Johnstone, Anne. “A publicidade envolvendo o quarto livro de Harry Potter desconsidera o fato de que Joanne Rowling teve alguns de seus piores momentos ao escrevê-lo – e que a pressão foi auto-imposta; um tipo de mágica”. The Herald (Glasgow), 08 de julho de 2000.

Mais vendidos: Os três primeiros livros de Harry Potter – Rowling tem dito, desde o princípio, que serão sete no total. Certo: o primeiro esboço do Chapéu Seletor, feito por Rowling, provou por si mesmo, ser auspicioso.

Cena Um: maio de 1997, um café em Edimburgo, em plena luz do sol: Joanne Rowling explica como ela veio a escrever um livro infantil com o apoio de uma doação do Conselho Escocês de Arte – tudo isso ficou entre ela e o Auxílio de Renda. Rowling e seus editores da Bloomsbury estão encantados com o interesse do Herald no rascunho de seu primeiro romance, Harry Potter e a Pedra Filosofal. À base de café expresso e Marlboro Light, a admirável ruiva, vestindo uma jaqueta azul de seda, narra sua história. A atmosfera é comemorativa.

Cena Dois: maio de 2000, um quarto de hotel mal iluminado em Edimburgo: uma série de telefonemas, faxes e uma assinatura num acordo de sigilo, garantiram ao Herald uma das cinco entrevistas que J.K. Rowling havia concordado em ceder em adiantamento à publicação de Harry Potter e o Cálice de Fogo. Eu tenho uma hora. O Marlboro Light ainda aparece, mas o café é descafeinado. Apesar de estar usando uma elegante e perfumada jaqueta vermelha, feita de camurça macia, J.K., agora loira, parecia pálida e cansada.

A razão emerge cedo o bastante. Isso explica a entrega atrasada do manuscrito, rumores de reclusão, indagações sobre sua saúde mental. No mundo dos “trouxas” (não mágico), onde não há varinhas para agitar, ela tinha sobrevivido a um conflito tão marcante como àqueles entre Harry e Voldemort, o bruxo maligno. O adversário de Rowling foi a complicada trama a qual a autora se refere como Livro Quatro.

“Enquanto escrevia o Quatro, percebi que havia uma falha séria com a trama que nunca tinha acontecido comigo antes. O problema que eu havia dado ao Harry era completamente solucionável, e se eu o tivesse resolvido, então, não chegaria ao final que precisava. Eu tive alguns dos meus piores momentos com esse livro. No Natal eu cheguei ao fundo do poço: ‘Será que sou capaz de escrevê-lo?’ eu me perguntava. No final era só persistência, pura teimosia. Levou meses. Eu tive que analisar muito do que já tinha escrito e tomar um caminho diferente para o final. Eu reescrevi um capítulo 13 vezes, embora nenhuma pessoa que tenha lido consiga perceber qual foi ou saber a dor que me causou”. Ela fala, sem nem parar para respirar.

Rowling, 34 anos, admite que essa dor foi, basicamente, auto-infligida. Diferente de outros megastars literários, cuja inspiração criativa é constantemente ameaçada por editores gananciosos, desesperados pelo próximo best-seller, foi a própria Joanne que declarou, desde o início, que seriam sete livros sobre Potter. Como o seu herói, a estrutura da série parece ter surgido de sua imaginação, completamente formada durante uma marcante viagem de trem de Manchester para Londres em 1990.

Houve um período de bloqueio criativo durante a criação do segundo livro (Harry Potter e a Câmara Secreta) conforme a publicidade à cerca de Pedra Filosofal começava a crescer mas, fora isso, seu desejo inflexível de desenterrar e apresentar seus personagens a trouxe até aqui… até agora.

