Renton, Jennie. “A história por trás da lenda de Potter: J.K. Rowling fala sobre como criou os livros e a magia do mundo de Harry Potter”. Sydney Morning Herald, em 21 de outubro de 2001.

Jennie Renton (JR): Apesar de os livros de Harry Potter serem infantis, como muitos outros adultos, eu amei lê-los. Eu fiquei realmente excitada com as histórias. Para mim, elas funcionam bem como mistérios, mas também são muito engraçadas. Você faz o mundo de Harry Potter tão convincente. De alguma forma, possui muita profundidade.

JKR: É legal ouvir você dizer isso, pois passei tanto tempo construindo este mundo – cinco anos escrevendo sobre Harry antes que alguém lesse uma palavra. É constrangedor saber quantas árvores morreram por mim. Eu escrevo tudo… e perco rapidamente. Está tudo enfiado em caixas.

Eu odeio livros que têm inconsistências e deixam perguntas sem respostas. Longe de mim! Eu odeio chegar ao final do livro e pensar “mas e se”, e se tivesse dito ao Sr. Y no capítulo três, isso nunca precisaria ter acontecido. E aí eu tento ser meticulosa e ter certeza de que tudo está de acordo com as leis, por mais estranho que pareça, para que todos entendam exatamente como e porque.

Eu tenho uma imaginação visual. Eu sei que isso não é o caso de todos os escritores – alguns escutam palavras em oposição a ver figuras. Mas, eu vejo as coisas, e daí tento descrever do modo mais fiel possível ao que estou vendo. Eu tenho que imaginar algo bem claro primeiro, e depois escrevo.

Os livros da série Harry Potter devem ser cheios de surpresas, mas eu tentei ter certeza de que elas fossem explicadas de uma forma realista. Os personagens podem agir sem caráter e mostrar facetas escondidas, porque é isso que as pessoas fazem, de tempo em tempo.

JR: Como a idéia dos livros do Harry veio até você?

JKR: Num flash. Menino, não sabe que é bruxo, mandado para escola de magia. Essa foi a base. Eu comecei a pensar como seria a escola de magia e me animei com isso.

JR: Para a escola de Hogwarts, você usou um engenhoso truque para aspectos que são padrões em convencionais histórias de internatos. Na sua opinião, qual é o apelo das histórias de internatos?

JKR: Na ficção, internatos aparecem como uma família substituta. Os alunos estão com seus amigos e livres dos pais, e da culpa de decepcioná-los. Eu sou, inclusive, educada – eu nunca estive em um internato. Perguntaram-me recentemente se eu gostaria de ter estudado em um. Não, definitivamente não! Mas, se tivesse sido Hogwarts – sim, com certeza.

Quando os novos alunos chegam em Hogwarts, tentam a sorte no Chapéu Seletor para determinar em que casa da escola eles deveriam ingressar: Grifinória, Sonserina, Lufa-lufa ou Corvinal. Sonserina é associada aos bruxos maus. Quando as pessoas colocam o chapéu, elas escutam sua voz. Harry não gosta do que ouve a seu respeito, achando perturbador.

O que estou querendo mostrar aqui é o fato de que nossas escolhas mostram mais quem realmente somos que nossas habilidades. Isso é trazido na diferença entre Harry e seu arqui-inimigo, Tom Riddle.

Em Câmara Secreta, o Chapéu diz a Harry que, se ele for para a Sonserina, se tornará um poderoso bruxo. Ele escolhe não fazê-lo. Mas, Tom Riddle, que foi corrompido pela ambição e pela falta de amor, sucumbe ao desejo de poder. Apesar de ele, supostamente, ter morrido anos antes, seu espírito maligno manipula os acontecimentos através de um diário encantado.

JR: De onde você tirou essa idéia do diário?

JKR: Minha irmã costumava escrever seus pensamentos mais profundos num diário. Seu grande medo era que alguém o lesse. Foi assim que veio a idéia do diário que vai contra a pessoa que o escreve. Você estaria confidenciando tudo em páginas que não são inanimadas.

JR: Você teve alguma suspeita de que Harry Potter e a Pedra Filosofal seria tão bem sucedido?

JKR: Eu lembro de um dia em que estava escrevendo à horas e, quando parei, estava cheia de cafeína… Eu estava andando pela Bridges [a estrada do lado de fora do Nicolson’s Café, onde Rowling escreveu seus primeiros rascunhos], pensando “A dificuldade será em publicá-lo. Mas, se ele for publicado, haverá muitas pessoas que irão realmente amar o livro”. Aí, eu pensei: “Ah, corta essa!”. Com o tempo, bem mais que muitas pessoas gostaram do livro. Vendeu tão bem que posso escrever o dia todo, e essa sempre foi minha ambição na vida.

JR: Você coloca imagens dos seus sonhos nos seus livros?

