Mackay, Neil. “Sarah Brown e J.K. Rowling: por que queremos que você ajude os pais solteiros: a esposa do Chanceler e a autora de Harry Potter revelam suas razões para apoiar a caridade”. Sunday Herald, 26 de maio de 2002.

Nota do Editor: As citações de Rowling neste artigo foram retiradas do prefácio do livro Magic e não fazem parte de uma entrevista ao vivo.

É anunciado como um livro para alegrar sua vida, mas em seu coração jazem verdades dolorosas sobre as vidas de duas das mulheres mais aclamadas da Escócia, a morte de um primogênito e a vida dilacerante dependente de auxílios.

Sarah Brown, esposa do chanceler de Exchequer e uma bem-sucedida consultora de relações públicas, e J.K. Rowling, a autora dos livros Harry Potter, colaboraram para compilar Magic, uma coleção de contos escritos por alguns dos melhores autores britânicos, para arrecadar £1 milhão para o National Council for One-Parent Families (Conselho Nacional das Famílias de Pais Solteiros, em tradução livre). Em seu prefácio e introdução, dados exclusivamente ao Sunday Herald, elas dividem algumas das tragédias e lutas que enfrentaram como jovens mães.

Sarah Brown conta como ela admira as habilidades de mães e pais solteiros lidando com a criação de seus filhos sozinhos enquanto ela reflete sobre a morte de sua própria filha Jennifer, que faleceu no começo deste ano, logo após o nascimento. Em sua introdução, ela diz: através de nossas experiências como pais cuidando de nossa filha Jennifer em sua curta vida, Gordon e eu precisávamos do amor e apoio um do outro.

Não consigo imaginar o quão difícil seria sem o Gordon ali comigo. Eu tiro meu chapéu para todos os pais que criam seus filhos sozinhos, todos são extraordinários. Eu me lembro de quando minha mãe cuidava sozinha dos meus dois irmãos e de mim. Agora nós desfrutamos o mais forte dos laços de família com ambos nossos pais e padrastos, mas foi um período difícil para nós enquanto encarávamos a tarefa de reconstruir o nosso próprio futuro.

J.K. Rowling, patrocinadora do National Council for One-Parent Families, descreve em seu prefácio sua própria vida como mãe solteira, que começou em 1993 quando seu casamento terminou e ela se mudou para Edimburgo com sua filha bebê. Ela também fala sobre a raiva em relação a padronização das mães solteiras por alguns políticos e setores da mídia.

“Deixar meu ex-marido significava largar meu trabalho e retornar à Grã-Bretanha com duas malas com meus pertences. Eu sabia perfeitamente que estava adentrando a pobreza, mas eu acreditava que seria apenas uma questão de meses até que me recuperasse.

Eu possuía dinheiro o suficiente para fazer um depósito em um apartamento alugado e para comprar uma cadeirinha de bebê e um berço. Quando minhas economias acabaram, eu me estabeleci com uma vida com menos de £70 por semana. A pobreza é muito parecida com o ato de dar a luz – você sabe que vai doer antes de acontecer, mas nunca saberá o quanto até que experimente. Alguns artigos de jornais chegaram a romantizar o tempo que usei o auxílio de renda porque o muito usado clichê de uma escritora morrendo de fome em um sótão é muito mais pitoresco do que a amarga realidade de viver na pobreza com uma criança.

As infinitas pequenas humilhações da vida dependente de auxílio – e lembremos que seis de 10 famílias chefiadas por um pai ou mãe solteiro vivem na pobreza – recebem pouquíssima cobertura da mídia a não ser que sejam seguidos pelo que parece ser, ao menos no papel de imprensa, uma rápida mudança na sorte, à la Cinderela. Eu me lembro quando estava em um caixa, contando o dinheiro em moedinhas, descobrindo que faltavam 2 centavos para uma lata de feijão e sentindo que eu precisava fingir que havia perdido uma nota de £10.

Semelhantes e deploráveis habilidades em atuação foram necessárias para as minhas investidas na loja Mothercare, onde eu fingia estar examinando roupas que não podia comprar para minha filha enquanto avançava lentamente para o berçário, onde eles ofereciam um pequeno estoque de fraldas grátis.

