Mcginty, Stephen. “A História de J.K. Rowling”. The Scotsman, 16, 17 e 18 de junho de 2003.

Antes de Harry Potter, antes dos romances, antes dos filmes, antes dos milhões e milhões de libras, existia uma garotinha que gostava de brincar de bruxos e bruxas. Durante os meses modorrentos do verão, na cidadezinha inglesa de Winterbourne, a meia hora, de carro, de Bristol, Joanne Rowling, com então seis anos, encontrou pela primeira vez um bruxo chamado Potter. A brincadeira de faz-de-conta acontecia no jardim da frente do número 35 da Nicholls Lane, uma entre a fileira de casas de três quartos com tijolos cinzas, para a qual Pete e Anne Rowling e suas duas jovens filhas haviam se mudado recentemente. O jogo era ideia de Joanne e incluía invadir o armário de sua mãe, para pegar os trajes, e a garagem do vizinho, para as vassouras, e convencer as crianças vizinhas a brincar. Joanne, sua irmãzinha Dianne e a amiga Vikki eram todas bruxas, enquanto o bruxo solitário era Ian Potter, de cinco anos. Como ele lembra, quase 30 anos depois: “Costumava usar o casaco largo do meu pai de trás para frente para parecer como um bruxo. Acho que também havia óculos de mentira na caixa – parecidos com os de Harry”.

A vida de J.K. Rowling começou com o encontro de dois estranhos num trem em 1964. Pete Rowling era um soldado de 18 anos quando conheceu Anne Volant, uma marinheira, também de 28 anos, no trem de King’s Cross com destino ao quartel-general do 45º Comando em Arbroath. As apresentações no compartimento conduziram a uma longa conversa e beijos roubados debaixo do bagageiro. Quando desceram na Escócia, Pete e Anne já eram um casal confirmado. Alguns meses depois, no namoro, Anne engravidou de sua primeira filha, Joanne. Os jovens amantes decidiram esquecer seus uniformes para se casar no dia 14 de março de 1965, antes de estabelecer seu lar em Yate, a quinze quilômetros de Bristol. Quatro meses depois, em 31 de julho de 1965, sua filha nasceu no Hospital Cottage, no rico subúrbio de Chipping Sodbury, onde Rowling mais tarde exigiria que sua família morasse. Enquanto seu pai conseguia o emprego de aprendiz de engenheiro numa fábrica de Bristol, sua mãe cuidava de Joanne e sua irmã, Dianne, nascida dois anos depois em 28 de junho de 1967. Um ano depois, a família se mudou para uma casa maior em Winterbourne, onde Joanne descobriu pela primeira vez o mundo mágico dos livros, e criou suas próprias aventuras no jardim da frente.

Uma infância marcada pelo sarampo, aos quatro anos, proporcionou a primeira memória da escritora de livros, onde seu pai levantava seu astral lendo em voz alta para a filha de cama as aventuras de Toad of Toad Hall, de O Vento nos Salgueiros. Os livros estavam por toda a casa, espremidos em cada cômodo e embora a jovem Joanne não tivesse muito interesse nas aventuras d’Os Cinco, ela mais tarde elogiaria o trabalho de Richard Scarry, cujo trabalho antropomórfico inspirou seu primeiro trabalho de ficção: uma história chamada “Coelho”, escrita aos seis anos. À época, ela era uma aluna feliz da Escola St Michael’s Church of England, a uma caminhada de cinco minutes de casa. Mas outra mudança estava a caminho. Em 1974, seus pais compraram um velho chalé de pedra em Tutshill, na fronteira com o País de Gales, perto da Floresta de Dean, que se tornaria um conceito para a Floresta Proibida de Harry Potter, justo como inspirara o trabalho de outro escritor local, Dennis Potter.

A pacífica Church Cottage, que tinha chão de laje e um poço coberto, ficava a apenas um lançamento de gnomo do cemitério local, e era rodeada por campos nos quais as irmãs Rowling estabeleceriam suas aventuras. Mas para a jovem J.K. Rowling, o primeiro dia na Escola Tutshill Church of England em setembro de 1974 não foi um sucesso. Ela pontuou apenas metade da nota numa prova valendo dez, o que a levou a ser colocada no lado menos intelectual da sala. Sua habilidade natural logo brilhou e ela foi promovida, mas como explicou: “a promoção teve um custo… a Sra. Morgan me fez trocar de lugar com minha melhor amiga”. A professora, Sra. Sylvia Morgan, era uma mulher rígida e intimidante, que aterrorizava Joanne como criança e cuja presença funcionaria como inspiração para os professores menos simpáticos de Hogwarts. Aos dez anos, Joanne era uma boa menina, leitora voraz e estudante séria que competia para levantar sua mão primeiro. “Eu era a típica criança leitora, baixinha e gordinha, com óculos grandes à moda National Health, vivendo num mundo de ilusões”.

Quando mudou para a escola secundária, Joanne foi acompanhada por sua mãe. Depois de 12 anos cuidando de suas filhas, Anne Rowling conseguiu a posição de técnica de laboratório na Wyedean Comprehensive sob a supervisão de John Nettleship, o chefe de ciências da escola. Nettleship se lembra de Joanne, a quem lecionou, como uma garota brilhante, mas quieta e se considera uma inspiração inicial para o Professor Snape. “Acho que a química, talvez, teve mais impacto nela porque eu lhe ensinei sobre a pedra filosofal, a pedra do alquimista. É possível que ela já a conhecesse, mas a incluí em minhas aulas e expliquei como ela transformava as coisas em ouro”. Ele então dá um risinho abafado antes de continuar: “Parece que funcionou para ela, não?”. Apesar de brilhante, ela não era a aluna mais entusiasta, como Nettleship, agora aposentado, relembra: “Sua atitude nas aulas de ciências era mais como a de Harry em Poções que a de Hermione”.

Anne Rowling, entrementes, estava contente de estar entre os vidros e a química e trabalhar de novo depois de uma longa abstinência. “Ela era absolutamente brilhante, uma personagem vivaz, totalmente confiável, muito interessada nas palavras e histórias e coisas assim. Embora seu trabalho fosse do lado técnico, ela também era muito imaginativa,” diz Nettleship. Um breve encontro com a violência levou Joanne a passar seus intervalos caminhando pelo bloco de ciências para pegar seu dinheiro do jantar, para evitar a atmosfera intimidante do pátio. Uma garota maior no seu ano lhe chamou para a briga. “Não tinha escolha. Era bater de volta ou cair no chão e me fingir de morta. Por alguns dias, fui bastante famosa porque ela não conseguira fazer picadinho de mim. A verdade era que meu armário estava bem atrás de me e isso me ajudava”.

