Cagle, Jess. “A primeira olhada em Harry”. Time, 5 de novembro de 2001.

Robbie Coltrane está inquieto. “Tive visões onde sou perseguido por milhões de crianças que pensam que fiz o papel da forma errada,” diz Coltrane, o engraçado escocês que interpreta o gigante guarda-caça, Hagrid, em Harry Potter e a Pedra Filosofal. “Eles estão perseguindo-me pela Quinta Avenida. ‘Aí está o cara que arruinou Hagrid! Vamos pegá-lo!’”

Memorando para Coltrane: Eu vi Harry Potter, e não há razão para você contratar seguranças. Quando o filme estrear em 16 de novembro, apaixonados pela série Harry Potter de J.K. Rowling que se tem preocupado sobre o que Hollywood tinha guardado para o texto sagrado, ficarão aliviados em ver que o Hagrid de Coltrane carrega uma semelhança impressionante com o gentil gigante que Rowling descreveu no primeiro volume: ele é adorável e fascinante – divertido e ligeiramente triste – com “longos emaranhados de espesso cabelo preto e… mãos do tamanho de tampas de lata de lixo.” E assim como ele faz no livro, ele faz sua entrada montando uma moto voadora, com um bebê em seus “amplos, musculosos braços”. Harry chegou, e chegou em boa saúde.

Eu voei até Londres e vi o filme há duas semanas, antes de quaisquer críticos (incluindo o do TIME) serem autorizados a vê-lo e criticá-lo. Agora isso pode ser dito: com Harry Potter e a Pedra Filosofal – o primeiro filme de uma franquia que a Warner Bros. espera que seja longa e lucrativa – o diretor Chris Columbus foi bravamente de igual para igual com as imaginações dos leitores que compraram cem milhões de livros Potter e fizeram do garoto bruxo uma das figuras mais queridas da história da literatura. (A autora, uma vez uma lutadora mãe solteira em Edimburgo, Escócia, tornou-se uma celebridade internacional desde que Harry Potter e a Pedra Filosofal foi publicado, há quatro anos.) A adaptação para a telona é um filme de uma grandeza de arregalar os olhos, com deslumbrantes efeitos especiais e suntuosos valores de produção que você pode não notar de cara que personagens como Pirraça, um poltergeist encrenqueiro, e Piers, um garoto encrenqueiro, foram cortados.

Mas essas imagens servem o que é essencialmente uma compilação de grandes sucessos do próprio livro, desde a cobra que pisca para Harry no zoológico às corujas que descem até sua escola, Hogwarts, largando cartas nos garotos e garotas presenteados magicamente; desde o Salão Principal de Hogwarts com seu crescente céu noturno aos cofres cavernosos e duendes do tamanho de Munchkins (anões do filme O Mágico de Oz) trabalhando no banco Gringotes (mantenha-se atento em Verne Troyer, que interpretou Mini-Me na sequência de Austin Powers, em 1999); desde a versão bruxa do xadrez, em que rainhas e cavalos ganham vida e batem uns nos outros sem dó, ao campo de quadribol, onde jovens bruxas e bruxos em vassouras pelo ar jogando uma mágica mistura de basquete e futebol; desde o bebê dragão de Hagrid ao trasgo montanhês de doze pés de altura (ambos gerados digitalmente), que causa estrago no banheiro das meninas; desde as oscilantes lojas mágicas do Beco Diagonal à estação secreta 9 e ½, onde estudantes embarcam no trem que os levará a Hogwarts.

“Fãs ficariam decepcionados se nós tivéssemos excluído muita coisa,” diz Columbus, cuja adaptação possui 143 minutos. “Meu mantra foi: crianças estão lendo um livro de setecentas páginas. Eles podem sentar durante um filme de duas horas e meia.” O livro ao qual ele está referindo-se é Harry Potter e o Cálice de Fogo, que foi publicado ano passado (com 734 páginas na versão americana, para ser exata) e atualmente possui o recorde de livro vendido com mais rapidez na história – ao menos até o quinto Potter, que é esperado em 2002. Columbus diz: “Ao invés de tentar surpreender a imaginação dos leitores, nós simplesmente demos a eles a melhor versão possível do livro, que significa colocá-lo na realidade… Eu queria que as crianças sentissem que se eles realmente pegassem o trem, Hogwarts estaria esperando por eles.” De fato, desde a antiquada tapeçaria do dormitório do salão comunal ao bem gasto Chapéu Seletor, que divide os estudantes do primeiro ano de Hogwarts em casa lendo suas mentes (como no livro, o chapéu conversa com os alunos e põe Harry na casa de Grifinória, mas não canta), Pedra Filosofal tem empoeirados de verdade.

