Magia séria
O MUNDO DE HARRY POTTER É UM LUGAR INCRIVELMENTE PERIGOSO EM “ORDEM DA FÊNIX”. O DIRETOR DAVID YATES GARANTE.
Por Mark Salisbury, Especial para o The Times
Tradução: Vitor

 

Londres — BEM debaixo do nosso distrito governamental Whitehall, nos brilhantes ladrilhos preto-esverdeados do Ministério de Magia, o Lorde Voldemort flexível e viperino de Ralph Fiennes e o Dumbledore de longas barbas brancas de Michael Gambon estão entrando como Ali e Frazier em Manila.

Conforme esses dois grandes feiticeiros apanham e gesticulam com suas varinhas em duelo, lançando feitiços e, por enquanto, rios imaginários de fogo se encontram e batem juntos reluzindo como correntes elétricas, máquinas de vento por trás das câmeras agitam e arrastam suas vestes. Encolhido num canto, Daniel Radcliffe parece terrificado, o Harry Potter pálido se protege das pirotecnias que explodem sobre sua cabeça, feitiços menores, maldições que rat-tat-tat nas paredes como tiros de uma metralhadora.

“É uma cena muito intensa”, diz Radcliffe durante uma pausa na filmagem da seqüência, parte do clímax de “Harry Potter e a Ordem da Fênix”, que tem sua premiere dia 11 de julho. “Harry está sem forças, está emocionalmente muito mais destruído nessa parte e desprovido de qualquer esperança.”

Depois do retorno de Voldemort ao término do último filme, os riscos, claramente, aumentaram exponencialmente para o espetacular jovem feiticeiro que, neste quinto filme da saga mágica de J.K. Rowling tem, não só que lidar com vários atentados contra sua própria vida, como com a perda de alguém muito próximo e também seu primeiro beijo.

“No passado, Harry foi espetacular ao fugir e lidar com a morte, desafiar incidentes sem derramar suor, realmente”, diz o quarto diretor das séries, David Yates, de Inglaterra, entre tomadas de cenas nos Estúdios de Leavesden, Hertfordshire onde todos os filmes de Potter têm sido feitos. “Eu pensei que seria interessante fazê-lo se sentir um pouco mais frágil, um pouco mais vulnerável. Isso aumenta os riscos emocionais porque você sabe que ele pode ser morto”. Parte daquela mudança de ênfase era tratar a magia como uma força vital, perigosa. “Fazer as pessoas perceberem como a magia poderia ser poderosa e perigosa”.

O enredo desta quinta parte encontra o mundo mágico negando a reaparição de Voldemort, deixando os membros da Ordem — o que inclui o padrinho de Harry, Sirius Black (Gary Oldman), e o antigo professor-lobisomem Remus Lupin (David Thewlis) — para defender nosso jovem herói contra as forças das trevas. Entre os agentes malvados vestidos de couro, de Voldemort, estão: Lúcio Malfoy de Jason Isaac e a prima Black enlouquecida, recém-saída-de-Azkaban, Belatriz Lestrange (Helena Bonham Carter).

Quando o ministro de magia, Cornélio Fudge (Timothy West), despacha sua autoritária lacaia vestida de cor-de-rosa, Dolores Umbridge (Imelda Staunton), para limpar Hogwarts de suas tendências liberais e assim desmontar Dumbledore como diretor, um punhado de alunos rebeldes se une para criar a Armada Dumbledore, para tentar salvar sua escola e suas cabeças.

Embora Ordem seja o segundo filme de Yates, depois do pouco-visto The Tichborne Claimant, seu currículo na televisão inclui, o aclamado pela crítica State of Play (uma refilmagem norte-americana estrelada por Brad Pitt) e o vencedor do Emmy Award The Girl in the Café. Produtor David Heyman diz que a Warner Bros. encorajou a escolha dele como diretor, baseado no sucesso de um escolhido anterior, Alfonso Cuáron, no terceiro filme. “Deu para o estúdio mais confiança trabalhar com diretores que podem não ter tido um sucesso de estúdio grande&#148*, diz Heyman. &#147*Alfonso era na ocasião uma escolha muito ousada. David também era ousado, sem dúvidas”.

E como a maioria do trabalho de Yates revelou um pendor político, Heyman sentia que ele era ideal para dirigir o filme sobre o livro com maiores tendências políticas da série. “Ele estava perfeito para isto”, diz Emma Watson, que faz o papel de Hermione Granger, a amiga de Harry, enquanto senta em seu trailer comendo chocolate. “Eu não sei se ele poderia ter dirigido qualquer um dos outros. Esta era a história para ele contar”.