No terceiro livro, Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, os cadavéricos dementadores, que têm o poder de sugar a felicidade da vida das pessoas, são uma metáfora da depressão. Por volta do final do ano passado, Rowling sentiu-se como uma das vítimas de um dementador. Ela diz: “Azkaban foi muito prazeroso de escrever. O Quatro foi metade uma alegria, e metade um inferno na terra”. Devido fato de que as tramas, para todos os sete livros, já estavam planejadas, era imperativo que Harry chegasse ao local pré-ordenado para ele, no final do quarto livro. Esse livro sempre foi planejado para ser mais longo que os outros, mas o editor da Bloomsbury deve ter empalidecido quando o manuscrito finalmente chegou. Tinha 250.000 palavras. A maioria dos romances que visam a base da faixa etária dos leitores de Rowling (por volta de oito anos) não tem mais que 80.000 palavras. Rowling não está arrependida: “Eu sabia que este livro seria maior que ‘Azkaban’ mas eu não sabia o quanto. Essa é a quantidade de palavras que eu precisava para contar a história. Eu sempre tenho esse problema. Até que os sete livros estejam publicados, eu não estou livre para comentar o porquê coloquei determinadas coisas em determinados livros”. (O cinco e o seis serão menores, ela diz, mas o sete pode ser tão longo quanto o quatro).

Após a nossa entrevista, eu perguntei à uma das quatro pessoas que tinham lido o manuscrito até aquele momento, se uma criança de oito ou nove anos seria capaz de entender a trama e ter o interesse para virar 640 páginas. “É muito complicada, com muitas reviravoltas, mas tenho certeza que eles estarão à altura”. “Para as crianças que não se cansam de Harry Potter, é uma festa”, ela disse.

Rowling é mais cuidadosa: “A coisa mais importante para mim é que continuo escrevendo a história que planejei escrever. Quando eu escrever o livro sete, mesmo que todos digam, ‘Bom, ela saiu completamente do trilho depois do livro três,’ eu saberei que fui fiel ao que tinha planejado”.

Tendo bolado o astucioso plano de lançar o terceiro livro às 15:45h, em 08 de julho do ano passado, (aparentemente para evitar que as crianças inglesas perdessem aulas para comprar o livro), dessa vez, a Bloomsbury adotou a tática simples de impor um quase segredo de estado em tudo sobre o livro, até o título do mesmo – originalmente Harry Potter e o Torneio Maldito (em tradução livre).

Nele aparece a Copa Mundial de Quadribol, o excitante e perigoso esporte ‘tipo pólo’, que se joga montado em vassouras, e inventado por Rowling em um pub de Manchester, após uma discussão com um namorado. O desagradável Duda é finalmente colocado em uma dieta e há vários personagens, completamente novos.

Meu palpite é que, apesar de sua complicação, milhões de crianças (e muitos adultos também) irão ler até o fim do Livro Quatro, porque Joanne Rowling criou um grande desejo de responder uma pergunta central em todos nós: “Quem é Harry Potter?”.

O fato de ele ser um órfão, uma grande raridade no oeste atualmente, é menos significante do que o porquê. O órfão é um tema constante na literatura infantil porque cativa a simpatia do leitor, libera o personagem central da repressão dos pais e é uma metáfora da busca humana pela identidade.

“Mas, como eu já tenho mostrado, a morte dos pais de Harry é muito mais integrante à trama do que meramente um caminho de lançá-lo sozinho ao mundo”, ela diz. Antes mesmo de ele chegar à Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, nós sabemos que Harry é diferente, mesmo apesar de ele ter algumas características em comum com outros garotos de 11 anos: miopia, cabelo rebelde, um grande senso de diversão. Primeiro, tem a cicatriz em forma de raio em sua testa. Então houve o incidente, quando pareceu que ele enfeitiçou uma jibóia brasileira para sair da jaula.

Na primeira noite na escola, Harry depara-se com o Chapéu Seletor, que avalia todos os novos alunos e determina suas casas. “Difícil. Muito difícil. Muita coragem, eu vejo. Não tem uma mente ruim, também. Tem talento, oh meu Deus, sim – e uma boa sede de se provar, agora isso é interessante… Então onde devo colocá-lo?” Por que o chapéu o intimida, quase o colocando na desonesta, divergente Sonserina, antes de determiná-lo como um aluno da gloriosa Grifinória? Existe um lado negro neste personagem?

Em sua análise para o livro “Telling Tales“, Lindsey Fraser, diretora da Fundação do Livro Escocês, considera a significância do incidente no qual Harry escolhe sua varinha, que inclui azevinho e uma pena de fênix. O vendedor, Sr. Olivaras, observa: “Acontece que a fênix cuja pena está na sua varinha, produziu outra pena – somente mais uma. É realmente muito curioso que você deva estar destinado para esta varinha, quando, a irmã dela, lhe fez esta cicatriz”. O mais significante de tudo, alguém suspeita, que Harry é “o menino que sobreviveu!”, é quando a Professora McGonagall pergunta ao supostamente ‘sabe-tudo’ diretor, Alvo Dumbledore. “Como, em nome de Deus, o Harry sobreviveu?” (ao ataque homicida que matou seus pais). Dumbledore não consegue responder: “Nós só podemos supor, mas talvez nunca saberemos”.

