Bagwell, Sheryle. “Loucos por ($) Harry”. Australian Financial Review, 19 de julho de 2000.

Além de fazer milhões com seu estudante herói, Harry Potter, a autora Joanne Rowling alcançou o quase impossível: ela fez as crianças lerem livros de novo. Sheryle Bagwell relata.

Na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, o jovem Harry Potter freqüentemente se volta para o seu sábio diretor, Alvo Dumbledore, em busca de conselhos e apoio. Na vida real, J.K. Rowling, o gênio criativo por trás do fenômeno Potter, parece dever muito a um outro bruxo de cabelos grisalhos, o seu agente em Londres e principal negociador, Christopher Little.

Little esteve entre os primeiros a identificar o potencial de Harry Potter como um bestseller quando o primeiro manuscrito de Joanne Rowling aterrissou em sua mesa uns quatro anos atrás. E é ele quem agora administra o negócio multimilionário em que este bestseller literário tornou-se.

“Tudo é controlado daqui,” diz Little referindo-se ao seu pequeno escritório no sudoeste de Londres, em uma entrevista inserida entre suas reuniões. “Cada um dos contratos, nós fechamos numa base direta. Não importa onde for, se é no Japão ou na Coréia… tudo é negociado a partir desse escritório”.

Mas mesmo Little não poderia imaginar em 1996 o sucesso fenomenal que Harry Potter se tornaria. Rowling recordou na semana passada o que Little lhe contou depois dela ter completado o primeiro rascunho do primeiro livro de Harry Potter: “Agora lembre, Joanne, está tudo ótimo, mas não vai fazer você ganhar uma fortuna”.

Os três primeiros livros de Potter venderam aproximadamente 35 milhões de cópias ao redor do mundo, acumulando para Rowling 14,5 milhões ($37 milhões) em ganhos no ano passado, um divulgado valor de 11,5 milhões em royalties, 2 milhões em adiantamentos e 1 milhão da venda dos direitos do filme. (No ano passado, a Warner Bros. comprou os direitos do filme e merchandising ao redor do mundo para os primeiros quatro livros de Harry Potter).

Essas rendas colocaram Rowling em terceiro na lista das mulheres que mais faturaram no Reino Unido no ano passado, bem à frente de até mesmo as Spice Girls. Nada mal para uma professora desempregada e mãe solteira que conhecidamente escreveu seu primeiro livro em um café de Edimburgo para economizar dinheiro para o aquecimento.

Mas você ainda não viu nada. Está previsto que os lucros de Rowling decolem mais uma vez com o lançamento do quarto livro de sua série de sete, o maior e mais pesado, Harry Potter e o Cálice de Fogo, e a estréia no próximo ano do primeiro filme de Harry Potter. Estimativas iniciais dos faturamentos de Rowling durante a próxima década prevêem um PIB adicional de 30 milhões, mas até Christopher Little no ano passado descreveu essa quantia como conservadora.

Certamente, Harry Potter Inc parece não conhecer fronteiras. A Warner Bros. já acertou licenças comerciais para a fabricação de bonecos, doces, jogos eletrônicos e lençóis de Harry Potter que estima-se arrecadar para a companhia de filmes mais US$100 milhões só em adiantamento de pagamentos de royalties.

O que é único é que o produto no centro da propaganda não é um filme de enorme bilheteria ou uma nova edição do Gameboy, e sim algo tradicional como um livro, algo que tem empolgado pais tanto quanto jovens fãs de Harry. Os pais acham que qualquer coisa que possa fazer seus filhos desligarem a TV e lerem um livro outra vez é bom, mesmo que os marqueteiros tenham exagerado um pouco nesses tempos.