Durante sua adolescência, Rowling provou seu gosto pela leitura. Não surpreende que ela tenha sido grandemente influenciada por O Senhor dos Anéis de JRR Tolkien, mas ela também amava Jane Austen, cuja obra Emma, ela leu mais de 20 vezes. Outra influência que germinou foi Jessica Mitford, que ela adotou como heroína pessoal, e cuja biografia, Hons and Rebels, se tornou um texto significante para Rowling.

Mas como muitos adolescentes, Rowling ficou cada vez mais interessada na música pop. Era o começo dos anos 80 e, logo, ela era inspirada pelos The Smiths e Siouxsie Sioux, cujo visual ela adotou e manteve por vários anos; quando começou a universidade, ela ainda usava o cabelo penteado para trás e um delineador preto pesado.

Neste ponto, a casa de Rowling era um ambiente feliz e estável. Seu pai, Pete, era agora um engenheiro executivo na fábrica Rolls Royce, e sua mãe estava trabalhando no emprego que adorava. Mas as coisas estavam a ponto de mudar dramaticamente, lançando uma sombra sobre a vida de Rowling e despedaçando sua família.

‘Minha casa era um lugar difícil para ficar’ – J.K. Rowling em Desert Island Discs

O espectro da doença apareceu pela primeira vez para Anne Rowling em 1978, quando sua mão começou a tremer enquanto servia chá. Primeiro, os sintomas eram passageiros e ela não os levou a sério, mas nos dois anos seguintes, sua perda de controle físico se intensificou. Ela começou a quebrar tubos no trabalho e chorava de frustração. Num dia bom, ainda conseguia tocar violão, mas os dias ruins começaram a ficar mais frequentes. Quando Joanne tinha 15 anos, sua mãe foi finalmente diagnosticada com esclerose múltipla. A doença foi causada pela falta de uma certa proteína em sua coluna espinhal, que servia para captar os sinais do cérebro, e resultava na perda do controle de suas extremidades. Anne ficou com o coração despedaçado ao ter que desistir de seu trabalho como técnica de laboratório, mas se ocupou como voluntária para limpar a igreja local. Rowling podia apenas observar, impotente, sua mãe sucumbindo à doença destrutiva. Num artigo que a autora escreveu no Scotland on Sunday, ela descreveu como, em determinado momento, sua mãe teve que subir as escadas engatinhando. A progressão “galopante” da doença fez com que, dentro de alguns anos, Anne Rowling passasse de caminhar com dificuldade para se locomover com um andador ou cadeira de rodas.

A depressão se instalou na Church Cottage, fazendo Rowling se sentir presa e infeliz. A fuga veio na forma de um novo aluno na Wydean Comprehensive, Séan Harris, que logo se tornou um grande amigo. Em 1982, ele saía de casa com seu Ford Anglia azul e a tirava da monotonia sombria de Tutshill para os shows e bares de Bristol. Ele estacionava debaixo da ponte Severn e juntos, o par sonhava como melhores futuros um para o outro. O Ford Anglia de Harris se tornaria imortalizado na ficção de Rowling como o carro da família de Rony Weasley e ele seria descrito na dedicatória do seu segundo livro como o “motorista do carro de fuga e amigo dos dias tempestuosos”.

As realizações acadêmicas de Rowling lhe levaram a ser nomeada Monitora na Wyedean e sua ambição era estudar línguas na Oxford. Seus A-Levels em inglês, francês e alemão (dois As e um B) eram bons o bastante no papel para lhe conseguir uma vaga nas universidades de Oxford e Cambridge, mas ela não foi aceita. Seus professores ficaram surpresos, achando que ela fora vítima do preconceito institucional com alunos de escolas públicas. As sonhadas espirais de Oxford foram substituídas pelas salas de residência de tijolos vermelhos na Universidade de Exeter.

Os professores da universidade se lembram de Rowling como uma aluna nervosa e insegura, mas uma colega, Yvette Cowles, contou a Sean Smith, seu biógrafo, que ela era popular e notável. “Ela vestia saias longas e costumava ter essa jaqueta jeans azul que gostava de usar. Jo era muito curvilínea e tinha cabelos longos, meio que penteados para trás e se maquiava com muito delineador pesado. Acho que ela era bastante popular com os garotos”. Em seu primeiro ano, ela cursou Francês e Literaturas Clássicas, mas uma atitude acadêmica melhor descrita como pouco trabalho e mais diversão lhe levou a abandonar a Literatura, depois que não conseguiu se registrar adequadamente para realizar uma prova. Ela passou seu terceiro ano lecionando numa escola em Paris e dividindo um apartamento com um italiano, uma russa e um espanhol. Ela achava o italiano desagradável e o evitava passando dias inteiros em seu quarto lendo. Nesta época, ela lia Um Conto de Duas Cidades de Charles Dickens, uma descoberta literária que pode ter influenciado sua alegada intenção de matar Harry Potter no final do livro sete. A morte de Charles Darnay, sacrificando sua vida por um amigo, e suas últimas palavras comoventes tiveram um grande impacto em Rowling: “O que agora faço é de longe o melhor que já fiz em toda a minha via; o repouso que agora vou encontrar é de longe o melhor de todos”.

Anne Rowling compareceu à graduação de sua filha em 1987 na cadeira de rodas e observou com orgulho ela sendo premiada com nota máxima em francês. Nos quatro anos seguintes, ela viu sua filha trabalhar por uma variedade de trabalhos temporários, incluindo postos na Anistia Internacional e a Câmara de Comércio de Manchester, um cargo tão breve que não há nenhum registro dele lá. Durante esse período, ela começou uma vida paralela como escritora, trabalhando em dois romances adultos que nunca foram publicados, e desenvolvendo uma paixão por música clássica. Foi enquanto Rowling vagava sem rumo nestes anos que o momento mais importante de sua vida aconteceu. No verão de 1990, o namorado de Rowling se mudara para Manchester e ela se encontrava voltando para Londres de trem depois de passar um final de semana procurando apartamento com ele. Espontaneamente, durante a viagem, uma ideia tomou forma: “Do nada, a ideia de Harry simplesmente apareceu na minha mente. Não sei dizer o porquê ou o que causou isso. Mas vi a ideia de Harry e a escola de bruxaria muito claramente. De repente, tive a ideia básica de um garoto que não sabia quem era, que não sabia que era bruxo até que recebia um convite para uma escola bruxa. Nunca ficara tão excitada com uma ideia”.