J.K. sabe, mas não vai contar… ainda. “Harry é vulnerável. Ele tem sofrido. Ele foi prejudicado de algumas maneiras. Esses livros são sobre porque ele continua a lutar contra o mal. Por que ele não cede, quando seria mais fácil ir para cama e deixar outra pessoa resolver os problemas? Você descobrirá minha resposta. Uma razão, é claro, é que cria uma história bem melhor”.

Depois de todas as reclamações dos Fundamentalistas conservadores, seria irônico se Potter virasse um código para Cristo. Afinal, nós já sabemos que ele é um salvador. Sabemos que é de certo modo humano, que ele pode ser tentado, que ele não é todo bonzinho. Se alguém estiver fazendo apostas sobre o desenlace do livro sete, o cenário mais popular deve ser algo como o grande duelo mortal entre Sherlock Holmes e o arquiinimigo Moriarty. Rowling acredita em Deus, ou ao menos em algum deus, e às vezes vai à igreja perto de sua casa em Edimburgo “apesar de não estar muito assídua ultimamente”.

Pergunte à ela sobre a agitação com o banimento na Carolina do Sul e testemunhe algo que se assemelha à combustão espontânea: “Eles têm todo o direito de dizer às suas crianças o que elas devem ler mas eu acho que o ponto de vista deles é absurdo. Eu vi um homem na televisão nos Estados Unidos, dizendo que corro o risco de colocar coisas negativas nas mentes das crianças. Ele estava drogado? Já existem coisas negativas nas mentes das crianças”. Ela tem fé que a maioria dos leitores aceitarão que seu uso de magia é um jeito de dar aos personagens o poder de lidar com situações que derrotariam meros Trouxas.

“Eu não acredito nessas coisas e eu certamente não estou encorajando nenhuma criança em interessar-se pelo oculto,” ela diz, mas admite aceitar de vez em quando. “Na América, eu conheci bruxas praticantes que vieram até mim e agradeceram. Eu digo para elas não fazerem isso. Eu não as considero más, porém, não acredito no que elas fazem”.

Na verdade, inicialmente, era o potencial cômico da magia que a atraiu, mais do que suas propriedades assustadoras: transformar ratos em caixas de tabaco, besouros em botões e etc, e o que acontecia quando as coisas davam errado. E para o propósito da trama, ela precisava que as crianças fossem capazes de superar os adultos. Ao mesmo tempo, seria impossível criar a tensão se tudo fosse suscetível à magia: é por isso que Rowling não gosta de fantasia. “Eu não acho que tenha lógica suficiente em sustentar os mundos que têm sido criados. Para mim, um dos grandes desafios era ter certeza de que eu sabia as leis, tanto as leis físicas quanto o sistema legal do mundo mágico, porque até que você saiba os limites, não há tensão”.

Um dos seus princípios é que não se pode reverter a morte: “Isso é determinado. Sem isso a trama seria desfeita, apesar de que no livro sete você verá o quão perto pode se chegar dos mortos. Você pode ser trazido de volta após ser petrificado e de ferimentos que seriam mortais no mundo real, dependendo do grau de habilidade que um determinado bruxo possua. Você não pode ir até um bruxo e falar ‘Você curaria minha doença terminal, amigo?’ É uma imagem idêntica do mundo real nesse sentido”.

Muitos autores de livros infantis afirmam que eles têm a habilidade de lembrar exatamente como era ser criança. Geralmente, seus trabalhos não comprovam completamente essa afirmação. No caso de Rowling, é comprovado. Seus personagens principais são todos livremente baseados em pessoas que ela tem conhecido. Ela tem identificado-se muito com Hermione, a corajosa, porém tensa e insegura ‘sabe-tudo’ da classe.

Mas ela admite agora que tem muito dela em Harry também: “Ele é uma pessoa melhor que eu. Ele tem as qualidades que eu mais admiro. Ele não fica com pena de si mesmo. Não quer dizer que ele não seja vulnerável para se preocupar, mas é corajoso física e moralmente ,e eu almejo isso”.

