Bloom, Harold. “Podem 35 milhões de leitores estarem errados? Sim”. Wall Street Journal, 11 de julho de 2000.

Pegar em armas contra Harry Potter, no momento, é como Hamlet pegando em armas contra um mar de problemas. Se opondo ao mar, você não lhe dará um fim. O fenômeno Harry Potter irá continuar, sem dúvida por algum tempo, assim como J.R.R. Tolkien, e então diminuir.

O jornal oficial dominante da nossa contra-cultura, The New York Times, foi movido pelos livros Potter a estabelecer uma nova política para sua não tão literária crítica de livros. Em vez de juntar os Grishams, Clancys, Crichtons, Kings e outras prosas de ficção vastamente populares em sua lista de best-sellers de ficção, os volumes Potter vão agora liderar uma lista infantil separada. J.K. Rowling, a autora de Harry Potter, desta maneira tem uma distinção pouco usual: ela mudou a política do fazedor de políticas.

Visão Imaginativa

Eu leio literatura infantil, quando eu consigo achar algo de valor, mas não havia tentando Rowling até agora. Eu acabei de concluir o primeiro livro da série “Harry Potter e a Pedra Filosofal”, aparentemente o melhor do grupo. Apesar do livro não ser bem escrito, essa não é por si só uma obrigação crucial. É muito melhor assistir ao filme “O Mágico de Oz” do que ler o livro no qual foi baseado, mas mesmo o livro possui uma autêntica visão imaginativa. “Harry Potter e a Pedra Filosofal” não, então é preciso procurar em outro lugar o extraordinário sucesso do livro (e de suas seqüências). Tal especulação deve seguir em conta de como e por que Harry Potter pede para ser lido.

O modelo principal para Harry Potter é “Tom Brown’s School Days”, por Thomas Hughes, publicado em 1857. O livro descreve a Escola Rugby, presidida por Thomas Arnold, lembrado agora como o pai de Matthew Arnold, o crítico poeta vitoriano. Mas o livro de Hughes, ainda bem agradável de ler, era realista, não fantasia. Rowling pegou “Tom Brown’s School Days” e o reviu no espelho mágico de Tolkien. A mistura resultante do espírito de um menino escolar com a liberação dos obstáculos de um teste-realidade pode parecer estranha para mim, mas é exatamente o que milhões de crianças e pais desejam e recebem nesse momento.

No que se segue, eu posso alguma vezes indicar algumas das inadequações de “Harry Potter”. Mas eu vou manter em mente que muitos que estão lendo-o simplesmente não irão tentar experiências superiores, como “O Vento nos Salgueiros”, de Kennethe Gravame, ou os livros “Alice” de Lewis Carroll. É melhor ler Rowlling do que não ler nada? Eles avançarão de Rowling para prazeres mais difíceis?

Rowling apresenta duas Inglaterras, mundana e mágica, dividida não em classes sociais, mas pela distinção entre “perfeitamente normal” (mau e egoísta) e os adeptos da feitiçaria. Os feiticeiros de fato se parecem tanto com a classe média quanto os trouxas, o nome que as bruxas e bruxos dão para os comuns, já que aqueles possuidores de magia mandam seus filhos e filhas para Hogwarts, uma escola Rugby onde apenas feitiçaria e magia são ensinados. Hogwarts é presidida por Alvo Dumbledore como diretor, ele sendo uma versão de Rowling do Gandalf, de Tolkien. Os jovens futuros bruxos são simplesmente como qualquer outro britânico em formação, apenas mais, esportes e comida sendo as preocupações principais. (Sexo mal entra no cosmo de Rowling, pelo menos no primeiro volume).

Harry Potter, agora o herói de tantas crianças e adultos, é criado pelos terríveis parentes trouxas após seus pais bruxos serem assassinados pelo malvado Voldemort, um bruxo que se tornou meio troll e, finalmente, pós-humano. Precisamente porque o pobre Harry é entregue pelos bruxos anciões a seus meticulosos tios nunca é esclarecido por Rowling, mas é, no entanto, um bom toque, sugerindo novamente o quão convencional a Inglaterra alternativa realmente é. Eles depositam seu herói-bruxo em potencial em sua asquerosa família, em vez de deixá-lo ser criado por magos e bruxas amigáveis, que o reconheceriam como alguém de seu próprio mundo.

