Fraser, Lindsey. “Escolha de volumes para as férias”. The Scotsman, 28 de junho de 1997.

Se você não comprar ou pegar emprestado nada para os jovens leitores da sua família nesse verão, você tem que conseguir uma cópia de Harry Potter e a Pedra Filosofal, de J. K. Rowling. Esse é um livro que cria um posto indescritível do que é uma nova e inventiva forma de contar as histórias em contraste de fórmulas de terror e leve romance.

A história da origem do livro é um conto de fadas por si só. Esse primeiro livro de uma autora de Edimburgo acabou de receber um adiantamento de seis dí­gitos pela publicação na América, embora tenha sido escrito em guardanapos por uma mãe solteira desempregada. Joanne Rowling chegou a Edimburgo sem um tostão seguindo o fim de seu casamento. O livro tomou forma enquanto ela rabiscava fervorosamente em cafés assim que sua filha dormia em seu carrinho. O fim do conto de fadas está agora completo, com aplausos dos crí­ticos e dinheiro chovendo nas aventuras do jovem Harry.

A seqüência já está quase completa.

No primeiro livro, lemos sobre os primeiros anos de Harry, que, após a morte de seus pais, se passam numa miséria dickensiana nas mãos dos seus horríveis tio e tia.

Mas a ajuda está perto e, apesar de todos os obstáculos, ele logo se acha na plataforma 9 1/2 na Estação Waterloo, de onde o trem para a Escola de Magia e Bruxaria Hogwarts parte.

O que diferencia esse livro de tantos outros é seu apego à realidade. Harry é uma criança imensamente adorável, doce, mas não demais, competitiva, mas sempre piedoso.

A cena na qual ele enfrenta a tentativa de um valentão de tirá-lo de sua vassoura durante um excitante jogo de quadribol, “uma mistura de lacrosse e hóquei, jogado em terra e no ar”, vai chamar a atenção do mais exigente dos leitores.

Ele tem muito a que se espelhar. Ambos os seus pais eram respeitados e muito amados. O bruxo que os matou, um indivíduo tão assustador que seu nome não pode ser nem mencionado, continua nas redondezas como um perigo constante, e cria ótimos momentos de tensão e susto. Rowling usa recursos clássicos da narrativa com talento e originalidade e nos entrega uma complexa e exigente trama na forma de um thriller extremamente emocionante. Ela é uma escritora para crianças de primeira classe.

Se Harry Potter e a Pedra Filosofal tem todos os ingredientes para um clássico para crianças acima de oito anos, as abaixo de sete vão se entusiasmar com o mais novo despacho de uma de suas heroínas preferidas, a inimitável Katie Morag. A Ilha de Struay, que observada com perfeição é composta de pequenas ilhas Hebraicas, está se armando para um dos ocasionais festas folclóricas em “Mairi Hedderwick’s Katie Morag and the Grand Concert”. Katie Morag, sem reviravoltas de vir à frente, está feliz de ter ganhado o centro do palco cantando sua própria versão de “You Cannae Shove Your Granny Off a Bus”.

Com suas duas muito diferentes vovós (a motorista de tratores, com jeito caipira de se vestir, vovó Island, e a moderna e flertante vovó Mainland, com seus jeitos chiques da cidade) na audiência, um incidente diplomático é por pouco evitado, e tudo, é claro, termina bem. A combinação de uma história robusta, escrita para ser lida repetidamente em voz alta e infinitamente detalhadas ilustrações funciona perfeitamente.

Hedderwick vive dizendo que vai abandonar Katie Morag, mas não há nada de gasto em sua última virada de estrela.

O mar que tanto domina a vida de Katie Morag, também provede o cenário para o delicioso “The Sea Hole” de Ross Collins, vencedor do Prêmio Macmillan. Ben, seu pai e seu gordo cachorro Belly, vivem aos caprichos do tempo e o estado do mar. Quando persistentes tempestades de inverno impedem o pai de Ben e o resto da comunidade de pescar, o balanço natural da vida parece alarmantemente pendente em favor do tempo. “Algumas vezes, se o alagamento da noite tinha sido particularmente grande, as pessoas acordavam com novos vizinhos”. A causa do problema é um gigante buraco no mar, um buraco que Ben, acompanhado do seu fiel e sofredor Belly, conserta.

A firme e lí­rica entrega da história é balanceada por vibrantes extravagâncias nas ilustrações. As crianças irão se entusiasmar com a coragem determinada de Ben, embora seja Belly quem mereça os maiores aplausos.

Uma ótima escolha para crianças de três a seis anos.

O primeiro livro de Garrison Keillor para crianças não atende as expectativas estabelecidas por seus livros adultos e por suas performances brilhantes no Festival de Livros de Edimburgo.

“The Sandy Bottom Orchestra”, escrito junto com Jenny Lind Nilsson, esposa de Keillor, se passa numa cidade pequena no meio dos Estados Unidos, um lugar que ele está normalmente em casa.