Para que não fiquemos com expectativas muito grandes para Pedra Filosofal, devemos notar que não é um filme perfeito. Críticas certamente apontarão que o livro é uma melhor peça portátil de entretenimento. (O filme assume um tempo de duração às vezes muito pesado em sua ambiciosa tentativa de trazer os momentos mais memoráveis do romance à tela.) E atores mirins frequentemente requerem alguma paciência da parte dos telespectadores. Pedra Filosofal marca a estreia no cinema de Rupert Grint, 13, e Emma Watson, 11, que interpretam os amigos de Harry – Rony e Hermione. Daniel Radcliffe, de 12 anos de idade, já tem um número de websites dedicados a ele, graças ao seu papel como personagem título, e estrelou como David Copperfield em 1999, numa produção da BBC, e no filme de espionagem O Alfaiate do Panamá (2001). O que o produtor David Heyman chamou de busca “brutal” pelo Harry certo terminou apenas semanas antes do filme entrar em produção, em setembro de 2000. “Ele tinha que incorporar tantas qualidades – vulnerabilidade e força, uma vida secreta,” diz Heyman, que assegurou os direitos do filme para a Warner Bros. pela pechincha de $700.000 antes dos livros tornarem-se um fenômeno global. (Tanya Seghatchian, uma executiva de desenvolvimento da companhia de Heyman, leu o primeiro livro após ser publicado na Inglaterra e foi levada às lagrimas na cena em que o órfão Harry vê seus pais mortos pela primeira vez no Espelho de Ojesed – “Desejo” escrito ao contrário.) Columbus elogia a “tendência de reproduzir as coisas tão sutilmente” de suas jovens estrelas, embora alguns possam desejar que ele parecesse um pouco mais conflituoso, como o Harry dos livros.

Ao mesmo tempo, para os fãs dos romances, haverá muito prazer em ver Pedra Filosofal ser trazida à tela com toda a atenção para detalhar o que um grande orçamento de $125 milhões pode comprar. E aqueles familiares com o trabalho anterior de Columbus ficarão gratos em saber que ele não “exagerou no açúcar”. Apesar de seu sólido histórico de bilheteria, Columbus, 43, não foi uma escolha natural para o muito procurado Potter emprego. Até Steven Spielberg estava de olho nele num certo ponto, prevendo um filme de animação, como Toy Story, com Joel Osment fornecendo a voz de Harry. Rowling, diz o presidente da Warner Bros. Alan Horn, “esperava que quem quer que trouxesse o livro à telona não o levasse em direção à tolice.”

De todos os diretores na disputa, incluindo Brad Silberling de Cidade dos Anjos e Tim Robbins de Os Últimos Passos de Um Homem, Columbus foi o devasso de menos experiência depois de seus filmes mais recentes, O Homem Bicentenário e Lado a Lado. Mas ele também teve dois Esqueceram de Mim para seu crédito, o que significou que ele sabia trabalhar com atores crianças. Outro bônus: mais cedo em sua carreira, como roteirista, Columbus escreveu a subversiva perniciosa comédia de ação Gremlins, que foi um sucesso da Warner Bros. em 1984. Columbus admite que como diretor, “eu estava indo para um lado sentimental… sou o cara que escreveu Gremlins. Tentei achar algo depois de ter terminado [O Homem Bicentenário] que me traria de volta à área [Gremlins].” Apesar de seu ótimo status em Hollywood, Columbus aceitou fazer a audição para o cargo. Heyman diz que Columbus foi contratado por causa de seu “desejo em ser fiel ao material”.