Enquanto os livros anteriores conseguiram captar a atenção das crianças através, principalmente, das palavras, as editoras, Bloomsbury no Reino Unido e Scholastic nos Estados Unidos, decidiram não correr riscos com o quarto livro. Cientes da expectativa construída em torno dos jovens fãs de Rowling por seu mais recente episódio, as editoras decidiram manter o livro e o título dele em segredo até o momento em que fosse à venda em 08 de julho às 00:01, para aumentar a demanda. Rowling também abandonou sua famosa reclusão para embarcar em uma máquina a vapor vermelha chamada Expresso de Hogwarts, para um tour nacional e uma sucessão de entrevistas a fim de promover o livro.

A propaganda funcionou: num recorde inédito, 372.775 cópias de Cálice de Fogo saíram voando das prateleiras (e sites da internet) na Grã-Bretanha apenas no primeiro dia de publicação, um fenômeno de vendas mais parecido com os primeiros dias de lançamento do vinho Beaujolais ou dos filmes Star Wars. Antes mesmo de chegar às prateleiras, aproximadamente 400.000 cópias da edição capa dura de 640 páginas haviam sido pré-vendidas por todo o mundo através do site varejista americano Amazon.com (Amazon, que se juntou ao Federal Express para entregar os livros sob forte segurança no dia do lançamento, descreveu isso como o maior evento de distribuição do comércio eletrônico na história).

Era tanta a confiança em Cálice que os editores fizeram uma tiragem inicial sem precedentes de 1,5 milhão de livros no Reino Unido e na Austrália e 3,8 milhões nos Estados Unidos, ou, aproximadamente, duas vezes o número de um romance de John Grisham.

“Não houve nenhuma publicação como essa desde que as multidões esperavam impacientemente pela diligência e pela máquina a vapor para entregar a última parte de ‘As Aventuras do Sr. Pickwick‘,” o London Times publicou semana passada. “Como os Teletubbies, os Gameboys, os filmes de George Lucas e os novos mini-patinetes de corrida de aço inoxidável, Harry Potter se tornou um culto e uma febre para crianças”.

Seria fácil para um autor relativamente novo perder o controle de tanta euforia, mas Christopher Little diz ter um seguro controle do processo comercial em nome de sua cliente, sem dúvida motivado pela parte de 15-20% que ele recebe de todos os ganhos de Rowling.

Embora o adiantamento inicial dela pela Bloomsbury para o primeiro livro, Harry Potter e a Pedra Filosofal, tenha sido menos de $10.000 (Contudo, nos EUA, a Scholastic realizou um adiantamento de US$100.000 pelo mesmo livro em 1998), Rowling agora comanda uma taxa de lucros de 15-20%, mais que o dobro do padrão de mercado.

Little diz que como parte do filme foi tratada com a Warner Bros., Rowling também ganhará uma fatia da bilheteria. A autora, que admite ser muita possessiva em relação aos personagens que criou, terá também uma grande participação na soma dos filmes e merchandise.

“[Rowling] tem mais controle do que eu imagino que outras pessoas possivelmente alguma vez já tenham tido,” diz Little. “O primeiro filme [que deve ser lançado em maio] está sendo feito com atores britânicos, tem sido fiel ao livro e está sendo filmado no Reino Unido, que era o pedido dela. Tem sido um maravilhoso trabalho em equipe e todo o mundo está muito feliz com a maneira que tudo está sendo feito”.

Bem, talvez nem todo o mundo. Uma das razões pelas quais foi dito que o diretor americano Steven Spielberg foi retirado do projeto do filme em fevereiro foi uma discussão com a autora por causa do elenco. Spielberg quis um garoto americano para fazer o papel principal. Mas a retirada de Spielberg não parou a Warner Bros. de acelerar a máquina do marketing em torno do filme. No início desse ano ela assinou licenças comerciais com os grupos de brinquedos Mattel e Hasbro, que planeja desenvolver uma linha de merchandise de Harry Potter desde bonecos, jogos eletrônicos e veículos até cards do estilo Pokémon e doces em tempo de Natal.

A companhia dinamarquesa Lego também entrou na onda Harry Potter, assinando um negócio multimilionário na semana passada para criar nove ambientes com construções baseadas no primeiro filme.