A heroí­na, Rachel, a filha única de pais excêntricos, ocupa um lugar familiar no território de Keillor, algum lugar distante do resto do mundo.

Rachel é uma grande violinista, um entusiasmo que a afasta de seus amigos esportivos. Seu amor pela música é compartilhado pelo seu pai, que rege para CDs de música clássica no porão, e sua mãe, que o combina com uma grande e barulhenta consciência social.

A marca registrada errante de Keillor, sempre tão astutamente sob controle, é terrivelmente cuidadosa nesse livro. Crianças precisam de mais drama, mais ação, mais coisas estranhas. Elas precisam de excentricidade para serem mais marcadas. Mesmo assim ainda existem alguns momentos maravilhosos. O primeiro ensaio completo vai levar o leitor para os segundos violinistas ao redor do mundo: “Essa é a parte ruim de ser o segundo violino, você pode acabar no departamento de hardware”. E a anárquica performance da abertura de 1812 de Tchaikovsky com qual o concerto termina em triunfo. Esses são os momentos em que Keillor (e Lind Nilson, provavelmente) deixam-se ir, e isso é mostrado.

O escritor australiano Morris Gleitzman está em uma forma mais estonteante com “Water Wings”. O amigo mais próximo de Pearl é seu porquinho da índia, Winston, um presente de despedida do seu pai ausente. Sua mãe a trata com imensa indiferença enquanto o novo namorado, Howard, o veterinário tem a tarefa de contar a Pearl que Winston não é mais desse mundo, pouco antes de despachar o animal.

Pearl literalmente se amarra ao único amigo que tem e “enterra” Winston no freezer, o tirando de vez em quando para confiar a ele seu desejo de ter uma amável e carinhosa avó.

Pearl realmente consegue uma avó, mas não uma no molde que ela imaginava. Desapontada no iní­cio, ela vem a amar a rabugenta e fumante velhinha. O surpreendente núcleo dessa história é o passado que assombra a avó e a necessidade dela de resolvê-lo antes de morrer.

Espertamente, Gleitzman cria linhas de profunda emoção através de sua episódica e divertida escrita. Ele nunca demora muito entre tiradas cômicas, nos lembrando que não se pode estar triste para sempre, mas que não há nada errado em tirar um tempo para superar as coisas difí­ceis que a vida nos joga sem explicar direito.

O final é, sem dúvidas, improvável, mas a integridade da forma de contar histórias permanece intacta. O autor tem controle em cima das crianças e em uma brava peça de escrita as deixa criar eventos num close apropriado. O comprometimento determinante de Gleitzman em ser acessível talvez seja confundido com uma aproximação leve, “um erro” que raramente obscurece o julgamento dos seus entusiasmados jovens leitores numa idade entre nove e quatorze anos.

“Lizzie’s Leaving” de Joan Lingard, examina a diferença entre a família que temos e a famí­lia que pensamos que merecemos.

É um dilema que motiva Lizzie a se mudar para junto da nova famí­lia de seu pai, um mundo diferente do status de caos que tanto a frustra. Lá ela tem dinheiro, um estilo de vida impressionante e, aparentemente seu pai está feliz em vê-la. O problema é que ele está raramente em casa e Lizzie vagarosamente percebe que, em relação a famí­lias, nada é muito direto.

Esse é um livro cheio de pensamentos, de uma autora que mantém um toque sensível com seus leitores, mas nunca para de atiçá-los. Existem poucos autores tão capazes de iluminar esses momentos inquietos de auto-conhecimento que caracterizam a adolescência.

O ponto marcante de “Crash”, de Jerry Spinelli, que se passa na Pensilvânia, é igualmente poderoso, mas abordado de forma diferente. “Eu sempre estive batendo em pessoas e em coisas, no que você puder imaginar, com ou sem um capacete”. Crash Cogan balança perigosamente no limite da delinqüência. Ele é solitário, mas quer ser um na multidão. Seu senso de competitividade é rude e afiado. Em casa, seus pais claramente o amam, mas raramente lembram de juntar essa afeição com apoio. Eles têm pouco tempo e imaginação.

Chega Scooter, o avô marí­timo de Crash, e o vácuo do garoto é preenchido, dando ao garoto tempo e espaço para abaixar suas defesas e pensar em algo além de seus próprios preconceitos.

Livros sobre amizades entre garotos são difíceis de aparecer e esse é uma pedra preciosa apressada. O heroí­smo de Crash acontece num momento de abandono de tirar o fôlego sem a parafernália de violência ou perigo para sujar sua importância. Uma leitura alegre e iluminadora para leitores de onze a quinze anos.

Lindsey Fraser é Diretor Executivo do Fundo do Livro Scotland, uma entidade de caridade independente que promove a leitura.

Copyright 1997 The Scotsman Publications Ltd.

Traduzido por Lais Baptista em 04/01/2006.
Revisado por Isadora Cal em 28/12/2009.
Postado por Fernando Nery Filho em 28/04/2007.
Entrevista original no Accio Quote aqui.