Fry, Stephen. “Entrevista no dia do lançamento a bordo do Expresso de Hogwarts”. Bloomsbury Press, 08 de julho de 2000.

Transcrição: Trish Drasnin
Contexto: No “Dia do Lançamento” de Harry Potter e o Cálice de Fogo, Stephen Fry entrevistou J.K. Rowling a bordo do trem Expresso de Hogwarts enquanto estava parado entre as estações de King’s Cross e Didcot. Os vídeoclips da entrevista estavam originalmente disponíveis no site da Bloomsbury:http://www.bloomsbury.com/harrypotter/m … ram/q1.ram (etc.)
Vídeo: cortesia da Bloomsbury

Transcrição:
Parte 1: Fama e ir a jantares
Parte 2: Fama e o entusiasmo do fã
Parte 3: Criando “As Regras” da magia
Parte 4: Mudando de ‘Joanne Rowling’ para ‘J.K. Rowling’
Parte 5: A magia e seu papel na história
Parte 6: O quebra-cabeça com os nomes nos livros, e pesquisa sobre cobras
Parte 7: A pressão da divulgação
Parte 8: O status cinematográfico do primeiro filme
Parte 9: Escrevendo o livro 5

Transcrição da Parte 1 (1:50)
SF: Quando isso começou, o primeiro dos livros sobre Harry Potter, eles rapidamente se tornaram populares entre pais e crianças, mas eles não eram os assuntos principais dos jantares como são agora. Eu acho que eles superaram, como tema de conversas, até os descontos na Marks e Spencer e o preço das propriedades ao norte de Hampstead.

JKR: Eu sei, mais discutidos do que a taramasalata (1)…

SF: Exatamente, mais discutido do que a taramasalata. E você acha que isso torna mais difícil para você sair de casa? E você teme ir a jantares porque você acha que vai ser encostada na parede e questionada infinitamente sobre o que acontecerá com Harry Potter – e como isso começou e por aí foi?

JKR: Sair de casa é incrivelmente fácil – não sou uma pessoa muito reconhecível. Então obviamente faz sentido que eu seria entrevistada por você na Internet para manter a situação dos negócios. Quão inteligente eu sou, para ter certeza. Quando as pessoas me abordam, o que é normalmente que eles precisam me ver no contexto, se eles me vêem escrevendo em algum lugar, eles nunca foram menos que charmosos. Nunca foram menos que maravilhosos. Então, hum, eu seria bem desagradável se me opusesse a isso de qualquer modo. Quando eu vou aos jantares – na verdade talvez sejam os amigos que eu tenho – mas quando eu vou aos jantares as pessoas geralmente são bem rudes comigo. Então, não, as pessoas não tendem a me encostar na parede e me atormentar pedindo coisas. Ocasionalmente minha filha é encostada na parede por grupos itinerantes de fãs de Potter na escola.

SF: E quantos anos ela tem?

JKR: Sete, quase sete.

SF: E ela é uma fã de Harry Potter?

JKR: Sim, às vezes eu penso que vivo com a minha fã mais obsessiva. Sim.

SF: E você, de algum modo, você escreveu o primeiro para ela com uma visão para…

JKR: Na verdade, eu escrevi a maior parte do primeiro antes de ela nascer, então não. Você pode imaginar que facilita muito, muito a minha vida o fato de ela gostar do que eu faço. Porque ser capaz de falar para ela “não, eu tenho que, eu tenho que trabalhar – estou escrevendo” quando ela está ansiosa pelo resultado final, é muito mais fácil do que se eu estivesse desaparecendo para fazer alguma coisa.

Transcrição da Parte 2 (1:37)
SF: Você dominou, como diz a frase, a América. Você dominou a América muito prematuramente.

JKR: Mmm

SF: Existe… E eu ouvi histórias sobre filas para autógrafos em que havia cerca de 17 garotos vestidos como Harry Potter e assim por diante. Esse tipo de coisa preocupa você? Você…

JKR: Eu estou desvirtuando uma geração?

