Simpson, Anne. “Frente a frente com J.K. Rowling: Lançando um feitiço sobre mentes jovens”. The Herald, 7 de dezembro de 1998.

J.K. Rowling está usando um casaco de veludo longo e preto que esvoaça atrás dela enquanto caminha na brisa da [rua] George IV Bridge. O revestimento é de seda vermelha que emite luz como uma chama. Poderia ser um casaco de bruxo, exceto pelos bolsos não serem grandes o bastante para todas as coisas estranhas carregadas por mágicos cautelosos. Ainda, é um mistério que Joanne Rowling tenha sido atraída a este casaco em particular mais que a todos os outros. Ela o comprou outro dia destes para uma ocasião especial em Londres, e ele lhe deu sorte imediata. Quando voltou para casa em Edimburgo naquela noite, ela tinha um cheque de £2.500 na bolsa. Harry Potter tinha feito sua mágica novamente.

Pelo segundo ano consecutivo, o órfão mágico e sua criadora ganharam o mais importante prêmio britânico de ficção infantil: o Smarties Prize, que recebe votos dos críticos mais rigorosos de todos, as próprias crianças. É quase impossível ultrapassar o impacto “enfeitiçador” de Harry nos jovens leitores. De fato, a própria habilidade de Rowling na magia tem levado o feitiço de Harry mais longe além da faixa de público dos nove aos 12 anos de idade. Os dois títulos existentes – sete são previstos – agora são leituras obrigatórias de adultos que reconhecem que, como metade dos melhores romances já escritos, estes estão além de serem um pouco loucos, abarrotados de surpresas, e com abundância de beleza e vida. O primeiro, Harry Potter e a Pedra Filosofal, até mesmo vem com uma versão para crescidinhos no Natal que, por alguma travessura sazonal por parte dos editores, é £2 mais cara que a versão infantil.

Mas, com a segunda vitória nas mãos, os louvores do Smarties têm um gosto ainda mais doce para Rowling, porque confirma que a narrativa inicial não foi um golpe de sorte. Além disso, ela duvida que algum dos livros futuros lhe dê tanta dor de cabeça quanto o mais novo vencedor. “Mas quando eu finalizei Harry Potter e a Câmara Secreta, senti que era melhor que o Livro Um. Então, esse novo prêmio meio que prova isso”. Na verdade, após a publicação em julho passado, Câmara Secreta foi direto ao topo da lista de livros em capa dura mais vendidos na categoria de ficção para adultos, onde permaneceu por um mês. Agora, ele também foi indicado para o prêmio Whitbread Children’s Book of the Year, a ser anunciado em janeiro próximo, levando um prêmio de £10.000.

E o ano passado foi repleto de um bocado doutros prêmios, também, além de um adiantamento recorde de US$100.000 de editores americanos pela obra completa de Potter; Entrementes, os direitos cinematográficos para os dois primeiro livros estão sob negociação com Warner Brothers, por uma quantia esperada de sete dígitos.

Mesmo assim, Rowling parece quase melancólica, sem dar qualquer dica sobre o borbulho astuto nos livros. O fato é que, embora ela não esteja desolada, tem andado pré-ocupada com o plano para o livro quatro – o terceiro sairá próximo ano – e é verdade que o progresso abundante nos Estados Unidos tem lhe levado a extensos ataques de pânico. “Por mais ou menos um mês isso me apavorou completamente. Minha filhinha e eu tínhamos acabado de sair da pobreza para a estabilidade, mas – e eu sei que isso soa muito ingrato – o dinheiro não me fez feliz, no começo. Em vez disso, me senti absolutamente infeliz”. O que ela achou horrível era que o livro dois, até determinado ponto, tinha sido corrido bem, mas de alguma forma o vento mudou de direção, convencendo a ela de que a escrita não estava nos padrões.

“Eu já tinha três quartos da estória, e pela primeira vez na minha vida, estava sofrendo do bloqueio de escritor”. Pela primeira vez, a trama não estava funcionando, um desafio que ela normalmente gosta, mas naquele momento nada fazia as coisas saírem. “Suponho que seja como uma prisão de ventre. Então, tão rápido quanto veio, o peso foi embora e gostei bastante do que aconteceu. No fim, a solução foi ficar repetindo, como um mantra, que não era bom tentar fazer cada palavra valer uma certa quantia de dólares. Na verdade, não era bom tentar escrever para agradar ninguém que não fosse eu. Obviamente, sempre soube que as histórias atrairiam crianças, mas os anos de escrita têm sido muitos, muito particulares”.

O cabelo de Rowling é da cor de uma geleia espessa e ela o usa solto no tipo de estilo que não ficaria destoado num chapéu pontudo. Isso seria levar a ideia de bruxa longe demais? Ela explode em risadas, das quais você não consegue deixar de lembrar um pouco a crepitação. “Nunca quis ser uma bruxa, e sim uma alquimista, e isso já é outra história. Para inventar o mundo bruxo, aprendi uma quantidade absurda de alquimia. Talvez nunca use tudo isso nos livros, mas tive que saber em detalhes o que magia pode ou não fazer para estabelecer os parâmetros e estabilizar a lógica interna das estórias”. Logo, Rowling embasa sua imaginação engraçada e de ricas texturas em meticulosas pesquisas folclóricas. Em Câmara Secreta, por exemplo, ela se refere à Mão da Glória retirada de uma terrível lenda que afirma que a mão cortada de um homem enforcado se torna uma tocha iluminadora, mas somente àquele que a segura. “É macabro, eu sei, mas é uma imagem maravilhosa, queria tê-la inventado”.