O personagem do melhor amigo de Harry, Rony, é inspirado no amigo mais antigo dela, Sean Harris. Foi Sean que chegou na escola de Joanne quando ela era adolescente e sua mãe estava morrendo de esclerose múltipla, e a levou em seu veículo de fuga – um Ford Anglia turquesa, o mesmo modelo que adquire o poder de voar em Câmara Secreta, o livro dedicado à ele. Também foi Sean quem fez o depósito para o seu minúsculo flat quando ela chegou em Edimburgo, com um bebê e sem dinheiro, após o colapso de seu casamento com um jornalista português.

Alguns dos personagens menos importantes de Rowling também possuem contrapartes humanas. Há uma alusão à uma avó obcecada por cachorros em Guida, a tia inflável de Duda. Ernesto, o motorista errante do Noitibus Andante e Stanislau, o condutor caipira, são nomeados em homenagem à seus dois avôs, ambos grandes homens. Snape é um compêndio de todos os professores intimidantes que ela já encontrou. E o afeminado Gilderoy Lockhart, o segundo professor de Defesa Contra as Artes das Trevas, que é punido por sua própria vaidade? Ela ri, joga a cabeça para trás, então inclina-se conspiradoramente: “Acredite ou não, ele foi fielmente representado. As circunstâncias forçaram que nos aproximássemos por um breve período. Eu só direi que me deu uma enorme satisfação escrevê-lo”.

Dumbledore, o amável diretor que está sempre murmurando para si mesmo, vem da palavra em Inglês Antigo para “besouro”.

Talvez não seja de se surpreender que a garota que veio de Chipping Sodbury seja obcecada por nomes. Ela preencheu quatro lados de uma folha A4 antes de inventar o que talvez seja o melhor nome até agora: quadribol. Seu maior rival “muggle” (trouxa, em português), é derivado de “mug” mas o sufixo transmite uma qualidade tenra. É um reflexo da maneira da qual os bruxos os tratam – que os trouxas são tratados com pena e não desprezo. A palavra atraiu um processo judicial de Nancy Stouffer, que afirma ser dona da marca registrada da palavra “trouxa” e alega que a trama e os personagens de Rowling foram originados a partir de seus personagens. A editora americana de Rowling, Scholastic, descarta: “O sucesso frequentemente leva à alegações frívolas”.

Fora o vocabulário, outra fonte de grande prazer para Rowling e seus fãs é a grande quantidade de detalhes divertidos em seus livros. “Eu tenho um vasto esboço para cada livro mas eu me dou uma grande liberdade de achar caminhos diferentes para fazer as coisas. Ao contrário, metade do prazer não existiria. Eu tenho partes do seis e sete escritas em velhos cadernos. Às vezes elas são usadas literalmente, e às vezes também, nunca são usadas. Alguma coisa que eu descartei, às vezes, aparece de repente mais tarde. Em Pedra Filosofal eu tinha um jogo de xadrez entre Harry e Rony, em que Rony ganhava, usando um bispo particularmente violento. Meu editor me fez tirar essa parte. Ele não queria que houvesse um bispo mau. Bem, o bispo está de volta, eu tenho um editor diferente agora”.

Ela está preparada para a publicidade atual em torno do seu nome? Nós brincamos que, cada vez que nos encontramos, desde 1997, achamos que a publicidade está tão extrema quanto podia estar e estamos sempre errados. A terceira mulher mais rica na Inglaterra/ uma das 100 pessoas do mundo com o fator “isso” / A mulher mais elegível da Escócia. Onde isso pararia? “Eu pensei que tínhamos alcançado o ponto máximo na última vez. Eu não pensei que podia ficar mais estranho mas, cara, eu estava errada! A tour americana me esgotou totalmente. Foi assustadora em alguns momentos. Você sabe que tem vendido muitos livros, mas não há garantia que isso se traduzirá em corpos aparecendo às 09 da manhã para comprar um livro autografado. Em Boston, nós andamos de carro, procurando pela entrada dos fundos da livraria e tinham pessoas fazendo fila nas ruas. Eu disse à Kris, da Scholastic: ‘É uma promoção ou algo do gênero?’ mas assim que eu falei isso eu percebi. Eles estavam lá por minha causa, 2000 deles.