O nascimento de Harry Potter foi seguido seis meses depois pela morte de sua mãe. Anne Rowling faleceu em 30 de dezembro de 1990 aos 45 anos. Joanne visitara sua casa seis dias antes, mas não tinha percebido a seriedade da doença de sua mãe. “Ela estava extremamente magra e parecia exausta. Não sei como não percebi o quanto ela estava doente, exceto que eu a vira se deteriorar por tanto tempo que a mudança, à época, não me pareceu tão dramática”. A morte de sua mãe lhe levou à depressão. Dentro de meses, sua relação terminou, ela se mudou para um hotel e logo deixaria o país por completo.

Um anúncio no Guardian procurando por professores de inglês em Portugal oferecia a promessa de aconchego e um novo início. Rowling logo estava vivendo na animada cidade de Porto, num apartamento dividido com Aine Kiely, de Cork, e uma garota inglesa, Jill Prewett. Das 5 da tarde às 10 da noite, o trio dava aulas de inglês na Encounter English School antes de ir ao Swing, o maior clube noturno da cidade. Rowling passava seus dias em cafés locais, tomando goles de café forte e escrevendo à mão o primeiro rascunho do primeiro Harry Potter. Maria Inês Aguiar era a diretora-assistente da escola e se tornou uma amiga íntima, lembrando de Rowling como uma “pessoa muito nervosa, ansiosa” e “desesperada por amor”. Apenas 18 meses depois de chegar ao país, Rowling encontrou o amor, mesmo que por pouco tempo, com Jorge Arantes, um vistoso estudante de jornalismo três anos mais novo.

Arantes estava bebendo com os amigos no Meia Cava, um bar no andar inferior, quando, ele lembra: “A garota com os olhos azuis mais fascinantes entrou”. Ele se aproximou dela e começou a conversar em inglês e descobriu que ambos eram fãs de Jane Austen. A noite terminou com uma troca de beijos e números de telefone e em um par de dias, eles estavam dormindo juntos. Mas se Arantes, que tinha muito do machismo latino, achava que podia tratá-la da maneira casual, estava enganado, como sua nova namorada deixou claro quando ele começou a conversar com outras garotas enquanto eles estavam juntos. Rowling se aproximou dele e sussurrou em seu ouvido que era ela ou elas. Ela ganhou a competição, mas uma paixão volátil passou a existir entre os dois. Apesar das estranhezas, sua relação continuou, com Rowling ganhando dinheiro com seu trabalho, que Arantes gastava procurando por empregos que nunca parecia encontrar.

O casal estava junto há poucos meses quando Rowling ficou grávida, justamente quando Arantes entrava no serviço nacional de oito meses. Eles concordaram que Rowling se mudaria com a mãe de Arantes, que morava num pequeno apartamento de dois quartos na rua Duque de Saldanha, e esperaria por seu retorno. Infelizmente, ela acabou perdendo a gravidez. A decepção lhes aproximou e, em 28 de agosto de 1992, Arantes a pediu em casamento. Os amigos de Portugal se surpreenderam por Rowling aceitar. Maria Inês Aguiar achava Jorge possessivo e invejoso, enquanto Steve Cassidy, que organizava a escola onde Rowling trabalhava, o via como rude e indigno de confiança. Sua percepção não foi alterada por um incidente na escola de idiomas antes de seu casamento. O casal estivera bebendo café do outro lado da rua quando irrompeu uma briga, na qual Jorge empurrou sua noiva com violência. Rowling ficou em lágrimas e correu de volta para a escola, mas a intensidade do acesso de raiva de Jorge levou um transeunte a chamar a polícia, que chegou e encontrou uma multidão em volta de Arantes enquanto ele chorava: “Joanne, me perdoe, eu te amo”. De acordo com Maria Inês Aguiar, Rowling logo estava gritando de volta: “Eu te amo, Jorge”.

O casamento durou 13 meses e um dia. Mais tarde, quando Rowling estava escrevendo Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, ela fez uma personagem, a Professora Trelawney, informar a uma aluna que a coisa que mais temia aconteceria em 16 de outubro – data de seu casamento em 1992. A cerimônia teve lugar no cartório de Porto e foi presenciado pela irmã de Rowling, Dianne, e seu namorado. As fotos sugerem um romance subjugado com Rowling vestida de preto, segurando um buquê de flores vermelhas. O pai das garotas não compareceu. A rapidez de sua decisão de se mudar com a secretária, após a morte de sua esposa, angustiou ambas as irmãs e uma linha de culpa agora as separava de seu pai.

O lar conjugal permaneceu sendo a casa da mãe de Arantes e estava longe da felicidade. Dois meses depois da cerimônia, Rowling se encontrava grávida mais uma vez. Ela continuou seu trabalho e, a nível preocupante, estava perdendo peso devido ao estresse de suas brigas com Arantes. Antes do nascimento de sua filha, Jessica, cujo nome é uma homenagem a Jessica Mitford, em 27 de julho de 1993, os amigos de Rowling lhe impulsionaram para deixar seu marido, mas ela estava determinada a fazer seu casamento funcionar. O comportamento de Arantes tornou isso impossível. Rowling nunca falou publicamente sobre seu casamento, exceto para desmentir as afirmações de seu ex-marido de que ele teria ajudado a dar forma ao primeiro romance de Potter, com a frase de deboche: “Ele teve tanta influência em Harry Potter quanto eu tive em Um Conto de Duas Cidades”.

Mas Arantes descreveu seu comportamento vergonhoso e violento. A dimensão da violência doméstica sofrida por Rowling é desconhecida, mas Arantes admite tê-la estapeado “muito forte” no início da manhã de 17 de novembro de 1993 e tirá-la da casa sem sua filha. Quando Rowling voltou no dia seguinte com Maria Inês Aguiar, um policial as acompanhou e não demorou muito até que Jessica fosse entregue de volta.

Por duas semanas, Joanne e Jessica ficaram escondidas com amigos que Arantes não conhecia. Então ela pegou um voo para a Grã-Bretanha e fugiu de Arantes e seu temperamento assustador. Sua preciosa bagagem incluía uma amada filha e três capítulos sobre Harry Potter, seu segundo filho.

Os trens aparecem na vida de J.K. Rowling com grande frequencia. Seus pais se conheceram num trem, a ideia de Harry Potter foi concebida pela primeira vez num trem e agora, no inverno de 1993, um trem levava mãe e filha ao norte, para uma nova vida na Escócia.

