Mzimba, Lizo. “Entrevista com Steve Kloves e J.K. Rowling”. Fevereiro de 2003.

Transcrição: Eric do Mugglenet e Melissa do TLC

Lizo: Agora, para se trazer uma história como Harry Potter das páginas para a tela, o ponto inicial é seu romance original, escrito por você, claro, J.K. Rowling. E o roteiro é baseado no romance, mas é escrito pelo roteirista, você é claro, Steve Kloves. Vocês poderiam explicar como vocês trabalham juntos para produzir o roteiro final, porque deve ser muito, muito diferente escrever um livro se compararmos com escrever um filme.

Steve: Sim, quer dizer, eu simplesmente… roubo o melhor dela, na maioria das vezes…

JKR: [Concordando] É basicamente isso. E eu não presto queixas!

Steve: Eu acho que a coisa… O que foi sempre ótimo sobre a Jo é que, desde o começo ela me deu uma tremenda margem para ocasionais desvios, mas quando você está no meio de uma série como essa é importante que eu fale com a Jo durante o processo e a questione, além de conselhos, apenas simples conselhos, e certas sequências e tudo mais, mas simplesmente: ‘Estou no caminho certo?’, e a Jo sempre foi ótima quanto a, nesse caso, ela está enlouquecendo no sentido de que não irá me contar o que está para acontecer, mas me dirá se eu tomar o rumo errado…

JKR: Eu o contei mais do que eu já contei pra qualquer pessoa, o que eu provavelmente não deveria estar dizendo… na tela, ou o sequestrarão e o torturarão, e nós precisamos dele. Mas sim, eu contei a Steve mais do que provavelmente contei a qualquer um porque ele precisa saber. Porque é incrivelmente irritante da minha parte quando ele diz “melhor cortar isso”, ou “eu queria fazer isso”, e eu digo, “melhor não… porque, você sabe, no livro seis algo acontecerá e você precisará disso no filme”, ou “irá contradizer algo que acontecerá”, e eu posso sentir como ele está no fim do e-mail, entende? [imita Steve digitando frustrado] “você poderia me dizer por quê?”. Então eu contei algumas coisas. Mas ele é muito bom em adivinhar. Ele adivinhou muito mais astutamente do que qualquer um, eu acho.

Lizo: O quão frustrante é pra você trabalhar ligeiramente no escuro com essas questões, Steve?

Steve: Bem, é frustrante porque você quer saber… quando você está escrevendo um personagem você quer saber pra onde ele está indo…

JKR: Eu te diria se você estivesse morrendo!

Steve: [Rindo] Que… que ótimo saber disso.

JKR: Mas você tem que saber no momento!

Steve: Bem, você sabe, eu morrendo, espero que ainda leve um tempo! Mas acho que é frustrante apenas, de novo, quando se trata dos detalhes e a magia desses detalhes, e eu creio que apenas lendo os livros já é uma experiência maravilhosa.

Lizo: Há tantos detalhes ricos nos livros. Você poderia nos contar o que entra e o que sai?

Steve: Algumas vezes eu perguntarei à Jo. Eu direi, você sabe, esse detalhe, você parece ter esclarecido apenas um pouco mais isso nessa cena que nos outros detalhes. Algumas vezes estou errado, mas frequentemente ela dirá “não, isso irá se desenvolver”. Há uma coisa em Câmara, na verdade, que Jo indicou que irá se desenvolver posteriormente na série. A coisa mais pesada pra mim, honestamente, é escrever uma história da qual não sei o final. Que é, não vou mentir pra você, o que tem acontecido algumas vezes nos meus próprios originais.

JKR: Eu ia dizer!

Steve: Mas eu suponho que encontrarei um final. Com isso, é que somente estou escrevendo uma história por mais de uma década, e continuo esperando, você sabe, continuo na esperança de que Jo irá se descuidar e na verdade me contar alguma coisa.

Lizo: Nesse filme nós vemos as crianças se desenvolvendo do primeiro filme. Você pode nos dizer algo sobre a relação de Harry, Rony e Hermione e como ela está se desenvolvendo filme após filme?

JKR: Bem, acho que se desenvolvendo nos filmes como se desenvolve nos livros, o que significa que eles são muito mais fortes juntos que separados. Eles têm mais consciência, no segundo filme, de suas forças particulares. Então eles são mais eficientes, as crianças são capazes de fazer coisas mais complexas, por exemplo, a Poção Polissuco. E também Chris no segundo filme meio que prenunciou algo que eu não faço até o livro quatro, que é onde você percebe dicas de que há certos sentimentos envolvendo os três, que pertencem a um tipo de pessoa um pouco mais madura.

Lizo: Steve?