Realmente. Além da aventura habitual, magia e monstros, este filme também trata de repressão política, abuso de crianças, fundamentalismo, fascismo, terrorismo global e racismo… não é o típico arrasa-quarteirões de verão, mas temas que, claramente, atraíram Yates. Entretanto, não vá pensar que é, demasiadamente, político. “Não há nenhuma referência a aspectos políticos nessa história”, diz Heyman que, de qualquer forma, se apressa em ressaltar que é política com “p” minúsculo. “Eu não quero dar a impressão que seja um filme político. É um entretenimento”.

Radcliffe não tem nenhuma dúvida sobre o subtexto. “Nós somos a Resistência francesa”, ele explica sobre a Armada Dumbledore, “e Voldemort e os Comensais da Morte são os nazistas. Obviamente, em um contexto mágico&#148*. Não que suas analogias terminem por aí. “Harry é como um veterano do Vietnã”, diz ele. “Ele já viu coisas terríveis e volta para uma sociedade que o rejeita. Esse é o principal paralelo que desenvolvi.” Fudge, enquanto isso, é comparado ao primeiro-ministro de Inglaterra, Tony Blair.

“Dan está absolutamente certo”, diz Yates, vários meses depois, em seu escritório no Soho. “O que Fudge faz é manipular tudo, o tempo todo. Ele é um grande manipulador de informação, e há um pouco de Blair no Fudge.”

“DESCOBRINDO A VERDADE”
No set, Yates fala suavemente, ele é uma presença imperceptível e é fácil negligenciar. “Ele é quieto, pensativo, sensível”, diz Watson.

“Mike [Newell, diretor de Cálice de Fogo] sentaria na cadeira e gritaria conosco, ou simplesmente levantaria a voz soando muito alto e britânico. David pensaria um pouco, viria até nós e falaria algumas palavras, se atendo ao mínimo possível. O fato que sempre surge com David é encontrar a verdade nos personagens, verdade no desempenho, fazer isso de forma real”.

É o mantra pelo qual Yates guiou este navio grandioso, seja em relação à magia ou achando a verdade emocional em seus personagens. O filme começa com “a sombra da perda”, assim ele reuniu Radcliffe com uma conselheira de perdas antes de filmar (“Ela nos falou sobre policiais que têm que retirar com pá as pessoas para fora da estrada quando acontece algum acidente de carro e o que eles têm que passar”, diz Yates) e contratou um coreógrafo para estabelecer um protocolo de duelos de varinha. “Assim, em lugar de só apontar a varinha, há uma linguagem para fazer parecer tão real quanto possível.”

No fim das contas, Yates conseguiu também o melhor desempenho de Radcliffe até o momento.

“Eu estou pronto para prosseguir e ser desafiado”, diz Radcliffe que este ano fez sua estréia nos palcos de Londres em Equus com boas críticas. “Os outros diretores devem ter estimulado e desafiado, e fizeram, mas eu não estava pronto. Com David, penso que estou em uma fase onde eu posso oferecer com mais competência o que ele quer em uma cena, e com mais detalhes”.

Trabalhar com a nata dos atores britânicos através dos filmes foi certamente benéfico. Durante uma cena particularmente emocionante nesta seqüência, Radcliffe lembra que Oldman falou para ele: ‘Dan, você se importa se eu fizer algo físico com você antes de nós começássemos?’;. E eu tipo: ‘Não, não me importo’;, pensando que ele queria dizer algo como um abraço. Ele se aproximou de mim, me agarrou e me chacoalhou com muita, muita força. Ao se afastar, ele manteve contato com os olhos. E lágrimas começaram a surgir. Eu não tenho idéia como aconteceu, mas funcionou.”

Radcliffe já se comprometeu a fazer o Harry nos dois filmes finais da série. Também para Yates este não é o fim, depois de ter assinado para o próximo: Harry Potter e o Enigma do Príncipe. “Eu conheço o Alfonso e o Mike, quando eles saíram, eles estavam meio cansados, mas eu saí me sentindo revigorado”, Yates diz. “E eu não acho que já terminei tudo desse mundo. Esses podem ser grandes filmes sobre a infância. O próximo está cheio de políticas sexuais, e as crianças estão melhorando como atores, e eu quero desafiar eles ainda mais. Este aqui é bastante lírico e intenso. O próximo é mais divertido.”

Ele sorri. “Eu tive mais diversão nos últimos dois anos do que tive fazendo qualquer outra coisa. Tudo isso é ligeiramente viciante. É difícil abandonar.”