Johnson, Syrie, “De moça no café à escritora de sucesso”. The Evening Standard (Londres), 10 de julho de 1998.

O sucesso de Joanne Rowling é muito mais fantástico que a história que escreve para crianças. Antes ela vivia com uma renda quase insustentável e escrevia em cafeterias, e agora tem um contrato milionário e um lugar no topo da lista de best-sellers. Syrie Johnson escuta sua fantástica história.

Uma coisa é certa sobre Delia Smith e Jeffrey Archer. Eles vendem. E Joanne Rowling, também. Na verdade, na semana passada sua mais nova obra ultrapassou Delia e Jeffrey em termos de venda. O livro de Joanne é uma ficção com fantasmas que têm nomes como “Nick Quase Sem Cabeça”.

Rowling escreve para crianças (seu mais novo livro se chama Harry Potter e a Câmara Secreta) e ela está cogitando assinar um contrato milionário. Sua história – o conto de uma mãe solteira muito pobre que passava fome e mal podia alimentar a própria filha – é tão improvável quanto as que ela escreve.

Vocês devem pensar que Rowling inventou a própria autobiografia: uma moça pobre chega sozinha num lugar estranho a ela – Edimburgo – lutando contra a depressão após a morte de sua mãe, com sua filha de três meses no colo. Ela sobrevive com uma baixa renda, vagando pelas ruas até que a pequena Jessica adormeça.

Ou, como Rowling entoa: “Uma excêntrica mulher vai à cafeteria todos os dias, com seu carrinho, cabelos desgrenhados, uma pilha de folhas A4 debaixo do braço, pede um café expresso e escreve loucamente. À noite, após voltar ao seu quarto com Jessica adormecida, ela escreve um pouco mais. Sem a escrita, ela ficaria desolada, insana”.

Após um difícil começo, ela conseguiu escrever seu primeiro livro, Harry Potter e a Pedra Filosofal, que vendeu 70 mil cópias, e, pelo contrato, rendeu a ela 100 mil libras, sendo vendidos a mais oito países.

Escrever, para ela, porém, oferece outro tipo de recompensa.

“Uma vez, uma mulher veio até mim,” Joanne recorda-se, “e disse: ‘Meu filho tem nove anos, e é gravemente disléxico. Nós o levamos a vários especialistas, mas ele nunca leu um livro sequer. Eu li para ele três capítulos de Harry Potter e, chegando em seu quarto na manhã seguinte, o encontrei acordado, lendo. É o primeiro livro que ele leu na vida”.

Embora seu sucesso pareça ser muito repentino, o reconhecimento de Rowling é de longa data. Ela escrevia em segredo desde seus cinco anos, quando era “uma nerd usando óculos enormes” e criou por cinco anos a saga de um coelho chamado Coelho, que tinha sarampo.

Após formar-se em Exeter com especialização em Francês e Letras Clássicas, ela começou a trabalhar na Amnesty International – ainda escrevendo em segredo. “Depois, eu tentei por anos: deixei cópias de minhas histórias por toda Inglaterra”.

Rowling continuou a escrever, mesmo quando decidiu ensinar inglês em Portugal, se apaixonando e se casando com um jornalista português – o casamento durou três anos.

Ela se mudou para Edimburgo, mas não conseguia arrumar um emprego. “Eu não tinha a intenção de me aproveitar de benefícios do governo, mas não podia cuidar da Jessica em razão do trabalho”, ela explica. “Isto é desgastante. Havia noites em que ela comia e eu não. Tudo havia dado errado, com exceção da minha filha. Escrever, porém, me dava à impressão de que eu não havia perdido completamente a minha identidade. É uma sensação muito estranha a de, repentinamente, não ter respostas para a pergunta ‘O que fazer?’. Eu estava arrasada – completamente sem auto-estima”.

A idéia de Harry Potter surgiu na mente de Rowling num trem que ia de Manchester a Londres, há sete anos. Ela não tinha papel e caneta consigo e afligiu-se durante horas, por ter uma grande idéia e não poder passá-la para o papel. “Eu nunca havia pensado em escrever para crianças antes,” ela explica, “Mas, naquele momento, escrevi para mim mesma”.

Na história, um órfão chamado Harry vive no subúrbio de Londres com seus tios. Quando completa 11 anos, é surpreendido por corujas e levado a uma escola de bruxaria povoada por fantasmas e por um guarda-caça bêbado chamado Hagrid. (A única preferência de Rowling durante a produção do filme era que Hagrid fosse feito por Robbie Coltrane. “Ele deveria se sentir lisonjeado,” diz ela). O trabalho não estava terminado quando ela terminou o manuscrito. “Eu não tinha dinheiro para comprar uma fotocopiadora ou um processador de textos, então tive que digitar as 80.000 palavras duas vezes. Meus ex-vizinhos se lembrarão de mim afetuosamente como a mulher que os mantinha acordados à uma da madrugada por causa do barulho dos tapas na máquina de escrever, tentando fazê-la funcionar novamente”.

“Então, em 1995, eu fui à biblioteca procurar por nomes de agentes,” ela continuou. “O segundo a quem eu escrevi disse ‘sim’. Foi a melhor carta que já recebi na vida. Eu li oito vezes. Ele falou que estava acontecendo um leilão e alguém me premiaria com um contrato. E agora, de uma maneira surpreendente, eu tenho a vida que sempre desejei: vivendo da escrita. É uma enorme recompensa, eu me sinto realizada”.

Rowling tem mais cinco livros planejados. “Eu poderia escrever um guia sobre cafeterias em Edimburgo para pessoas muito pobres,” ela ri. “Uma cafeteria chamada Nicholson tornou-se a minha favorita, por me oferecer, às vezes, cafés de graça e me deixar usar seu telefone. Eu voltei lá para tomar um café e eles disseram, ‘Oh, sabemos o que você faz agora. Antes achávamos que você era uma pessoa muito estranha’”.

As cafeterias que a toleraram têm agora suas recompensas.

Rowling, além da constante publicidade que dá a eles, também pode financiar a comida.

E ela também ajuda no turismo. Ontem um garçom informou-a que uma criança forçou seus pais a comerem na Nicholson’s. Por quê? Porque “aquela moça escreveu Harry Potter aqui”.

Traduzido por: Victória Fernandes em 13/01/2006.
Revisado por: Junior Gazola em 15/02/2008.
Postado por: Fernando Nery Filho em 29/04/2007.
Entrevista original no Accio Quote aqui.