Steve: Sim, acho que você verá em Câmara que a magia está se tornando um pouco a segunda natureza deles. Pelo menos a magia mais simples está. E isso é basicamente, você sabe, um pouco de conhecimento pode te colocar em muitos problemas. E eu acho que é isso que vemos no segundo: que eles estão ficando mais maduros. Mas é um tipo de magia perigosa.

Lizo: Como você se sente em relação ao desempenho das crianças nesse filme?

Steve: Bem, a primeira coisa que você nota quando você vê o filme é que as vozes de Harry e Rony agravaram dois oitavos, o que é simplesmente bizarro. De repente eles não são mais esses dois pirralhos correndo por aí. Você sabe, crianças crescem.

Lizo: Steve, Hermione é um personagem que você declarou ser uma de suas favoritas. Isso fez com que escrevê-la fosse mais fácil?

Steve: Sim, quer dizer, eu gosto de escrever sobre os três, mas sempre amei escrever sobre Hermione. Porque, eu simplesmente… para um escritor ela é uma personagem e tanto por muitos motivos, que inclui o fato de lidar com exposição em uma forma maravilhosa porque você supõe que ela leu em um livro. Se eu preciso dizer algo para o público…

JKR: Absolutamente correto, eu passo por isso todo o tempo nos livros, se você precisa contar algo para os seus leitores passe pra ela. Há somente dois personagens com os quais você pode dizer algo em um diálogo de maneira convincente. Uma é Hermione, o outro é Dumbledore. Em ambos os casos você aceita, é plausível que eles saibam, bem, Dumbledore sabe praticamente de tudo, de qualquer forma, mas é que Hermione leu em algum lugar. Então ela é útil.

Steve: Sim, ela é mesmo útil. E ela é também, eu acho, tremendamente divertida. Há algo sobre o seu intelecto feroz em conjunto com uma completa falta de entendimento de como ela afeta as pessoas às vezes que eu simplesmente acho charmoso e irresistível de escrever.

Lizo: Dumbledore fala por você?

JKR: Oh sim, muito mesmo. Dumbledore fala frequentemente por mim.

Lizo: E como você vê Dumbledore, Steve?

Steve: Eu acho que Dumbledore é um personagem fascinante porque obviamente ele meio que confere uma sabedoria imensa vinda da experiência, mas sempre senti que Dumbledore suporta um fardo sombrio, e ele sabe de segredos, e acho que de muitas formas ele aguenta o peso do futuro do mundo mágico, o que é ser desafiado, e a única forma que ele tem de não perder o controle é sendo excêntrico e espirituoso. E acho que essa é mesmo uma coisa bem interessante, acho que ele é um personagem de tantas camadas, acredito que quando fala sobre as nossas escolhas e não nossas habilidades. Quando parte dele não parece um sermão, não parece uma mensagem, parece simplesmente uma verdade absoluta e aceitamos facilmente. E gosto disso nele. Mas é isso que gosto nos livros, eu sempre disse que achava que a escrita de Jo é enganosamente profunda, o que significa que você nunca acha que há mensagens ali, mas há tanto sendo trabalhado em uma forma tão inteligente, e eles nunca são pretensiosos, os livros, e acho que é por isso que as crianças adoram lê-los.

Lizo: Você diz que não planeja colocar mensagens particulares em cada livro, que elas nascem espontaneamente. Mas você acha que é importante ter as mensagens corretas lá quando elas surgem?

JKR: Bem, obviamente o mundo bruxo passa por racismo, e isso é profundamente atrelado em todo o enredo, há esse problema acontecendo com relação ao lado ruim verdadeiramente defendendo uma espécie de genocídio, a fim de se exterminar o que eles vêem como mestiços. Então isso foi obviamente bem consciente, mas as outras mensagens crescem espontaneamente mesmo. Mas eu nunca, nunca mesmo planejei ensinar coisa alguma a alguém. Tem sido mais uma expressão dos meus pontos de vista e sentimentos do que me sentar e decidir “Qual é a mensagem de hoje?”. E eu penso mesmo que, mesmo que eu nunca, outra vez me sento conscientemente pra pensar sobre isso, eu acho que pensando melhor, mesmo a minha própria filha, que as crianças respondem a isso como a “lição do dia”.

Lizo: Qual a diferença mais importante em trabalhar na história de Câmara Secreta em oposição ao primeiro filme?

JKR: Bem, provavelmente nós tivemos um pouco mais de contato no primeiro filme porque estávamos estabelecendo uma relação que já dura dois anos e espero que dure muito mais, estão aquele tempo foi realmente pra que soubéssemos o que cada um precisava do outro. Então é provavelmente um bom sinal que tenhamos tido menos contato em Câmara Secreta, porque acho que há muita confiança aí. Eu estava bem na defensiva quando conheci Steve. Porque eu sabia que eles haviam escolhido esse cara americano, mesmo que ele tenha escrito e dirigido um dos meus filmes favoritos, “Susie e os Baker Boys”, eu ainda pensava, ”bem, você sabe, ele é americano”. Não que… eu não sei… ele era apenas… eu estava mais preocupada em conhecer Steve. Ele era o escritor, era ele que iria rasgar o meu bebê. E acontece que eu realmente gostei dele, então deu certo!