A criança Harry, assim, sofre o odioso tratamento dos Dursleys, trouxas do tipo mais honrado entre os trouxas, e do sarcástico filho, seu primo Duda. Durante algumas páginas iniciais nós poderíamos estar no filme “Tommy”, de Ken Russell, a ópera-rock por The Who, exceto que o prematuramente sábio Harry é muito mais saudável que Tommy. Um sobrevivente desde o nascimento, Harry agüenta até que os bruxos o resgatem e o mandem para Hogwarts, para entrar na glória de seus dias escolares.

Hogwarts encanta muitos dos fãs de Harry, talvez por ser muito mais viva do que a escola que eles freqüentam, mas a mim parece uma academia mais cansativa do que grotesca. Quando os futuros bruxos e bruxas da Grã-Bretanha não estão estudando como lançar um feitiço, eles se preocupam com bizarros esportes internos. É um alívio quando Harry heroicamente sofre a provação de um confronto com Voldemort, com o qual o jovem lida admiravelmente.

Alguém poderia, com razão, duvidar que “Harry Potter e a Pedra Filosofal” vai se provar um clássico da literatura infantil, mas Rowling, independente das fraquezas estéticas de seu trabalho, é pelo menos índice milenar para nossa cultura popular. Uma grande audiência dá importância a ela, como estrelas do rock, ídolos de cinema, jornalistas da TV e políticos de sucesso. Seu estilo de prosa, cheio de clichês, não faz nenhuma demanda em seus leitores. Em uma única página escolhida arbitrariamente – página 4 – de seu primeiro livro Potter, eu contei sete clichês, todos do tipo “alongando as pernas”.

Como ler “Harry Potter e a Pedra Filosofal”? Por que, muito rapidamente, para começar, talvez também para dar um fim. Por que lê-lo? Aparentemente, se você não pode ser persuadido a ler nada melhor, Rowling terá que servir. Há algum uso educacional para redimir Rowling? Há algum para Stephen King? Por que ler, se o que você vai ler não enriquecerá a mente, o espírito ou a personalidade? Pelo que eu sei, os verdadeiros bruxos ou bruxas da Grã-Bretanha, ou América, podem conseguir uma cultura alternativa para mais pessoas do que normalmente se pensa.

Talvez Rowling seja mais atraente para milhões de leitores não-leitores porque eles sentem sua melancólica sinceridade, e querem se juntar ao seu mundo, imaginário ou não. Ela alimenta uma grande fome por irrealidade; isso pode ser ruim? Pelo menos os fãs dela são momentaneamente libertos de suas telas, e então podem não esquecer completamente a sensação de virar as páginas de um livro, qualquer livro.

Crianças Inteligentes

E ainda assim eu me sinto desconfortável com a mania Harry Potter e eu espero que meu descontentamento seja meramente uma esnobe vaidade, ou a nostalgia por uma fantasia mais literária que seduza (digamos) crianças inteligentes de todas as idades. Podem mais de 35 milhões de leitores, e seus filhos, estarem errados? Sim, e eles têm estado e continuarão a estar enquanto persistirem em Potter.

Um vasto conjunto de trabalhos inadequados, para adultos e para crianças, enchem os lixos de todas as idades. Em um tempo que opiniões públicas não são nem melhores nem piores do que aquilo que é proclamado por líderes de torcida que destruíram estudos humanistas, tudo vale. Os críticos culturais vão, logo, introduzir Harry Potter em seus currículos universitários e o The New York Times vai continuar a celebrar outras confirmações do emburrecimento que ele lidera e exemplifica.

Sr. Bloom é professor em Yale. Seu livro mais recente é “Como e Por que Ler” (versão brasileira; Editora Objetiva, 2001).

Traduzido por: Renata Grando em 13/01/2009.
Revisado por: Thais Teixeira Tardivo em 17/01/2009.
Postado por: Vítor Werle em 23/01/2009.
Entrevista original no Accio Quote aqui.