O roteirista Steve Kloves (Garotos Incríveis) também convenceu os produtores de que ele respeitaria os romances, e Heyman pensou que ele adicionaria “um toque de melancolia, um pouco de escuridão, o que acho que é realmente vital para a história.” Um dos momentos mais poéticos do filme veio da cabeça de Kloves: depois que seu amável diretor, Dumbledore, dá a Harry um discurso sobre libertar-se de seu passado turbulento, o garoto passeia pelo jardim da escola e observa sua coruja de estimação, Edwiges, dar um lento, simbólico voo. “Esses são os momentos que te levam e elevam o filme além de um tipo de destaque,” diz Kloves. Mesmo assim, os cineastas mantiveram-se bastante próximos ao romance. “Jo [Rowling] teve uma tremenda influência,” diz Heyman.

Enquanto a autora não teve palavra final no filme, seu contrato deu-a um papel de consulta, e ela receberá uma parte dos lucros. “Quando eu consegui os direitos do livro,” diz Heyman, que recentemente produziu em 1999 o selvagem e sombrio Mortos de Fome, uma comédia de canibalismo, “fiz uma promessa a Jo de que eu queria que o filme fosse tão fiel à visão dela quanto possível. Seus livros funcionam. Essa é a razão de 100 milhões terem sido vendidos.” Embora raramente ela visitasse o set, Rowling estava envolvida durante a pré-produção, quando decisões cruciais de design e trama estavam sendo feitas. Columbus ponderou antes sobre onde colocar a cicatriz em forma de raio de Harry, uma lembrança da infância, de quando ele se encontrou pela primeira vez com o malvado Lord Voldemort, que matou seus pais. Edições dos livros por todo o mundo mostravam a cicatriz em vários lugares, então o diretor foi até a fonte. “Eu desenhei um rosto com um chapéu de bruxo, e ela desenhou lá a cicatriz,” diz Columbus. Ela a descreveu como uma “navalha afiada” e desenhou-a verticalmente para baixo no lado direito da testa de Harry.

Rowling também teve uma participação na escolha da maioria dos membros adultos do elenco. Ela especificamente solicitou Coltrane. Outros, como Richard Harris como Dumbledore, Maggie Smith como a professor McGonagall e Alan Rickman como professor Snape vieram direto de uma lista de desejos sobre atores que Rowling forneceu aos produtores. Ela deu a Rickman e Coltrane pedaços preciosos de informação sobre o futuro de seus personagens. “Há muita coisa revelada sobre Hagrid no quinto livro,” diz Coltrane, “e Jo achou que era importante eu saber”. Tipo o quê? “Eu poderia te contar,” diz Coltrane, “mas aí você teria de morrer”.

Enquanto escrevia o roteiro, Kloves manteve contato com a autora via e-mail. Num ponto, ele procurou seu conselho sobre excluir o divertido, porém longo, capítulo sobre o dragão de estimação de Hagrid, Norberto. “Eu disse, ‘esse capítulo está me matando,’” relembra Kloves. “Ela me responde por e-mail, ‘estou contente em ouvir isso, porque ele me matou também’. É a única parte do livro que ela sentiu que poderia ser facilmente mudada.” A audiência verá Norberto sair de seu ovo do tamanho de uma bola de boliche e incendiar a barba de Hagrid com o fogo de suas narinas. Mas a sequência do livro, em que um Noberto crescido é encaixotado e carregado para longe em vassouras, aliás, nunca foi filmada. Similarmente, os Dursley – os horríveis parentes trouxas de Harry (trouxas são pessoas não mágicas) – ganham menos tempo na tela do que tiveram no livro.

Kloves também procurou ajuda de Rowling sobre quadribol, o esporte de vassoura em que Harry se destaca. “Ela me deu uma dicazinha ao dizer que gosta de basquete americano,” diz Kloves, “então eu entendi um tanto do que ela estava fazendo com aros e essas coisas”. Embora quadribol seja jogado em um tradicional estádio nos livros, nos filmes os jogos de quadribol são jogados em um campo aberto circundado por torres, que acomodam os espectadores e dão aos que assistem ao filme uma sensação de altura e velocidade enquanto os jogadores ziguezagueiam à sua volta em suas vassouras.

A figurinista Judianna Makovsky (Lendas da Vida) inicialmente baseou os uniformes de quadribol na ilustração da capa da versão americana de Pedra Filosofal: Harry em uma camisa moderna de rugby, jeans e boné vermelho. “Estava uma bagunça,” ela diz. “Não era muito elegante.” Então ela continuou em equipar os jogadores de quadribol em suéteres e gravatas, Bermudas de esgrima do século XIX e protetores de braço sob suas vestes. “Não há época definida,” ela diz dos figurinos do filme, que variam de golas elisabetanas para tecidos enxadrezados para vestidos de Dickens.