Eu detestava vestir minha ansiosa criança com coisas que vinham de lojas de caridade; eu detestava depender da bondade dos meus parentes quando ela precisava de sapatos novos; eu tentei, furiosamente, não sentir inveja dos quartos lindamente decorados e bem equipados das outras crianças, quando nós íamos às casas de amigos para brincar. Eu queria trabalhar por meio período. Quando perguntei à minha assistente social sobre a possibilidade de usar assistência estatal à infância por algumas tardes da semana ela me explicou, muito gentilmente, que os lugares para os bebês estavam reservados àqueles considerados em risco. Suas palavras exatas foram ‘Você está enfrentando muito bem’.

Fui permitida receber £15 por semana antes que o auxílio de renda e o benefício do lar fossem cortados. Creches particulares de tempo integral eram tão exorbitantes que eu precisava encontrar um emprego de período integral que pagasse muito acima da média nacional. Eu precisava decidir se era melhor para minha filha ser deixada com alguém na maior parte das horas em que estava acordada ou ser cuidada por sua mãe, em um ambiente longe de ser luxuoso. Escolhi a última opção, apesar de sentir constantemente que precisava justificar minha escolha sempre que alguém me fazia a horrível pergunta, ‘Então, o que você faz?’.

A resposta honesta para aquela pergunta era: Eu me preocupo continuamente, devoto horas para escrever um livro que duvido de que, algum dia, seja publicado, tento muito me segurar na esperança de que nossa situação melhorará, e quando não estou exausta demais para sentir fortes emoções, sou tomada pela raiva do modo como mães solteiras são retratadas por certos políticos e jornais como adolescentes irresponsáveis em busca do Santo Graal, o apartamento popular, quando 97% de nós deixaram a adolescência a muito tempo.”

Rowling diz que o subentendido da difamação é que casais formam pais melhores. E ainda assim, quando trabalhei como professora de escola secundária, ela escreve, encontrei várias crianças bagunceiras e perturbadas cujos lares continham dois pais. No tópico do casamento ser o melhor ambiente para criar uma criança, ela diz: “Nunca senti a menor vergonha de ser uma mãe solteira. Tenho a ousadia de ter um certo orgulho do período em que tinha três empregos (o trabalho não remunerado como mãe e pai e o assalariado como professora – pelo qual pude eventualmente completar minha pós graduação em educação graças à generosidade de um amigo que me emprestou dinheiro para os cuidados de minha filha).

Não é o fato de ter pais solteiros e sim a pobreza que faz com que algumas crianças não sejam tão bem sucedidas quanto outras. Quando você tira a pobreza da equação, crianças de famílias de pais solteiros podem ir tão bem quanto crianças de famílias compostas por casais”.

Sobre a fuga de sua família da pobreza, ela diz: “tenho plena ciência, todo santo dia, de como tenho sorte; tenho sorte pois não preciso mais me preocupar com a segurança financeira de minha filha, porque o que costumava ser o dia do recebimento do auxílio chega e ainda há comida na geladeira e as contas estão pagas. Mas eu tinha um talento que podia exercer sem gastos financeiros. Qualquer um que pensa em usar-me como exemplo de como pais solteiros podem fugir da armadilha da pobreza podem também apontar para a Oprah Winfrey e declarar que não existe mais racismo nos Estados Unidos.

Pessoas, exatamente como eu, estão encarando os mesmo obstáculos para a completa realização de seus potenciais todos os dias e seus filhos estão perdendo oportunidades junto com eles. Eles não estão pedindo por esmolas, não estão tramando para conseguir apartamentos populares, eles estão simplesmente pedindo pela ajuda que precisam para se livrar de uma vida dependente de auxílios e para sustentar suas próprias crianças.

Esse, diz Rowling, é o motivo pelo qual ela usa o seu dinheiro para ajudar a causa desde que experimentei a realidade de ser mãe solteira na Grã-Bretanha e me tornei a patrocinadora do National Council for One-Parent Families“.

Magic, que contém histórias de escritores incluindo Christopher Brookmyre, Sue Townsend, Fay Weldon e Ben Okri, é publicado pela Bloomsbury e será vendido a partir do dia 13 de junho por £6,99. Sarah Brown e outros escritores estarão na Livraria Ottakar’s, na Buchanan Street, Glasgow, nesta terça às 19h para o lançamento oficial.

Fonte: Master Froggy

Traduzido por: Lilian Ogussuko em 08/02/2007.
Revisado por: Raisa Garcia em 25/03/2009.
Postado por: Ohanna S. Bolfe em 26/03/2009.
Entrevista original no Accio Quote aqui.