Nicol, Patrícia. “Garoto bruxo livra mãe de apuros”. Sunday Times (Londres), 6 de dezembro de 1998.

As palavras mágicas de Joanne Rowling poderiam transformá-la em uma milionária, escreve Patrícia Nicol.

É impossível reprimir um riso abafado quando Joanne Rowling se recusa a revelar em que parte de Edimburgo que ela vive. “É que houveram alguns problemas no passado,” ela diz, soando um pouco envergonhada.

Que tipo de problemas? Perseguidores? Jornalistas abordando-a na porta de sua casa? Será que o dia de Rowling é constantemente interrompido por garotos de nove anos de idade perguntando a ela se ela gosta de dar uma corrida até o Caldeirão Furado para tomar um pouco de suco de abóbora? Será que grupos de pré-adolescentes impertinentes espreitam por trás de suas janelas procurando por vassouras voadoras, corujas de estimação chamadas Edwiges, elfos e livros de receitas com títulos como “Encante Seu Próprio Queijo”? A resposta parece ser sim.

“Você pode rir se quiser,” ela diz com um tom de professora de escola. “Mas é um fator. Eu fui à uma escola outro dia e eu fui interrogada por este garotinho extraordinário. Ele tinha nove anos, com a mentalidade de quarenta e dois. Ele me criticou por eu ter usado duas frases negativas seguidas e quando eu disse que o tinha feito por razões estilísticas, ele apenas acenou com a cabeça e disse, ‘Ah, sim eu entendo’”. Para aqueles que não sabem e não tem uma criança de 10 anos que atraiam sua atenção para as leituras solicitadas, Rowling é um fenômeno da publicação. Na segunda-feira ela ganhou o prêmio Smarties, o equivalente infantil ao prêmio Booker – julgado para crianças por crianças – pelo segundo ano consecutivo. Harry Potter e a Câmara Secreta, que está no topo da lista de títulos mais vendidos em capa dura, também foi para a lista dos indicados ao prêmio Whitbred deste ano.

Enquanto isso, duas diferentes edições de seu primeiro romance Harry Potter e a Pedra Filosofal – a versão infantil original e uma com uma capa mais discreta para atrair um público mais adulto – também estão em altas posições nas listas dos mais vendidos. A América comprou Harry entusiasticamente, por quase 100.000 libras adiantadas por uma história infantil, enquanto os franceses, italianos e até mesmo os japoneses estão à beira de serem encantados por Potter, o garoto bruxo. A Warner Brothers comprou os direitos para o filme, que, junto com os produtos lançados relacionados aos livros, pode fazer de Rowling uma milionária.

E muito bem merecido. Correndo o risco de abandonar a objetividade jornalística, Harry Potter é simplesmente uma das melhores coisas que aconteceram na ficção infantil desde uma pequena garota chamada Lucy que decidiu se esconder em um velho guarda-roupa e foi parar em Nárnia.

Harry Potter – um órfão, que tem que esperar até seu décimo aniversário para descobrir que ele é um bruxo – não apenas apresentou uma geração de viciados em televisão e vídeo-games à magia dos livros, mas também encantou uma geração de adultos.

Na contracapa de A Câmara Secreta, onde as editoras normalmente publicam trechos de críticas, Bloomsbury colocou trechos de cartas de fãs. Há um trecho de uma família inteira, um de um garoto precoce de 10 anos desejando toda a sorte a sua autora favorita no prêmio Guardian e um de uma professora muito grata, que conta que chegou a um ponto com sua turma de sexto ano da escola primária em que eles “gritaram, aplaudiram, socaram o ar e se abraçaram”.

A versão adulta de Harry Potter e a Pedra Filosofal surgiu por causa de e-mails de fãs de vinte e poucos anos que não tinham filhos, e por causa de uma série de relatos sobre flagras em figuras da cidade que viajam constantemente de trem, lendo cópias de Harry Potter e a Pedra Filosofal por trás de edições do The Times. “Tudo isso chegou como um choque”, admite Rowling. Uma boa parte da publicidade de Harry Potter foi devido à Rowling por si mesma. Na época da publicação de seu primeiro livro, ela era uma mãe solteira que dividia seu tempo entre dar aulas por meio período na Academia Leith e escrever seu segundo romance.

Se Harry Potter é uma criação digna de Road Dahl ou CS Lewis, então a história de Rowling é uma que só poderia ter sido tratada por Louisa May Alcott ou Noel Streatfield. A mulher de trinta e quatro anos tinha se mudado para Edimburgo, onde vivia sua irmã, depois do final de seu casamento com um jornalista português de televisão.

Se tornou público que boa parte da história tinha sido escrita em Nicolson, um café em Edimburgo, onde Rowling escapava de seu frio e miserável apartamento. Alongando seus cafés, ela escrevia sua estória à mão, enquanto sua filhinha Jessica dormia no carrinho ao seu lado.

“Eu achei a coisa toda bem chocante,” ela diz. “Pode soar falso, mas tudo que eu realmente queria era que as pessoas lessem o livro. Eu nunca esperei que alguém ficasse interessado em detalhes da minha vida particular, porque sejamos francos, a não ser que você seja Road Dahl ninguém se importa.