Raciocinando que Hogwarts teria sido construída na era medieval, o designer de produção Stuart Craig (O Paciente Inglês) decorou o Salão Principal do castelo baseando-se nas maiores catedrais da Inglaterra. Como os outros cenários, foi montado nos Estúdios Leavesden, uma antiga base aérea nos arredores de Londres. “A arquitetura é real,” diz Craig, “mas impulsionada ao máximo, expandida tão ilogicamente grande quanto podemos possivelmente fazer.” Para poupar dinheiro, os produtores inicialmente pediram a Craig para achar uma existente velha rua britânica para duplicar para o Beco Diagonal, onde varinhas, corujas, caldeirões, vassouras e outras parafernálias mágicas são vendidas. Essa era uma ordem elevada, já que a fileira de lojas seria o primeiro vislumbre de Harry – e do público – do mundo dos bruxos. (Vendo isso, escreveu Rowling, “Harry desejou ter oito olhos a mais.”) Craig terminou construindo sua própria inspirada versão – uma longa, altamente estilizada rua de paralelepípedos de arquitetura Tudor, Georgiana e de Rainha Anne. “As construções estão inclinadas para um ponto aonde iriam realmente cair,” diz Craig, “e você nunca teria tantos estilos misturados juntos”.

Hoje nos Estúdios Leavesden, em um vasto, frio galpão de um avião convertido em estúdio improvisado, o Beco Diagonal está deserto. A magnífica escada de Hogwarts (parcialmente construída, então finalizada digitalmente na tela) permanece vazia. Mas as luzes acenderão logo, já que o set será reciclado para Harry Potter e a Câmara Secreta, que está marcado para estrear ano que vem, com Columbus de volta à direção. O elenco inteiro de Pedra Filosofal voltará para Câmara Secreta, e apenas na semana passada foi anunciado que Kenneth Branagh vai se juntar a eles no papel do convencido novo professor de Defesa Contra as Artes das Trevas, Gilderoy Lockhart. Enquanto isso, Kloves começou a adaptar o terceiro livro de Potter. Os três garotos astros ainda não assinaram o contrato para além do segundo filme, mas porque os romances Potter acontecem cronicamente nos termos escolares em Hogwarts, os jovens atores poderiam de uma maneira concebível continuar pelo que Rowling diz que serão sete livros, envelhecendo juntamente com a franquia. “Isso seria legal,” diz o ruivo Grint, embora ele admita, “não sei como será minha aparência em dois anos”.

Ele não é o único preocupado em como os atores vão envelhecer. “Se eles de repente descobrirem cheeseburgers no terceiro filme,” diz Columbus, “eu não sei o que vou fazer”. Outras preocupações vão surgir ao longo dos filmes. A censura de Harry Potter e A Pedra Filosofal é PG-rated (sigla americana que significa um tipo de censura livre, que sugere que os pais pesquisem sobre o filme antes de deixar seus filhos assistirem a ele), feito para crianças de seis anos ou mais velhas, mas os livros de Rowling ficam mais assustadores. Eles também ficam maiores. Columbus já veio com uma estratégia para o muito longo Cálice de Fogo, que pode chegar às telas em 2004. “Acho que tem de ser feito em dois filmes,” ele diz. “Nós poderíamos gravar uma versão de quatro – ou cinco – horas, lançarmos a parte um no Dia de Ação de Graças e a parte dois no Natal.” Caso contrário, Columbus está mantendo silêncio sobre seus Potter planos, e um véu de segredo está decrescendo no segundo filme. Na parede do escritório de Columbus em Leavesden, ele tem pregado representações e esboços de cenas de Câmara Secreta. Ele amavelmente pede para que os jornalistas visitantes ignorem-nos. Tarde demais. É um carro – um desenho do magicamente turbinado Ford Anglia que leva Harry e Rony para seu segundo ano em Hogwarts. É turquesa, assim como Rowling descreveu, e já voando.

Traduzido por: Marina Anderi em 22/02/2011.
Revisado por: Fernanda Midori em 22/02/2011.
Postado por: Fernando Nery Filho em 26/06/2007.
Entrevista original no Accio Quote aqui.