Depois de chegar de volta à Grã-Bretanha, Rowling não tinha a quem recorrer. Seu pai casara novamente com Janet Gallivan, sua secretária, e as relações estavam tensas, mas Dianne se casara recentemente em Edimburgo e abriu as portas de sua casa para ela. Apesar da hospitalidade da irmã, os anos seguintes estavam para ser os piores da vida de Rowling. Embora nunca tenha estado tão mal quanto a imprensa tem dito, em termos de pobreza – ela sempre teve comida e roupas, aquecimento e luz – Rowling realmente sofreu de uma depressão profunda causada pelas circunstâncias e a frustração.

Pelas primeiras semanas, Rowling e sua filha ficaram com sua irmã Dianne e seu cunhado dono de um restaurante, Roger Moore, em sua casa em Marchmont Road, mas era uma situação que não podia continuar para sempre. Um pequeno apartamento no número 28 da Gardner’s Crescent foi organizado pelo serviço social. Aí começou a experiência de Rowling com a burocracia do governo, já que ela foi forçada a preencher infinitos formulários e comparecer a entrevistas humilhantes para conseguir uma ajuda semanal de 69 libras. Um presente de Natal recebido por ela apenas serviu para aumentar a tristeza. O novo álbum do REM, Automatic For The People, foi visto pelos críticos como o melhor, e Rowling se fixou na esgotante faixa Everybody Hurts, que começou a escutar incessantemente.

O Ano Novo trouxe consigo um novo apartamento, mas sua depressão apenas aumentou. Pouco depois de voltar à Grã-Bretanha, Séan Harris se ofereceu para emprestar dinheiro, mas ela recusou. No meio do inverno ela estava tão infeliz na Gardner’s Crescent que mudou de ideia e pegou emprestadas 600 libras para usar como depósito num apartamento alugado.

Encontrar um foi mais difícil do que ela pensava e apenas depois de sofrer rejeição após rejeição de donos indispostos a alugar um imóvel para uma mãe solteira desempregada, foi que ela conseguiu as chaves de um apartamento em South Lorne Place. Era um apartamento pequeno e com tijolo a vista de quatro cômodos, mobiliado graças a contribuições de amigos. Foi aqui que Rowling se deixou ultrapassar pela desesperança.

Seu desespero foi combinado com a chegada, em março de 1994, de seu ex-marido em busca de sua esposa e filha.

Desde sua partida de Porto, Arantes sucumbira ao abuso de drogas e sua esposa estava tão preocupada com a segurança dela e de sua filha, que foi forçada a obter Termos de Interdito – uma ordem de restrição que impedia Arantes de incomodar, abusá-la verbalmente, ameaçá-la ou colocá-la num estado de medo ou alarme usando violência para com ela dentro da jurisdição de Edimburgo.

Arantes voltou para Portugal e Rowling conseguiu o divórcio em agosto de 1994.

O sentimento de que ela estava falhando em criar sua filha era insuportável para Rowling. Sempre que visitava a casa das outras mães, Rowling observava com avidez os montes de brinquedos das crianças. Os brinquedos de sua própria filha caberiam confortavelmente numa caixa de sapatos. Quando um assistente de saúde insensível, mesmo que bem-intencionado, trazia um ursinho de pelúcia esfarrapado e um telefoninho de plástico, ela os depositava numa caixa da vergonha.

Apenas depois de um período de ajuda psicológica foi que ela pôde enfrentar sua depressão e começar a escrever de novo. Mas uma vez que ela começou, foi a escrita que elevou sua auto-estima. Os primeiros três capítulos de Harry Potter e a Pedra Filosofal fizeram sua irmã rir, uma reação que avivou a esperança em Rowling.

Nas longas noites em casa, sem nada mais para fazer, ela começava a trabalhar nos seguintes capítulos. Na mitologia de J.K. Rowling, o restaurante Nicolson’s foi onde a maior parte de Harry Potter foi escrito. O restaurante de cores brilhantes se foi, desde então sendo substituído por um restaurante chinês, o Buffet King. O novo dono, Winnie Yau, ainda recebe peregrinos de todo o mundo, perguntando sobre a cliente mais famosa do edifício.

Rowling ia ao Nicolson’s ou para fugir de um apartamento congelante ou por uma paixão pelo bom café, dependendo da versão em que você acredita. O Nicolson’s era pouco conveniente, ficava a quase um quilômetro de seu apartamento e em cima de 20 degraus, uma jornada e tanto para uma mãe empurrando uma criancinha num carrinho de bebê, mas era propriedade de seu cunhado, o que lhe permitia pedir um simples café por várias horas, e as cores primárias nas quais ele é pintado levanta o astral até do mais desanimado dos visitantes. Um segundo estabelecimento que ela visitava regularmente era o Elephant House, na ponte George IV, cuja sala dos fundos tem janelas com vista para o cemitério Greyfriars.

Um sinal na entrada agora reza: Experimente a mesma atmosfera que J.K. Rowling sentiu enquanto bebericava um café, escrevendo o primeiro romance de Harry Potter.

A escrita de Harry Potter e a Pedra Filosofal foi vagarosa. Rowling escreveu à mão e, então, digitou o trabalho pronto numa máquina de escrever de segunda mão. No meio tempo, ela precisava de um trabalho. Primeiro, pegou uma vaga de secretária por algumas horas por semana, mas um emprego de período integral era necessário. Ela queria uma carreira, não apenas uma forma de fazer dinheiro e então se candidatou para estudar para um certificado de pós-graduação em educação em línguas modernas da Moray House, agora parte da Universidade de Edimburgo. Uma pequena bolsa foi suplementada por um amigo generoso e, em agosto de 1995, ela se tornou uma aluna de novo. A equipe da St David’s High School em Dalkeith Road e da Leith Academy, onde ela lecionou como parte de seu treinamento para professora, se lembrou dela como entusiástica e bem-organizada.

Ela se formou em junho de 1996, época na qual já ouvira notícias de que Harry Potter estava, enfim, para ser publicado.

‘A alegria mais genuinamente pura foi quando finalmente soube que seria um livro, um livro de verdade que você poderia ver na prateleira de uma livraria’ – J.K. Rowling

Quando o manuscrito de Harry Potter e a Pedra Filosofal foi terminado, no começo do Ano Novo de 1996, Rowling visitou a Biblioteca Central de Edimburgo para dar uma olhada no Anuário dos Escritores & Artistas em busca de um agente literário. Sua primeira aproximação não fora bensucedida: uma breve carta de rejeição. Ela então mandou uma amostra de três capítulos e uma carta para a Agentes Literários Christopher Little, com sede em Fulham. Foi aqui que uma jovem leitora, Bryony Evans, leu o primeiro capítulo e riu. Evans passou os capítulos para Fleur Howle, uma leitora freelancer, que concordou com seus elogios e juntas, elas persuadiram Little a fechar contrato com Rowling. Poucos dias depois, Rowling recebeu uma carta pedindo o resto do manuscrito. A agência enviou o manuscrito de 200 páginas de Rowling para 12 editoras, todas as quais, para seu eterno remorso, recusaram o livro. A Harper Collins mostrou interesse, mas demorou muito a fazer a oferta, e assim o primeiro livro da escritora mais lucrativa do mundo foi adquirido pela Bloomsbury por um adiantamento de 1.500 libras.