Lizo: Como vocês se comunicam, como tudo isso funciona e com que frequência?

JKR: Bem… varia… varia de acordo com o que estamos fazendo no momento.

Steve: Corujas..

JKR: Corujas, principalmente, e obviamente um pouco de pó de flu. [risos]

Lizo: Como esse filme se diferencia do primeiro?

JKR: É, eu acho que diríamos que é um livro mais fácil pra se transferir pra um filme, não é? O primeiro é episódico, você tem aventuras individuais, é mais cortado e muda mais. Eu lembro de que quando estávamos trabalhando no roteiro de Pedra Filosofal havia algo que ocorria continuamente, não era, que você tinha essa espécie de aventura discreta. Em Câmara há uma estrutura mais linear, então foi mais fácil de traduzir pra tela, eu acho, não foi?

Steve: Sim, embora eu achasse que fosse ser mais fácil do que…

JKR: Do que acabou sendo.

Steve: Porque você tem essa espécie de momento do Tom Riddle, quando ele explica tudo. E isso é sempre um desafio em um filme. O que também é interessante sobre, eu creio, o que faz Câmara interessante é que as coisas ocorrem sem que você as compreenda até que Tom as explique no final. Então você tem que trabalhar naquele momento e ter esperanças de que está segurando o público ali. Mas não há dúvidas, houve mais uma espécie de, é mais como que um enredo mais definido para se dar vida.

Lizo: Quais foram os maiores desafios pra você neste filme?

Steve: O desafio pra mim é sempre me segurar pra que o filme não tenha quatro horas. Porque eu gosto de tudo e o que honestamente acho que é mágico acerca do que a Jo faz são os detalhes. Então os meus primeiros rascunhos estão sempre repletos de detalhes. Acho que as coisas que me chamam a atenção são meio que difíceis de serem colocadas na proporção correta. Quer dizer, eu estava bem interessado na linha narrativa dos “sangues-ruins”, então isso se tornou uma coisa bem interessante e emocional pra que eu escrevesse no roteiro. Eu não sei se ainda está lá inteiramente da forma que eu vi. Mas nesses pontos você quer sempre colocar o peso correto, de certa forma, então isso sempre se torna um desafio, mas tudo é primordialmente comprimido.

Lizo: Jo, houve qualquer pedacinho de Câmara Secreta que não correspondeu ao que você originalmente viu em sua mente?

JKR: É interessante o que Steve falou sobre o tema dos “sangues-ruins” porque há sempre a pressão do tempo e do espaço com o filme, que é um tema mais forte no livro e mesmo assim está no filme, mas pra mim creio que quando olho novamente o livro ou penso de novo sobre o livro vejo que é ali que está grande parte desse assunto dos puros-sangues se tornar muito importante se você considera a série inteira, então sim, talvez mais peso nesse ponto.

Lizo: O que basicamente permanece nesse filme?

JKR: Foi assustador, eu sempre pensei em Câmara Secreta, as pessoas subestimam o quão assustador é esse livro. E de fato é o livro sobre o qual eu recebi mais reclamações, bizarramente. Possivelmente porque as pessoas ficaram chateadas com Câmara Secreta e não continuaram a ler os outros livros, e acho que isso é certamente traduzido na tela, alguns momentos bem amedrontadores.

Lizo: Os efeitos especiais são uma grande parte da tarefa de trazer a magia à vida. Nesse filme temos Dobby, nós temos os diabretes, Fawkes, o basilisco. O que você pensa dos efeitos nesse filme?

JKR: Dobby é maravilhoso. Dobby é muito, muito bom, e as mandrágoras… magníficas. Eu realmente amo as mandrágoras.

Lizo: Esse é um desafio grande pra você, Steve, chegar aos efeitos, chegar ao ponto correto nas cenas?

Steve: Não, não, é fácil pra mim porque eu simplesmente os escrevo e sonho…

JKR: Ele simplesmente os escreve e assiste a eles desmaiarem! [risos]

Steve: …e então alguém tem que realmente fazê-los! Mas fico maravilhado em ver algo como as mandrágoras, que realmente, em sua essência, são fantoches.

Lizo: Qual parte de Câmara Secreta você estava mais ansioso pra ver na tela?