SF: Oh sim, você tem medo da natureza quase obsessiva do tema?

JKR: O engraçado é que eu sempre pensei que, se um dia meu livro fosse publicado, era um livro para obsessivos. Eu sou uma pessoa bem obsessiva. Eu acho que você pode notar isso.

SF: Sim.

JKR: E eu pensei que se as pessoas gostassem dele, elas provavelmente gostariam obsessivamente. Eu só nunca… mas eu pensei que os obsessivos seriam poucos – eu nunca adivinhei que a maioria seria obsessiva, como aconteceu.

SF: Eu não consigo pensar, eu não suponho que qualquer pessoa consiga pensar, em um fenômeno (uma palavra da qual você deve estar cansada de ouvir) de publicação que se aproxime a este. Tem horas que você realmente pensa que preferiria a visão original onde haveria uma minoria devotada acompanhando você?

JKR: Sim, algumas pessoas acham isso bem difícil de acreditar. Não nego que lucrei muito dinheiro com isso. E uma parte é absolutamente maravilhosa. Mas, sim, penso frequentemente que era temperamentalmente mais adequada para ser uma autora com um sucesso moderado. E eu não fazia idéia de onde eu estava me metendo. Mas ninguém fazia idéia…

SF: Mas então não, bem…

JKR: Eu nunca estive em uma posição em que eu assinasse um pedaço de papel concordando que isso aconteceria, e obviamente ninguém ao meu redor pensou que isso aconteceria, então não somos tão espertos.

Transcrição da Parte 3 (1:48)
SF: É o detalhe da obra e eu suponho que quando as pessoas tentam e explicam o que é que elas amam tanto sobre os livros de Harry Potter, é o detalhe. Não somente o detalhe da magia e tudo isso, o Pó de Flu, e até os doces, a cerveja amanteigada e o suco de abóbora e coisas como essas. Mas também o modo de vida – você sabe, o jeito que você sobe as escadas e passa através do espelho e, você sabe, a senhora no quadro que é a passagem para o dormitório e o caráter das casas e aí por diante – o que é bem característico da escola pública britânica, é claro.

JKR: Sim.

SF: E você acha que a coisa que mais te diverte é estabelecer, para você mesma, as regras da magia e o quão longe isso pode ir?

JKR: A coisa mais importante quando você está criando um mundo de fantasia é estabelecer as regras – não importa se você está incluindo uma escola pública ou não porque… uma escola pública, um colégio interno – uma distinção muito importante. Porque sem isso – você não tem o conflito; você não tem tensão; você não tem o drama – se você dá aos seus personagens poderes ilimitados e nenhuma barreira. Primeiro de tudo você tem que decidir fundamentalmente o que eles não podem fazer, muito antes de decidir o que eles podem. De outra forma, você realmente não tem nenhuma história.

SF: Sim.

JKR: Quanto ao colégio interno, eu sou questionada frequentemente “você estudou em um colégio interno?”. Não, eu estudei em uma escola comum. Nós de fato tínhamos quatro casas – essa é a única similaridade com Hogwarts. O que me divertiu de uma forma, embora provavelmente somente a mim, era a idéia que se teria dessa escola muito tradicional na qual você teria quase uma anarquia controlada. Eu quero dizer, se aqueles estudantes quisessem unir-se, eles poderiam dominar os professores, sem problemas. Eu tive essa experiência como professora olhando para a classe e pensando “você poderia me conter – o que o está segurando”.

SF: Absolutamente.

JKR: Um humor estranho para uma professora.

SF: Na verdade a um passo de “O Senhor das Moscas”.

JKR: Sim.

Transcrição da Parte 4 (0:56)
SF: Diz a lenda que lhe falaram para usar suas iniciais, assim as pessoas não saberiam que você era mulher.