“Nós entramos pelos fundos e subimos até a loja mas assim que saí, havia esses flashes ofuscantes das câmeras e todos começaram a aplaudir. Aí a gritaria começou. Eu comecei a dar autógrafos como louca”. Ela autografou 1400 livros naquele dia.

Como tudo isso afetou sua escrita? “É difícil livrar-se o que fez do Livro Quatro trabalhoso. A maior parte foi minha própria culpa. Não ajudou estar tendo esse trauma e depois ir até a cozinha onde minha babá disse: ‘Você está nos jornais de novo’. Eu acho que sou boa em bloquear as coisas. Se não fosse, teria ficado louca”.

De alguma forma, Rowling é uma típica vítima do sucesso. No início ela estava tão feliz por ser publicada, que fez tudo o que os editores disseram que aumentariam a atenção para seu livro. A história da garota com nada, a não ser um bebê e um manuscrito incompleto, escrevendo em cafés e vivendo em um apartamento de um dormitório, foi ensaiada tantas vezes que começou a soar como uma música country muito conhecida. “Naquela época, não foi como um conto de fadas. Eu estava fazendo o que era boa em fazer e continuei fazendo contra as chances muito difíceis”. Agora, Rowling está lutando contra novos mitos. As entrevistas recusadas dos jornalistas a descrevem como uma megera ou reclusa no estilo-Dietrich. Correr assustada é quase certo: “Eu tive uma crise e eu não sabia se conseguiria resolvê-la. Eu estava trabalhando 10 horas por dia. Eu não odeio dar entrevistas mas se tiver que escolher entre dar uma entrevista ou escrever metade de um capítulo, eu sabia o que tinha que escolher”.

Logo após nosso primeiro encontro, nós tivemos uma longa conversa por telefone sobre criar uma linha divisória entre a J.K. Rowling pública e em sua vida privada. Em nosso último encontro, eu me senti levemente presa em minha própria armadilha. Essa é a parte essencial do que ela decidiu dizer sobre o fato de ainda viver com Jessica (sete anos) em um apartamento de dois quartos, em uma parte não tão elegante de Edimburgo, ainda faz suas próprias compras no supermercado e continua, imperturbavelmente, a limpar a gaiola do seu coelho, apesar de sua fortuna multimilionária. “Eu vivo do jeito que quero viver. É isso o que parece incomodar as pessoas. Eu nunca quis ser dona de cavalos de corrida. Eu nunca quis um iate. Só porque você pode fazer essas coisas, não há razão para realmente fazê-las. Significa que agora Jessica e eu vamos à lugares que eu não podia pagar antes. Eu faço coisas divertidas mas sem muita reação. É isso que quero. Eu não fico me preocupando sobre o que as pessoas pensam sobre a minha vida porque é aí que está a insanidade. O que as pessoas se esquecem é que eu ainda sou uma mãe solteira. Muitas vezes eu vou contra a percepção de que: ‘Você tem dinheiro agora, então esse problema está resolvido’. Bem, eu não tive uma filha para colocá-la sob os cuidados de uma babá por 24 horas, assim que eu pudesse arcar. Ainda há o problema das pessoas me ligarem e eu responder: ‘Eu estou para colocá-la no banho. Desculpe, tchau’.

“No meio de toda essa loucura, eu ainda estou tentando criar minha filha, na maior parte, por eu mesma. No momento, a prioridade no. 1 é a Jessica, a prioridade número 2 é a qualidade dos livros e tem muitas coisas disputando pelo terceiro lugar”. Então, qualquer grande projeto, tal como o empenho em escrever e publicar o próximo livro de J.K. Rowling vai ter que esperar “por volta de cinco anos”. Contra as chances talvez, ela fez duas amizades importantes esse ano. “Uma delas me disse: ‘Se eu soubesse quem você era, eu provavelmente não teria falado com você’”.

Agora a publicidade está prestes a aumentar muito porque a Warner Bros. está embarcando em uma versão para o cinema de Harry Potter. Primeiramente, Joanne disse não: “As crianças irão ao cinema querendo ver sua Hogwarts na tela e não estará lá. Finalmente, eu pensei, eu gostaria que fosse feito enquanto estou viva e posso dar minha opinião do que esperar até que eu morresse, só para que Hogwarts virasse um colegial. Eu estou tendo uma grande quantidade de informação… eu fiquei muito entusiasmada com o primeiro esboço”.