JKR: Eu estava mais preocupada com relação às aranhas. Porque você vê esses filmes antigos de ficção científica nos quais eles tinham aranhas e elas eram sempre histericamente hilárias, elas nunca, nunca eram assustadoras. E é fácil escrever uma cena dessas em um romance e fazê-la assustadora. Mas quando comecei a pensar sobre como nós realmente veríamos essa cena, na verdade eu estava extremamente assustada. Elas foram as aranhas gigantes mais assustadoras que já vi em minha vida.

Steve: Eu tinha a mesma preocupação. Eu simplesmente pensei enquanto estava escrevendo, estava pensado “como iremos fazer isso?”. Você vê Aragogue falando “quem vai lá?” basicamente, você sabe, essa aranha gigante, e eu estava dizendo “isso vai ser hilário” desculpe, estou morrendo de rir enquanto escrevo! Eu sei que estou imaginando isso como sendo…

JKR: Nós tivemos esse problema várias vezes.

Steve: Sim, bem uma coisa que você aprende sobre filmes é que a coisa com a qual você está mais preocupado é a coisa que não é um problema. E a coisa com a qual você não se preocupa é um completo desastre. Então eu encontrei, é engraçado porque você está falando sobre as partes assustadoras do filme. Eu sei que a coisa que mais assustou o meu filho no primeiro filme foi abrir um livro e o livro gritar. E acho que foi porque era uma coisa com a qual ele podia se identificar. Quer dizer, ele podia pegar um livro da prateleira e abri-lo e haveria um rosto gritando ali. Ele de maneira alguma ficou assustado com as outras coisas.

JKR: Mas acho que escrevi isso, esses são o tipo de detalhes que escrevo porque, isso me assustaria. Eu leio todo o tempo e ter algo que eu abro e grita pra mim? E uma coisa que acho que foi bem feita no filme Câmara Secreta foi o diário. O diário pra mim é uma coisa bem assustadora, um objeto realmente amedrontador. Esse livrinho manipulador, a tentação particularmente para que uma adolescente abra seu coração às páginas, o que é algo que eu nunca estive inclinada a fazer, mas minha irmã sim. O poder de algo que te responde, e na época em que eu dizia que nunca entraria em uma sala de bate-papo na internet. Mas eu penso desde então “bem, é bem parecido”. Simplesmente escrever seus pensamentos mais profundos ao éter e receber respostas, e você não sabe quem está te respondendo. Então isso sempre foi uma imagem assustadora pra mim, no livro, e acho que funcionou muito bem no filme. Você poderia entender quando ele começou a escrever e essas coisas voltavam pra ele, e o poder disso, esse amigo secreto no seu bolso.

Steve: Sim, eu sempre amei isso no livro. Sempre achei simplesmente um dos mais grandiosos… alguém te responder e você não saber de quem se trata e há algo inerentemente ameaçador nisso, mas o fato de quem te responde também saber o segredo que você quer descobrir e está te convidando, como um dedo te indicando o passado. Sempre achei que esse fosse um conceito incrivelmente interessante.

Lizo: O quão diferente tem sido trabalhar no roteiro do próximo filme, Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban?

Steve: Bem, acabamos de começar. Eu honestamente acho que ele está indo tão bem quando os outros. Pessoalmente acho que será o melhor filme.

JKR: Sim, também acho que sim.

Steve: Eu acho que estamos em um lugar melhor do que qualquer outro em que já estivemos em matéria de roteiro.

JKR: Hum-hum.

Steve: E estamos a meses de começarmos a filmar, então acho que é o melhor lugar em que já estivemos. Acho que o três pode ser muito, muito interessante.

JKR: Sim, eu concordo.

Lizo: Onde fica o três em sua lista de favoritos?

JKR: Oh, eu sei que é muito brega e tudo mais em dizer, mas é como escolher entre seus filhos. É mesmo. Mas tenho uma quedinha pelo terceiro porque uma dupla de personagens surgem ali pela primeira vez. Lupin e Black, obviamente personagens muito importantes e sim, eu gosto muito deles.

Lizo: Até agora você deu duas colaborações bem sucedidas em Harry Potter. Quais são as suas esperanças para o futuro da série Harry Potter?

JKR: Bem, espero que o Steve continue escrevendo os roteiros, porque estou acostumada com ele agora, você sabe. Apenas continuar sendo fiel aos livros, creio. Pelo meu ponto de vista eu estou na obrigação de dizer isso, não estou?

Lizo: J.K. Rowling e Steve Kloves, autora e roteirista. Estou certo de que estamos bem ansiosos pelos resultados de suas futuras colaborações. Muito obrigado.

Traduzido por: Antônio Kleber Gomes em 29/01/2011.
Revisado por: Fernanda Midori em 29/01/2011.
Postado por: Fernando Nery Filho em 30/04/2007.
Entrevista original no Accio Quote aqui
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