“Poderia valer bilhões de dólares para a Warner,” Michael Wolf, um analista em mídia e entretenimento de consultoria de gerenciamento Booz Allen & Hamilton em Nova Iorque, contou ao US Entertainment Weekly em março. “E lembre-se: eles não têm apenas um livro. Eles têm uma coleção inteira. Continua rendendo”.

Mas a Warner não tem os direitos sobre todos os livros, o que significa que se o mundo das crianças não se cansar das façanhas mágicas de Harry Potter, poderá haver alguns mega-contratos que faltaram ser fechados. Rowling comprometeu-se a escrever sete livros de Harry Potter, um para cada ano de Harry na escola, e o Amazon.com já está recebendo pedidos online para o quinto, o qual Rowling ainda nem começou a escrever.

Little pode até considerar ofertas de outras editoras para os próximos três livros. Embora notícias tenham sugerido bastante que a Bloomsbury e a Scholastic têm um contrato para a série inteira, Little diz que esse não é o caso: “Eu negocio em uma base de cada livro por vez,” ele diz.

Mas é difícil de imaginar que as editoras deixem uma enorme mina de ouro como essa escapar dos seus controles.

A Pottermania tem empurrado o preço das ações de ambas Bloomsbury e Scholastic para novos níveis. Bloomsbury, em torno de 837 pence esta semana, cresceu aproximadamente dez vezes em relação aos dois anos passados. Uma das últimas editoras independentes de médio porte que sobrou na Grã-Bretanha, a Bloomsbury viu suas pré-taxas de lucros saltarem 66% para 2,6 milhões no ano passado, com alguns analistas estimando que os ganhos de Potter agora representam ao redor de 20% do faturamento total das editoras.

A Bloomsbury, a qual aceitou o primeiro livro de Harry Potter em 1996 depois de outras editoras, inclusive a Penguin, a TransWorld e a HarperCollins, terem-no rejeitado, tenta, no entanto, subestimar a importância dos livros de Rowling na linha principal da companhia, caso tudo desapareça com um aceno da varinha de Little.

“O mundo editorial é sempre um jogo de azar e você tem seus sucessos e tem seus fracassos. A Bloomsbury, como qualquer outro, tem tido vários dos dois durante os anos,” contou Rosamund de la Hey, chefe de vendas infantil e marketing, ao Australian Finacial Review. “Nós sempre fomos intensamente independentes, então Harry não mudou isso de maneira alguma, mas ele tem obviamente reforçado a nossa posição. Ele realmente não mudou a companhia de algum jeito diferente do que todos nós gostamos, tem sido bastante divertido trabalhar nisso”.

Presumivelmente, continua divertido para a mulher no centro de tudo, a própria Joanne Rowling, que diz que sonhou com Harry Potter durante uma viagem de trem há 10 anos. Ela permanece consideravelmente composta se não um pouco extasiada por toda a publicidade e pedidos por entrevistas. Rowling concedeu apenas uma entrevista australiana, para o programa de televisão Sixty Minutes. Ela parece ter concordado com sua recém descoberta riqueza apesar do sentimento, ela diz, de alguns momentos de culpa.

Na semana passada, a mãe de Edimburgo, segundo consta, gastou 4,5 milhões em uma casa nova de seis quartos na pomposa Kensington, no mesmo quarteirão onde Madonna recentemente alugou uma propriedade de 7.000 por semana.

“Não há dúvida de que eu fiz muito dinheiro com isso, e uma parte tem sido absolutamente maravilhosa,” diz Rowling em uma entrevista transmitida na semana passada no website de Harry Potter da Bloomsbury.

“Mas eu freqüentemente penso que era emocionalmente mais satisfeita em ser uma autora moderadamente bem sucedida. Eu não tinha a mínima idéia de para onde estava andando, mas ninguém mais tinha também.”

Traduzida por: Renan da Cunha C. Silva em 28/06/2007.
Revisada por: Renata Grando em 08/10/2007.
Postado por: Vítor Werle em 26/09/2008.
Entrevista original no Accio Quote aqui.