Quando Barry Cunningham, chefe da ficção infantil da Bloomsbury, convidou Rowling para almoçar em Londres, ele elogiou o seu livro, mas disse a ela para estar preparada porque não havia gratificações por livros infantis. Rowling não se importou. Segurar um exemplar em capa dura já era uma gratificação e tanto. Ainda antes da publicação, ela provaria que ele estava errado.

Ansiosa por terminar o segundo romance, Harry Potter e a Câmara Secreta, Rowling se candidatou para uma ajuda do Conselho de Artes Escocesas e ganhou 8.000 libras que lhe permitiram comprar um processador de textos e estabilizar suas finanças turbulentas. A data de publicação de Harry Potter e a Pedra Filosofal foi estabelecida para 26 de junho de 1997 e Joanne Rowling foi re-batizada como J.K. Rowling. Christopher Little descobrira que era provável que os garotos não quisessem ler um livro escrito por uma garota, então pressionou a Bloomsbury a usar as iniciais ambíguas para atrair ambos os sexos.

Mas antes que Harry Potter e Hagrid, Hermione e Rony, os Professores Alvo Dumbledore e Severo Snape pudessem encantar as crianças da Grã-Bretanha, já haviam lançado o feitiço numa editora americana. Arthur Levine, o diretor editorial da Scholastic Books, uma grande editora americana, leu o romance pela primeira vez a 36.000 pés de altura, enquanto sobrevoava Atlântico para ir à Feira Literária de Bolonha. Ele ficou tão absorto que não teve nenhuma vontade de aterrissar. Little organizara um leilão para os direitos editoriais americanos de Harry Potter, e Levine estava determinado em fazer a oferta mais alta. Três dias depois da publicação britânica, Rowling recebeu uma ligação de seu agente para dizer que a Scholastic tinha oferecido US$100.000 – uma quantia sem precedentes – por um livro infantil que já tinha os ingredientes de um fenômeno.

No outono de 1999, J.K. Rowling chegou à América para outra turnê por toda a nação. Prisioneiro de Azkaban, seu terceiro romance em poucos anos, acabara de ser lançado, três meses após sua edição britânica, um atraso que fez com que milhares de americanos impacientes comprassem as edições da Bloomsbury pela internet. Sua editora americana, a Scholastic, estava ansiosa para desenvolver o perfil de Rowling com uma série de sessões de autógrafos de livros. Turnês anteriores em 1997 e 1998 haviam visto o número de crianças emocionadas e pais pacientes crescer de dúzias para algumas centenas. Ninguém esperava milhares. Como um gerente de loja explicou mais tarde: “É o mais próximo que já vi da Beatlemania com livros”.

Quando o Lincoln preto de Rowling chegou à Politics and Prose, uma livraria popular em Washington, e Rowling viu a fila que serpeava da porta até duas quadras depois, achou que fosse algum tipo de liquidação. Naquela visita, ela conseguiu autografar 1.400 exemplares antes de seus produtores a arrastarem para o próximo evento. As mesmas multidões de crianças satisfeitas e, pela primeira vez, adultos desacompanhados, a seguiram em cada cidade da turnê. Apresentadoras de programas de conversa, como Katie Couric do Today Show e Rosie O’Donnell, ficavam contentíssimas de dividir o sofá com a escritora mais famosa da América.

Na temporada de dia das Bruxas, Harry Potter chegou à massa crítica e explodiu. Por todo o país, seis prensas gigantescas trabalhavam 24 horas por dia para manter a demanda por suas três aventuras. O New York Times tiveram J.K. Rowling nas três primeiras posições dos mais vendidos e, com o tempo, tiveram que criar uma nova lista de livros infantis para evitá-la. A revista Time pôs o menino bruxo na companhia de líderes mundiais quando lhe concedeu uma matéria de capa. Quando embarcamos na vida da escritora, o nível da ambição de Rowling era que uma assistente de vendas reconhecesse seu nome no cartão de crédito e se declarasse uma fã. “Na minha fantasia mais louca, não poderia ter imaginado nada assim,” ela contou a Katie Couric no Today Show este outono. “Não poderia nem chegar perto”.

Na Grã-Bretanha, os livros tiveram um crescimento vagaroso, mas estável. Harry Potter e a Pedra Filosofal teve uma tiragem inicial de 1.000 exemplares, mas a Bloomsbury soube que tinha um sucesso quando novos pedidos começaram a chegar e o livro topou com reimpressão após reimpressão. As vendas britânicas foram impulsionadas pela publicidade gerada por seu adiantamento de US$100.000 na América. Embora depois, Rowling teria motivos para lamentar seu retrato de “mãe solteira afligida pela pobreza que melhorou de vida”, tais histórias deram a ela um perfil com o qual a maioria dos escritores de primeira viagem podem apenas sonhar. Toda a propaganda e publicidade teriam desvanecido como a fumaça saída de um caldeirão se as próprias crianças não gostassem dos livros. Os professores e pais que apresentaram o romance a suas crianças quase puderam ouvir um audível “click”. Eles tinham Harry Potter e não o largariam. O primeiro Harry Potter vendeu 70.000 exemplares no primeiro ano e ganhou o Prêmio Smarties de Literatura Infantil.

Os US$100.000 da Scholastic pelos direitos americanos fizeram com que Rowling pudesse comprar um apartamento de dois quartos na Hazelbank Terrace. Jessica logo se estabeleceu na Craiglockhart Primary School e uma babá foi contratada para dar a Rowling mais tempo para escrever e comparecer às sessões de autógrafo. Embora Rowling permanecesse nervosa e insegura entre adultos e particularmente durante entrevistas, adorava visitar escolas e ir a eventos infantis. Quando seu segundo romance, Harry Potter e a Câmara Secreta foi lançado em junho de 1998, um público ansioso já estava esperando. O livro foi um best-seller de número um e a publicidade continuou a tomar forma, desta vez afetando adultos que esqueceram sua vergonha de se perder numa leitura pacífica e humorística. Para laçar um público mais vasto e evitar os incômodos dos viajantes, a Bloomsbury lançou os livros com capas adultas melancólicas.

