual tem gênios de diferentes tipos para paródias fortes, em oposição à manipulação derivada de temas passados, o qual lida com a morte com uma surpreendente originalidade. O qual escreve sentenças incríveis.

É a substituição de celebridade no lugar de heroísmo que tem alimentado esse fenômeno. E é o efeito nivelador dos estudos culturais, que estão tão interessados em sensacionalismo e popularidade quanto em mérito literário, o que eles não realmente acreditam que exista. Não há problemas em comparar os Brontes com filmes antigos apelativos. Tornou-se respeitável ler e discutir o que Roland Barthes chamou de livros “consumíveis”. Não há nada de errado com isso, mas tem pouco a ver com o arrepio de excitamento que sentimos vendo através das “janelas mágicas, abrindo sobre espumas, de mares perigosos, em terras encantadas esquecidas” de Keats.

(A.S. Byatt é a autora, mais recentemente, do romance A Whistling Woman)

Traduzida por: Renata Grando em 14/09/2007.
Revisado por: Fabianne de Freitas em 21/10/2008.
Postado por: Vítor Werle em 26/10/2008.
Entrevista original no Accio Quote aqui.