“Mas o que aconteceu há um ano atrás meio que saiu do meu controle. Eu fui questionada com algumas perguntas horríveis. Eu me lembro uma vez um jornalista me perguntando se eu não me sentia culpada por escrever um livro quando eu poderia estar procurando por um emprego e eu tive que explicar sobre a horrível situação de prisão de ser uma mãe solteira – sem emprego, nenhuma creche, sem creche, nenhum emprego. A história que foi escrita me fez parecer desesperada para lavar a roupa suja e contar a minha triste e trágica história.

“Eu não tenho vergonha de ter sido tão pobre. Eu sei como eu cheguei lá e eu não acho que eu fiz algo terrível para chegar ali, mas ao mesmo tempo é difícil ser definida pela parte mais triste da sua vida. Exceto pela minha filha que me manteve na luta e Harry, que foi uma escapatória maravilhosa, era um tempo muito, muito infeliz. Mas era a minha vida, quando eu estava pulando refeições e vivendo daquele jeito, eu não pensei em mim mesma como fornecedora de suprimentos para um departamento publicitário”.

Para a autora e os leitores, Harry Potter é mais do que apenas uma escapatória maravilhosa. Mas Rowling insiste que mesmo ela sendo grata pelas comparações com CS Lewis e Dahl, o seu trabalho é um tanto quanto diferente.

“CS Lewis é simplesmente um gênio e eu não sou um gênio,” ela diz. “E enquanto eu penso que Dahl é um mestre no que ele fez, eu de fato acho que meus livros são mais morais do que os de Dahl. Ele também escreveu muitos personagens cômicos presunçosos, apesar de eu achar que meus são mais tri-dimensionais”.

Embora Harry Potter não tenha nascido um herói, tem algo de messiânico sobre ele. Os seus pais morreram defendendo-o contra o mal, mas a decisão de usar seus poderes para o bem ou para o mal é escolha dele. Seu inimigo, Voldemort, é um anjo caído, um antigo monitor chefe de Hogwarts, que escolheu usar sua magia contra a instituição. É um tema clássico, o qual adultos podem comparar com Milton ou o Novo Testamento, ou apenas apreciá-lo por ele mesmo.

Potter foi desenhado como um herói que usa óculos porque Rowling usava óculos grossos quando era criança, e era frustrada porque quem usava óculos sempre eram os estudiosos, mas nunca os heróis. As qualidades que Rowling admira em Harry são também as que ela provavelmente teve que desenvolver nela mesma.

“Eu gosto de Harry porque ele não sente pena de si mesmo embora ele tenha realmente passado por situações difíceis durante a vida. Ele é bastante cheio de vida, uma alma alegre. Ele quebra as regras quase que rotineiramente e normalmente aprende coisas boas ao fazer isso, mas ele é realmente uma pessoa muito nobre”.

Haverá sete livros de Harry Potter no total, um para cada ano que Harry frequentar Hogwarts. Isso significa que em 2003 uma geração de leitores que chegaram até Harry cedo estará indo para a universidade mais ou menos ao mesmo tempo em que ele poderá se formar e candidatar-se para um trabalho em um escritório do Ministério da Magia.

Rowling está ansiosa para fazer de seus personagens adolescentes apropriados, com hormônios, espinhas e namoradas. Os enredos também vão se tornar mais sombrio, ela promete que irá haver uma morte no quarto livro.

“Eu acho que se você está discutindo o mal, você realmente deve levar para casa que coisa terrível é assassinar alguém. Mas quando você vai às escolas e fala para as crianças que alguém vai morrer eles ficam absolutamente fora de si. Todos pensam que eu vou matar o Rony, o melhor amigo dele, o que é um pouco lógico mesmo, porque em um filme ele seria a primeira pessoa a ter problemas”.

O mais significante impacto do dinheiro que ela ganhou com seus livros é que ela e Jessica se mudaram para uma casa própria, mas Rowling diz que duvida que chegará de novo um dia em que ela irá tratar o dinheiro como se fosse nada.

Harry Potter continua sendo o homem mais significante na vida de Rowling. Embora ela diga que não fecharia a porta na cara do Sr. Perfeito, ela espera que sua companhia ideal para a estréia de Harry seja a sua filha Jessica. “Mas realmente, estou muito feliz no momento. Estou fazendo exatamente o que eu sempre quis fazer. Eu sou uma escritora, estou vendo mais a minha filha do que se estivesse dando aulas, e muitas crianças estão lendo Harry. Minha única reclamação é que eu não estou tendo tempo o suficiente para escrever”.

Harry Potter e a Pedra Filosofal é publicado pela Bloomsbury por 6,99 libras (Adultos) e 4,99 libras (infantis). Harry Potter e a Câmara Secreta custa 10,99 libras em capa dura.

Copyright 1998 Times Newspapers Limited

Traduzida por: Letícia Vitória em 25/12/2008.
Revisado por: Fabianne de Freitas em 03/01/2009.
Postado por: Vítor Werle em 09/01/2009.
Entrevista original no Accio Quote aqui.