Com entusiasmo narrativo, sua própria invenção é um ponto de fuga para reviravoltas maravilhosas onde os bruxos massacram os trouxas (todos incrédulos), transformando o absurdo num suspense satírico. Mas Rowling também queria combinar o contemporâneo com o infinito, então há Duda, o primo terrível de Harry, que abraça com gula seus jogos de computador, enquanto o mundo bruxo é em um lugar imutável por séculos, mas capaz de infiltrar-se em tudo, como o gás. “Sei que é antiquado usar essa palavra, moralidade, e eu nunca a preguei, mas acho que os livros realmente exploram o mal-uso do poder, e existe uma tentativa de entender o sentido da morte. Dito isso, quando uma trama está funcionando, você não pode imaginar o quanto é engraçado escrever a história. Digo, é indecente a quantidade de tempo que passo pensando em maneiras mágicas de subverter os trouxas arrogantes”.

Mas um pouco da experiência de perda de Harry é enraizada nela mesma. Em 1990, aos 45 anos, a mãe de Rowling morreu após sofrer de esclerose múltipla por 15 anos. A própria Rowling tinha 25 e compara a privação com uma carga profunda. “Tudo cambaleava. Numa noite ela foi para a cama, e uma hora depois meu pai subiu e a encontrou morta. Não fazíamos ideia de que o final estava tão próximo, mas acho todos estávamos nos negando a aceitar o quanto ela estava doente”. Durante os seis meses seguintes, a tragédia foi agravada pela perda do emprego de processadora de dados de Rowling por corte de gastos, e por ser assaltada três vezes, os ladrões levando, numa ocasião, todas as jóias de sua mãe. Ela tinha estagiado como professora, e, desesperada por um novo começo, mudou-se para Portugal, ficando lá por três anos e meio. Ela se casou com um jornalista televisivo e deu a luz à única filha. Mas depois, com o casamento em ruínas, Rowling e a bebê mudaram-se para Edimburgo onde a irmã dela estava morando.

Ela estivera, no entanto, trabalhando há anos no primeiro Harry Potter, e então de repente, no meio de toda essa emoção e problemas financeiros, o reconhecimento veio mais rápido do que um sorvete de limão é degustado. Ela ganhou uma doação do Conselho de Artes Escocesa, comprou uma máquina de datilografia, encontrou um editor, e se enfiou num bocado de esboço de planejamento. “Quando sair o sétimo livro, Harry terá quase 17 anos. Será meio que me matar ao parar de escrever sobre ele, mas vai levar sete anos para ele virar um bruxo completamente qualificado, o que me parece suficiente”. E, ao crescer, Harry irá encontrar garotas, uma situação que exigirá de Rowling uma atitude balanceamento delicado. “Embora muitos dos leitores cresçam junto de Harry, poderá haver outros no futuro, que aos nove ou dez anos de idade terão lido a série inteira em 12 meses. Então não será apropriado escrever sobre o sexo em detalhes, e de qualquer maneira, os livros não são totalmente realistas. Mas também não quero fazer um Os Cinco (N.T.: série de livros do escritor Enid Blyton), e ter essa encenação de aparência madura de jovens de 16 anos agindo como pré-adolescentes”.

Com pesar, Rowling indica que certos comentaristas de direita têm ficado particularmente empolgados com o seu sucesso, alegando que mães solteiras, uma vez que ponham as mentes para funcionar, podem fugir da armadilha da pobreza. “Isso dá vontade de bater neles com um bastão, e mostra que eles não têm ideia de como é apavorante sair de situações desesperadoras. A única coisa que provo é que, se você tem a sorte tremenda de possuir um talento que possa ser posto em prática em casa, com uma caneta ou um lápis, e alguns custos de cuidados de criança, então, sim, você consegue sair”. O verdadeiro prazer de reconhecimento, diz, está nas perguntas dos leitores, e enquanto as dos adultos são normalmente sentimentais, as das crianças são impressionantemente exigentes e observadoras. “Como: qual a diferença entre Feitiços e Transfiguração?”. E qual é a diferença? “Com um feitiço, você acrescenta propriedades a algo. Com uma transfiguração, você muda completamente a sua natureza; a estrutura molecular se altera…”. Jo Rowling diz que acredita na magia apenas como escritora, mas você não pode mudar o fato de que ela é algo além de trouxa. Passeando por Edimburgo naquele casaco longo e preto, ela parece como a guardiã de uma revelação incendiante, a descoberta preciosa de que a besteira é a sabedoria virada do avesso.

Os livros de Harry Potter de J.K. Rowling são publicados pela Bloomsbury. Preços a partir de £4,99.

(c) 1998 SMG Newspapers Ltd

Traduzida por: Matheus Lisboa em 22/11/2008.
Revisado por: Renan Lazzarin em 06/01/2009.
Postado por: Vítor Werle em 09/01/2009.
Entrevista original no Accio Quote aqui.