JKR: Bem, não me falaram. Eles não poderiam fazer com que eu fizesse isso – mas ao mesmo tempo eu estava tão agradecida por eles estarem publicando meu livro, que eu teria me chamado de Enid Snodgrass se assim eles tivessem pedido. E eu os perguntei por que – eu disse “por que” – e primeiramente eles me disseram que “vai parecer mais impressionante”. E eu disse “é para esconder que sou mulher, não é”. E eles disseram “[ermm, som de desconforto] nós pensamos que meninos vão gostar desse livro – talvez, talvez, seja isso”. Então eu disse que faria. E é claro que três meses depois tudo se revelou porque eu participei do programa do Blue Peter (porque o livro tinha começado a vender muito bem) e então todos sabiam que eu era uma mulher. E desde então eu tenho perguntado aos garotos “teria feito alguma diferença ter sabido que eu era uma mulher?” e todos eles disseram não, mas talvez eles estivessem sendo educados, eu não sei.

SF: Quem pode dizer…

JKR: Talvez eles estavam sendo educados comigo.

SF: Mas eu conheço pessoas que demoraram bastante… realmente precisaram ser convencidas de que você era uma mulher, porque eles estudaram em colégios internos britânicos.

JKR: Você tem falado com meus ex-namorados, não tem?

Transcrição da Parte 5 (1:19)
SF: Soa como uma coisa extraordinária de se dizer, mas em vários modos as histórias continuariam atreladas mesmo se não houvesse a magia nelas, porque o que as pessoas realmente levam parece ser os relacionamentos, particularmente (obviamente) Hermione, Harry e Rony. Você entende o que eu quero dizer?

JKR: Eu entendo o que você quer dizer. Porque eu… isso é algo… isso é bem… eu estou certa de que você já teve essa mesma experiência mas é muito difícil discutir o seu trabalho até que ele esteja terminado. E aí você olha para trás e pensa provavelmente é por isso que funcionou, mas eu não iniciei isso pensando sobre o que funciona, portanto é isso que vou fazer. Mas das cartas que eu recebo e das reações, particularmente das crianças, são com os personagens que eles mais se preocupam. Mas sim, eles são profundamente entretidos pela magia que acontece e tudo o mais. Mas na verdade eles se preocupam profundamente com os personagens, principalmente os três personagens centrais – Harry, Rony e Hermione.

SF: Sim, sim. E é extraordinário, não é, como eles parecem entender os personagens sem que você os tenha descrito muito, isso é algo que vai de encontro com o Rony. A maioria das pessoas consegue dizer exatamente quem Rony Weasley era, o que é precisamente da natureza dele e você nunca, em nenhum momento, disse como ele é. Ninguém diz… você sabe… não tem um parágrafo que diz que ele é determinado e…

JKR: Isso na verdade foi consciente. Eu desconfio de autores que apresentam seus personagens “ele é um homem ligeiramente jovem com um senso de humor excêntrico”. Bem me mostre o senso de humor excêntrico, não me diga que ele tem.

SF: Mostre, não diga.

JKR: Isso meio que me irrita.

SF: Sim.

Transcrição da Parte 6 (1:51)
SF: Agora, uma das coisas um tanto charmosas que eu suponho que os adultos em particular tenham prazer com os livros é que lá existem pequenos – você sabe, não são quebra-cabeças enigmáticos na verdade, mas os nomes – você é muito cuidadosa ao escolher os nomes. Eu quero dizer, Malfoy, por exemplo, é “má fé”.

JKR: Exatamente, sim.

SF: E nomes como esse. Até o brasão da escola é algo bem engraçado para alguns de nós que aprenderam um pouco de Latim. Por exemplo: “Draco dormiens nunquam titillandus” – é algo como “Deixe os cães dormindo deitarem”, mas significa “Não faça cócegas em um dragão adormecido”.

JKR: “Não faça cócegas em um dragão adormecido”, exatamente.

SF: O que é um ótimo conselho.

JKR: Eu queria um bom conselho prático. Todas as escolas nas quais estudei ou ensinei tem lemas: “Persevere”, “Para a frente e Além”. Eu queria um lema sólido e prático para Hogwarts.

SF: Sim. E as casas, é claro, têm seu próprio caráter.

JKR: Elas têm.