Basicamente, o que é importante sobre o trabalho de Rowling não são os milhões de livros vendidos ou os direitos para o cinema – é que o fenômeno Potter foi criado inicialmente não por uma propaganda manipuladora mas pelas crianças que estavam encantadas com esses livros e comentavam sobre eles nos playgrounds. É fácil esquecer esse meio devido à publicidade ridícula que cercou o lançamento do terceiro e quarto volume.

Meu próprio interesse cresceu em janeiro de 1997, quatro meses antes da publicação do primeiro livro, quando minha filha, então aos dez anos, desenterrou o esboço do primeiro capítulo da minha maleta e dez minutos depois exigiu que eu telefonasse para a Bloomsbury para apanhar o resto. Essa jovem veterana literária de cada clássico desde “Children of the New Forest” em diante, continua convencida que a combinação da trama, caracterização, ritmo e senso de humor destacam esses livros de tudo que ela já leu, incluindo os muito elogiados Philip Pullman e David Almond.

Uma experiência para apreciar seria uma classe de primeiro ano criticando Anthony Holden, o juiz de Whitbread, que, num artigo recente do Observer, divulgou seu próprio trabalho sem nenhuma vergonha e descreveu o de Rowling como ‘desenhos da Disney em palavras’ e ‘mais fácil que Neighbours’. Lido em vão por qualquer comprovação para tal afirmação falsa, ou de sua declaração que os personagens são bidimensionais e a escrita é errada e sentimental.

A nostalgia nesses livros não devia ser confundida com sentimentalidade. Sim, a escrita dela é acessível devido sua boa qualidade visual, mas isso não quer dizer que seja simplista. Milhões de leitores amam o mundo que Rowling tem criado e reconhecem paralelos com suas próprias vidas. A crítica de Holden não é a pior que ela já teve que suportar. Frequentemente, as piores críticas vêm de pessoas que nunca leram os livros.

Minha passagem favorita é do final de Pedra Filosofal. Depois de muitas aventuras, Harry está vagando por Hogwarts na noite de Natal, quando ele encontra um cômodo desconhecido que contém um magnífico espelho com uma mensagem codificada gravada na moldura de ouro. É traduzida como: “Eu não mostro seu rosto, mas o desejo de seu coração”.

Sem saber disso, ele olha o espelho e vê uma multidão sorridente atrás dele, apesar do cômodo estar vazio. O casal próximo ao seu ombro parece curiosamente familiar:

“Mãe?” ele murmurou. “Pai?”

“… os Potters sorriram e acenaram para Harry e ele os encarou avidamente, suas mãos grudadas no vidro como se ele esperasse cair através do espelho e alcançá-los. Ele tinha um tipo de dor poderosa dentro dele, metade alegria, metade terrível tristeza.”

Essa escrita é fresca, vital e atraentemente impassível. Como expressa bem a vontade que todos sentimos de estarmos reunidos, mesmo que brevemente, com aqueles que amávamos e perdemos para a morte. É também a passagem favorita de Rowling e você não precisa perguntar por que.

No início deste ano numa competição do Herald, uma criança cujo pai havia morrido recentemente de câncer escreveu sobre Pedra Filosofal: “Esse é meu livro preferido de todos. Quando eu leio, eu sinto como se estivesse dentro da história”.

Esse é o nível de interesse que Rowling almeja. “Às vezes eu acho que sou temperamentalmente adequada para ser uma escritora moderadamente bem sucedida, com o foco de atenção nos livros e não em mim”, ela disse recentemente. “Tem horas – e eu não quero soar mal-agradecida – que eu alegremente devolveria parte do dinheiro em troca de tempo e paz para escrever”.

Harry Potter e o Cálice de Fogo é publicado hoje pela Bloomsbury por £14,99 – veja nossa oferta ao leitor na página 11.

Telling Tales: An Interview with J.K. Rowling” by Lindsey Fraser (“Conversa com J.K. Rowling” em português, publicado pela Editora Panda Books no Brasil) será publicado em agosto.

Traduzida por: Fabianne de Freitas em 05/10/2008.
Revisado por: Abner Augusto Moreira em 08/08/2008.
Postado por: Vítor Werle em 08/10/2008.
Entrevista original no Accio Quote aqui.