JKR: Idéias vêm de todos os lugares e, às vezes, eu não sei de onde as tiro. Uma amiga de Londres me perguntou, recentemente, se eu lembrava quando nós vimos Hogwarts pela primeira vez. Eu não tive idéia do que ela estava falando até que ela relembrou o dia em que fomos à Kew Gardens e vimos aqueles lírios que eram chamados Hogwarts. Eu os havia visto sete anos antes e, então, fiquei com aquilo na cabeça. Quando Hogwarts veio até minha mente como o nome da escola, eu não tinha idéia de onde tinha vindo. Eu me peguei pensando na rota do guarda-roupa de Nárnia [na série de C.S. Lewis, incluindo O Leão, A Feiticeira e o Guarda-Roupa] quando é dito a Harry que ele tem que se atirar na barreira na Estação King’s Cross – dissolve-se e ele está na plataforma Nove e Três Quartos, onde há o trem para Hogwarts.

Nárnia é literalmente um mundo diferente, enquanto que nos livros de Harry você vai para dentro de um mundo onde pode ver se, por acaso, pertence a ele. Muito do humor vem das colisões entre o mundo mágico e os nossos mundos. Geralmente, não há muito humor nos livros de Nárnia, embora eu os adorasse quando criança. Eu me atraí tanto que não achava que C.S. Lewis fosse especialmente enfadonho. Lendo-os hoje, acho que sua mensagem não é tão subliminar quanto parece.

De fato, C.S. Lewis tinha objetivos muito diferentes dos meus. Quando eu escrevo, não pretendo marcar uma idéia ou ensinar filosofia de vida. Um problema com o qual você se encontra numa série de livros é que os personagens crescem… se forem permitidos a isso. Os personagens nos livros The Famous Five, de Enid Blyton, atuam de uma maneira pré puberdade durante as séries. Nos livros de Nárnia, as crianças não são permitidas a crescer, apesar de estarem ficando mais velhas.

Eu quero que Harry Potter e seus amigos cresçam tanto quanto envelheçam, mas eu manterei o senso de humor presente nos livros. Eu quero que, eventualmente, eles tenham 17 anos e descubram namoradas e namorados e tenham sentimentos sexuais – nada muito ousado. Por que não deixá-los ter esses sentimentos?

JR: Quais eram seus livros favoritos quando criança?

JKR: Sapatos de Balé de Noel Streatfield. O Pequeno Cavalo Branco de Elizabeth Goudge. Este era meu livro favorito quando era criança. Eu também amava Paul Gallico, especialmente Manxmouse. Este é um ótimo livro. Gallico conduz a fina linha entre magia e realidade tão habilmente, a ponto de os mais fantásticos eventos parecerem plausíveis.

JR: Quem são seus escritores favoritos agora?

JKR: Jane Austen, Nabokov, Colette. Dos contemporâneos, eu acho que Roddy Doyle é um absoluto gênio.

JR: As pessoas, às vezes, a comparam com Roald Dahl.

JKR: Eu tenho sido comparada com ele mais que qualquer pessoa. Eu tomo isso como um elogio. Há similaridades em nosso humor, às vezes. A Fantástica Fábrica de Chocolate e James e o Pêssego Gigante são brilhantes, mas ele não é um dos meus escritores infantis favoritos. Nossa escrita é bem similar. Meus livros são mais morais ultimamente. Uma palavra antiquada, mas lá vai. Eles não são moralistas, mas há com frequência um subtexto bom-versus-mau. Eles não são absolutamente ‘preto e branco’, entretanto. Harry quebra um monte de regras. Ele não é bom no senso de Enid Blyton.

JR: Eu gosto de suas brincadeiras de sacada lenta e jogos de palavras.

JKR: Minha ambição é escrever livros em que o leitor não vai necessariamente entender tudo logo na primeira lida. Eu leio meus próprios livros favoritos várias vezes, até eles se despedaçarem, literalmente. Eu já passei por três cópias de Emma – elas caíram na banheira e as capas caem, e eu tenho que substitui-los. Nada me faz mais feliz do que quando uma criança me traz uma cópia de Harry, que parece estar se despedaçando – isto prova que elas têm lido muitas e muitas vezes.

JR: Você lê livros sérios sobre magia?

JKR: Eu não sou um tipo New Age – não gosto muito de cristais. Mas, através da leitura eu sei muito pouco sobre magia. Alguns dos feitiços em meus livros são frutos da genuína crença de algumas pessoas. Eu acho livros sobre magia fascinantes, mas, às vezes, as coisas nas quais as pessoas acreditam são absolutamente histéricas.

JR: Como você se sente tendo um sucesso tão rápido como escritora?

JKR: Eu ainda estou levemente chocada por estar vivendo a vida que sempre sonhei. Pelo menos uma vez na semana eu sinto um divertido calafrio na espinha.

Traduzida por: Sarah Campos em 19/05/2007.
Revisado por: Abner Moreira em 16/10/2008.
Postado por: Vítor Werle em 19/10/2008.
Entrevista original no Accio Quote aqui.