A ambição de Rowling era lançar um livro por ano por sete anos, levando o jovem Harry à graduação e não além. Quando Prisioneiro de Azkaban foi lançado em junho de 1999, Rowling estava quase recebendo seu primeiro milhão e mantivera sua agenda de escrita apertada. Ela também dera o próximo passo em direção à certeza da dominação global de sua criação – um contrato cinematográfico com a Warner Bros. finalmente foi assinado. Uma executiva da Heyday Films, Tania Seqhatchian, lera o primeiro livro de Potter, percebeu seu potencial e o passou para seu chefe, David Heyman, um produtor experiente que estava representando o estúdio de Hollywood na Grã-Bretanha.

Christopher Little, o agente de Rowling, estava consciente do tremendo potencial dos direitos cinematográficos e exigiu uma estratégia vagarosa e cautelosa, enquanto a própria autora foi altamente protetora. “Faria tudo para impedir Harry Potter de aparecer nas caixas de fast food,” explicou Rowling. “Seria meu pior pesadelo”. O acordo com o qual Rowling finalmente concordou deu a ela poderes sem precedentes para uma escritora, a quem geralmente é mostrado um cheque com uma mão e a porta com a outra. Com o acordo, ela recebeu menos dinheiro, cerca de US$1 milhão, mas tinha o veto no diretor, o roteiro e as ideias de merchandising.

Rowling mostrou que tinha poder em Harry Potter quando não concordou com Steven Spielberg, que tinha interesse em dirigir o filme. O diretor de ET e Raiders of the Lost Ark queria juntar as tramas dos dois primeiros livros e escalar Haley Joel Osment, o ator mirim americano que estrelou em O Sexto Sentido como Harry Potter. Rowling insistiu que cada filme seria de um livro e que Harry tinha que ser britânico. Spielberg foi embora.

O fenômeno de Harry Potter estava para ser conduzido pela América, onde 55 por cento de todos os livros de Rowling são vendidos, e foi lá, sob a vigia da Bíblia, que começou o contragolpe. Em outono de 1999, a Secretaria de Educação da Carolina do Sul concordou em rever se os romances deveriam estar disponíveis nas escolas depois de receber reclamações de pais. Uma mãe indignada os criticou por possuir “um sério tom de morte, ódio, falta de respeito e puro mal”. Algumas escolas cristãs da Austrália os baniram por causa do tom, mas a Igreja Católica mais tarde correu em sua defesa e os elogiou por instruir as crianças sobre o bem e o mal. Para a acadêmica feminista Dra. Elizabeth Heilman, o problema não era as vassouras, mas os garotos. Os homens estavam sempre resgatando as mulheres, que, ela acreditava, eram “tolas, emocionais, fofoqueiras e anti-intelectuais”. Foram acusações que Rowling desmentiu, sem controle. A denúncia mais séria de plágio foi dada por Nancy Stouffer, que exigiu um julgamento pela justiça americana.

Stouffer era a autora de The Legend of Rah and the Muggles, um livro infantil publicado em 1984 que continha um herói chamado Larry Potter, que também tinha cabelos negros e usava óculos. Em seu livro, os Muggles (N.T.: termo equivalente a trouxas, na edição brasileira) eram duendes, e na obra de Rowling, é um termo dado a pessoas comuns, não-mágicas – mas Stouffer acreditava que era a inspiração para a história de sucesso, agora multimilionária. Rowling defendeu o caso pelas cortes e foi inocentada em setembro de 2002.

Quando Harry Potter e o Cálice de Fogo foi publicado em julho de 2000, Rowling estava lutando para lidar com seu novo status. A pressão para terminar seu maior romance até a época fora intensa, complicada por um erro na trama que a forçou a descartar capítulos e começar de novo. O manuscrito foi entregue em março e suas editoras estavam tão preocupadas com vazamentos da trama que ele foi deixado a salvo. A campanha de marketing da Bloomsbury não deixou nenhum exemplar disponível a ninguém antes de sua data de publicação, 8 de julho, e o próprio título foi um segredo bem guardado, a ser revelado como parte da campanha vagarosa. O resultado foi o livro mais rapidamente vendido na Grã-Bretanha, onde um milhão de exemplares acabou sendo vendido. O livro vendeu mais de cinco milhões na América.

O sucesso de seus livros deixara Rowling inacessível aos fãs. As sessões de autógrafo estavam cada vez mais difíceis devido ao volume da demanda. Quando a Bloomsbury transformou a King’s Cross na Plataforma Nove e Meia, da qual o Expresso de Hogwarts parte em seus livros, Rowling não conseguiu se reunir às crianças que lá estavam por causa da briga da imprensa e pôde apenas gritar desculpas da janela, quando o trem antiquado alugado para o evento partia. Ela teve maior sucesso ao comunicar sua mensagem na Universidade de Exeter, aonde voltou naquele verão para receber um grau honorário, incitando os alunos a nunca terem medo de falhar.

O sucesso de Rowling em termos financeiros era assombroso. A lista dos ricos do Sunday Times de 2001 estimou sua riqueza em 65 milhões de libras, uma quantia que Rowling usava para se isolar do mundo. O pequeno apartamento no Hazelbank Terrace foi doado a uma amiga próxima, também mãe solteira, enquanto Rowling e Jessica se mudaram para uma mansão georgiana em Merchiston, cujo muro de três metros de altura deteria até o mais invasivo espião. Ela também pagou 4,5 milhões de libras por uma segunda casa em Kensington, Londres, completa e com uma piscina coberta. Uma casa de campo às margens do rio Tay, chamada Killiechassie, foi acrescentada a seu portfólio de propriedades em 2001. Nos anos anteriores, Rowling era frequentemente encontrada em cafés e restaurantes de Edimburgo, mas seu sucesso restringiu seus movimentos a jantares festivos com amigos. Quando Giles Gordon, o agente literário, anunciou em sua coluna no Edinburgh Evening News que a escritora aparecia regularmente no Margiotta, delicatessen popular na cidade, Rowling nunca mais voltou.

O seguinte estágio do fenômeno Potter foi iniciado pelo sucesso do primeiro filme, Harry Potter e a Pedra Filosofal. Rowling aprovou Chris Columbus como diretor e ficou encantada pela escalação de Daniel Radcliffe como Harry e contente de que Robbie Coltrane tivesse aceitado o papel de Hagrid. A escrita do livro seguinte foi posta de lado para que ela discutisse o design dos sets e partes do roteiro, e assistisse parte do que se tornaria, depois de Titanic, o segundo filme de maior arrecadação da história na época, com US$926 milhões e criando milhões de novos leitores. Acompanhando Rowling às premières de Londres e Edimburgo estava o Dr. Neil Murray, um anestesista que conhecera num jantar festivo de um amigo. Murray, que estava na época separado da esposa com quem mais tarde se divorciou, trouxe amor e um novo balanço à vida de Rowling.

O casal se casou no dia de Boxing Day (N.T.: denominação comum nos países anglófonos para o dia depois do Natal) numa cerimônia fechada em Killiechassie, presenciada por amigos íntimos e a família, incluindo seu pai, com quem as relações já haviam se estabilizado, e sua segunda mulher. O primeiro filho do casal, um garoto, nasceu em março de 2003 e o mundo deu um suspiro de alívio quando foi anunciado que ele seria batizado David e não Harry.

Restam agora apenas quatro dias a esperar para a publicação de Harry Potter e a Ordem da Fênix e Rowling pode contemplar, com um considerável orgulho, o que seu trabalho alcançou. Em apenas seis anos, mais de 160 milhões de livros de Harry Potter foram vendidos em mais de 100 países, ambos os filmes alcançaram recordes de bilheteria e um edredom de Harry Potter trouxe uma pequena luz financeira à desanimada Marks & Spencer. Contratos de licenciamento de Harry Potter têm sido assinados com as maiores companhias do mundo, com a Coca-Cola pagando 65 milhões de libras pelos direitos. Na semana que vem, Rowling será a primeira artista depois de Madonna a participar de um evento com transmissão online ao vivo no Albert Hall, onde 4.000 crianças terão a chance de fazer perguntas a ela enquanto Stephen Fry tenta contê-las. Até o Príncipe Charles ficou lisonjeado em sua presença, comentando: “Fico estupefato de que alguém possa escrever tão lindamente”.

A tragédia para os fãs é que eles estão um livro mais próximos do fim. O último capítulo já foi escrito e está dentro de um pacote amarelo num cofre de segurança anônimo. Podemos pensar que estamos vivenciando um fenômeno literário – mas só espere até que o cofre seja aberto…

Foi, ela disse depois, “o melhor momento” em “uma das melhores semanas da minha vida”. Era o verão de 1998, e J.K. Rowling estava numa turnê pelo país lendo trechos de seu segundo livro, Harry Potter e a Câmara Secreta. Ela acabara de terminar uma leitura e as crianças começaram a ir embora quando uma mãe se aproximou dela para dar uma palavrinha. Ela explicou que seu filho de nove anos era disléxico e que Harry Potter foi o primeiro livro que ele conseguira terminar sozinho. “Ela disse que irrompeu em lágrimas quando o encontrou lendo na cama de manhã, depois que ela leu os dois primeiros capítulos em voz alta,” lembrou Rowling. “Não tenho certeza de que consegui transmitir a ela o quanto era maravilhoso ouvir isso, porque achava que ia chorar também”.

Esta cena tem se repetido desde então em livrarias, bibliotecas e salas de aula por todo o mundo, uma vez que as aventuras de Harry Potter atraíram uma geração inteira, antes enfeitiçada pela televisão e os jogos de computador, de volta ao conforto tradicional de um livro. Os romances de Harry Potter de Rowling têm sido uma bênção de Deus para professores e pais que temiam não poder abrir um livro em frente de uma criança sem ouvir um grito. O amor pela leitura em crianças pequenas é parte do longo legado deixado pelos livros de Harry Potter e pela própria Rowling. Foi percebido, também, que Harry Potter se tornou um guia confiável pelas dificuldades da infância, enfrentando os medos, a morte e a decepção da maneira mais admirável.

“Não vamos conseguir entoar os elogios para Rowling alto o bastante,” diz Charlie Griffiths, diretor da Associação Nacional Literária. “Qualquer um que consiga persuadir as crianças a ler deveria ser recompensado e o que ela nos deu em Harry Potter é um pouco miraculoso. Ver as crianças fazendo fila em uma loja, não para ingressos para shows nem jogos de computador, mas para um livro, é brilhante”.

Griffiths diz que os próprios livros se sobrepõem às campanhas de publicidade maciças que agora cercam o lançamento de um novo livro de Harry Potter.

“Sei que as pessoas vão insistir que é tudo marketing inteligente, mas se não existir uma história que a criança queira ler, nenhum marketing vai lhe persuadir. Seus romances têm criado uma pressão social positiva em favor da leitura. Uma criança pode não ter um interesse tão grande pela leitura, mas quer continuar com seus amigos, então é sugado para ela. Ela também ajudou a iluminar outros escritores infantis maravilhosos”.

Os trabalhos de Jacqueline Wilson, Philip Pullman, Lemony Snicket e Eoin Colfer têm todos sido impulsionados por jovens leitores que, tendo devorado os quatro romances de Potter, estão ansiosos para matar tempo antes do lançamento do quinto. Numa inversão sem precedentes, Harry Potter também tem sido responsável por levar adultos aos montes a ler a literatura infantil. É improvável, por exemplo, que Sir Tom Stoppard estaria roteirizando uma adaptação da trilogia de Fronteiras do Universo de Pullman se não fosse pelo interesse na ficção infantil criado por Rowling. No entanto, as crianças continuam seu público principal e não há como medir a pura alegria e felicidade que ela trouxe às suas vidas. Como explicou uma mãe escocesa: “Ela fez da hora de ir dormir um esforço menor do que era uma vez e só por isso já estou agradecida”.

Mas Rowling está determinada a fazer com que seu legado englobe mais que vendas de livros e penais. Ele fará a diferença para as vidas daqueles que lutam. Ela está determinada a reduzir o estigma atado às mães solteiras, aplacar a dor dos sofredores da esclerose múltipla e, ao mesmo tempo, aumentar os padrões de cuidado. Ela disse que não ficará satisfeita até que Escócia tenha uma cadeia de centros designados ao conforto e apoio àqueles que têm câncer. Ela tem investido sua publicidade, tempo e generosidade com problemas aos quais está relacionada, e não adotado uma atitude dispersa. Hoje, é a patrona de três instituições; o National Council for One Parent Families, a MS Society of Scotland e o Maggie’s Centre.

Para a One Parent Families, ela doou 500.000 libras e, em setembro de 2000, aceitou uma oferta de se tornar sua embaixadora, um trabalho que ela tem exercido com o coração. Muito mais valioso que o seu dinheiro é o seu tempo e a atenção que ela pode atrair a um problema frequentemente negligenciado. Um artigo que ela escreveu para o jornal Sun atacou a percepção pública de pais e mães solteiros como adolescentes irresponsáveis, apontando que 60 por cento são separados, divorciados ou viúvos. “Fazemos o trabalho de duas pessoas com uma só mão, antes mesmo de procurar por trabalho assalariado e, como descobri do jeito mais difícil, temos que lutar duas vezes mais para chegar duas vezes menos longe,” escreveu.

Quando Ann Widdecombe teve a audácia de sugerir que casais eram a norma, Rowling retaliou num discurso numa conferência de instituições presenciada por Gordon Brown: “Podemos não ser a norma preferida de algumas pessoas, mas estamos aqui,” declarou, antes de acrescentar: “Deveríamos julgar a civilização de uma sociedade não pelo que ela prefere chamar de normal, mas por como trata seus membros mais vulneráveis”. A autora tem continuado a apoiar a organização, mesmo que seu segundo casamento signifique que ela já não se encontra na categoria.

A experiência pessoal com o atendimento dado a uma amiga com câncer de mama no Maggie’s Centre de Edimburgo lhe levaram a se oferecer como patrona para a organização. A meta do Maggie’s Centres é proporcionar aos sofredores do câncer um lugar onde possam receber informações e apoio. Num nível próximo aos hospitais que oferecem tratamento, os planos atualmente em marcha são construir outros seis por toda a Escócia. Comparecendo às sessões de caridade e às leituras da organização, Rowling tem ajudado a arrecadar milhares de libras para o Maggie’s. Marie McQuade, que arrecada fundos para a instituição, diz que seu apoio é inestimável. “Seu aval tem aumentado a consciência e estamos encantados com o seu apoio”. Como Rowling declara na relação anual: “Vi com os meus próprios olhos a diferença que o Maggie’s Centre fez para uma ótima amiga minha”.

A instituição com a qual ela tem o vínculo mais forte, entretanto, é a MS Society of Scotland. É uma causa de coração. A mãe de Rowling foi depredada pela doença, que acabou a matando. Ela doou uma grande soma para ajudar a fundar uma Sociedade Sênior de pesquisas de Esclerose Múltipla na Universidade Aberdeen, e, no ano passado, organizou um baile de dia das Bruxas no Castelo Stirling, que arrecadou 280.000 libras.

Uma grande preocupação para Rowling é o fato de que a Escócia tem a maior taxa de Esclerose Múltipla do mundo, duas vezes mais que a Inglaterra e o País de Gales, por razões inteiramente desconhecidas. Não existe um padrão nacional de cuidados com o tratamento variando incontroladamente pelo país, e um remédio crucial, chamado beta-interferon, precisa de prescrição. “Ela está nisso por um bom tempo,” diz Mark Hazelwood, diretor da MS Scotland. “Ela tem uma preocupação profunda e pessoal quanto à Esclerose, porque ela viu como isso afetou a sua mãe. Ela pode atrair a imprensa e a publicidade quando visita nossos centros, mas quando a mídia vai embora, ela permanece por algumas horas e fica conversando com as pessoas e acho que isso diz muito”.

O legado de Rowling se expande para o cinema também. Os filmes de Harry Potter ainda podem ser a série de filmes mais bensucedida da história. Se a Warner Brothers continuar produzindo um filme para cada livro, o resultado poderia ser de US$5 bilhões em ganhos de bilheteria e mais bilhões em merchandising e vendas de DVDs. Daniel Radcliffe, o ator que interpreta Harry, deve se retirar depois do terceiro filme, mas um substituto será garantido e a magia continuará. A franquia de Harry Potter é um trem que não vai descarrilar. Esse nível de sucesso em filmes e literatura não tem paralelos. JRR Tolkien morreu décadas antes de que a trilogia de Senhor dos Anéis fosse lançada, e Ian Fleming viu apenas 007 – Contra o Satânico Dr. No antes de morrer, enquanto outros autores best-seller, como Stephen King, viram suas adaptações fracassarem nas bilheterias. Em uma década, uma coleção com os sete filmes com certeza estará em muitas casas, tão tradicional no Natal quanto O Mágico de Oz ou A felicidade não se compra.

Agora parece provável que Rowling viverá para ver sua conta bancária ultrapassar 1 bilhão de libras esterlinas, a primeira escritora a fazer isso. Mas ela é boa o bastante para saber que seu legado mais pessoal permanece com seus dois filhos. Seu sucesso em proteger Jessica, que ninguém jamais fotografou legitimamente – aqueles que o fizeram de forma ilícita foram condenados pelo Conselho de Queixas da Imprensa – parece certo de que se repita com seu filho, David. Entrementes, a incrível riqueza que os livros têm gerado permite a Rowling se concentrar nos que continuam sendo seus propósitos primários, sua família e sua escrita.

O capítulo derradeiro da saga de Harry Potter jaz escrito, trancado num cofre de segurança. Pelos próximos anos, Rowling trabalhará para chegar ao capítulo em aventuras que vão percorrer mais dois livros. A pergunta persiste, e depois? Existem duas coisas a se considerar. Uma é a reação das crianças de todo o mundo se o clímax longamente tido como rumor for verdadeiro e Harry, como algumas crianças, realmente morrer. A tristeza coletiva de uma geração inteira seria palpável e quem julgaria as consequências de uma execução da autora? É isso que estimula a confiança dos fãs de que ela vai manter seu personagem e, ao contrário, entrelaçar Harry em um final romântico com Hermione.

Qualquer que seja destino que ela escolher dar à sua saga multi-livros, os leitores nunca esquecerão o garoto com cicatriz em forma de raio. Isso, por sua vez, lançará uma grande sombra sobre qualquer livro adulto que saia de sua caneta. Um desafio será se ela vai conseguir resistir à tentação de voltar aos confins cobertos de hera de Hogwarts ou de traçar as aventuras adultas de Harry. Se o seu sucesso vai se repetir no mundo da ficção adulta, algo pelo que ela expressou um interesse em tentar quando tiver terminado a história de Potter, ainda veremos.

O legado definitivo de J.K. Rowling é criar um personagem que será lido muito depois de ela ir embora e que se sentará na companhia de Bilbo Bolseiro, Peter Pan e Alice no País das Maravilhas. Um bruxo imortal é como Harry Potter será lembrado, um que tinha o poder de enfeitiçar o mundo.

Copyright 2003 The Scotsman Publications Ltd.

Traduzido por: Renan Lazzarin em 11/01/2009.
Postado por: Vítor Werle em 22/01/2009.
Entrevista original no Accio Quote aqui.