SF: Sonserina. Quase todo mundo que vai para essa casa tem um nome que é ofídico e ardiloso. Essa coisa extraordinária de falar com cobras – é algo que você inventou, pessoas que podem falar com cobras?

JKR: Sim, “ofidioglossia” é na verdade uma palavra antiga para alguém com – realmente é uma deformidade da boca, então na verdade eu me apropriei dessa palavra e a transformei em outra coisa.

SF: Certo, e parece ter um grande poder. De alguma forma você sente que é um mito antigo.

JKR: Tem algo sobre isso… existem tantas lendas ligadas às cobras.

SF: Desde os tempos de Adão.

JKR: Absolutamente. E você as encontra em todas as culturas, bizarramente. Isso me fascina. Mas eu não posso falar muito disso. Porque, todas as pessoas que me assistem ser entrevistada saberão; eu, muito tediosamente, vou acabar falando “você tem que esperar pelo Livro 7”. Eu não posso falar muito sobre isso.

SF: Não! Isso faz tudo ser mais intrigante.

JKR: Sim, eu sei. É bom, não é. Que jogo de marketing – esse eu mesma que pensei!

Transcrição da Parte 7 (0:56)
SF: Agora, você foi comparada, e claro que é lisonjeiro e muito justificado, aos grandes escritores infantis que já existiram, como Roald Dahl and Lewis Carrol e por aí vai. Mas é claro que eles não tiveram que agüentar o que você agüentou, não é? Para aqueles que acham difícil de acreditar… quem pensa “nossa, eu adoraria que isso acontecesse”, eles deviam usar a imaginação por um segundo e idealizar o que seria ter tantas pessoas esperando coisas de você. Presumivelmente deve haver pessoas querendo licenciar o nome Harry Potter e obviamente as pessoas devem querer…

JKR: Sim, totalmente impiedoso.

SF: Eu quero dizer, GameBoys e Playstations devem estar morrendo de vontade de ter um jogo de Harry Potter e por aí vai, e então você deve manter um controle imenso sobre tudo.

JKR: Eu só posso prometer às pessoas que eu estou lá lutando pela integridade desse mundo. Constantemente. Seria tolice para nós imaginar que não haverá propaganda relacionada ao filme. Sempre tem com filmes infantis. Mas se eu vou até o fim brigando contra Harry em caixas de fast food? Sim, eu vou.

Transcrição da Parte 8 (1:39)
SF: Nós chegamos ao assunto do filme. Eu tenho certeza que muitas pessoas vão querer saber em que estágio está – no momento – e quando vai para produção.

JKR: Nós estamos no que é chamado pré-produção. Você vai saber o que isso significa melhor do que eu. Eles me dizem que estamos em pré-produção e eu aceno com a cabeça sabiamente e digo “ah, bom, bom”. Eu não sei o que isso significa.

SF: Pré-produção – é a fase na qual todos os tipos de coisa acontecem. A equipe começa a se reunir (em períodos diferentes da pré-produção) e obviamente a escolha do elenco é finalizada durante a pré-produção, naturalmente. E eles partem para coisas chamadas “reconhecimento” eles chamam assim na América, onde eles procuram pelas diferentes locações.

JKR: Sim, eles têm me mostrado fotografias de coisas que eles estão usando.

SF: Sim, está certo. Eles tiram uma quantidade imensa de fotos – os diretores de arte, os designers de produção e os demais. E eles constroem os sets.

JKR: Eles começam a construir uns modelinhos engraçados que eu quero levar embora para brincar, mas precisam deles. Então eles não deixam.

SF: E, é claro você tem dito excelentemente que também protegeria o filme da Americanização – porque é claro é um estúdio americano e um diretor americano, Chris Columbus.

JKR: Bem, parece que conseguiremos o meu sonho, o que era um elenco inteiramente britânico. Então até aqui estou muito feliz. Em um momento não parecia que seria esse o caso, então estou muito feliz.

SK: Oh, isso é maravilhoso.

JKR: Mmm.

SF: E eu sei que de onde eu venho em Norfolk (é só um pequeno exemplo) mas por volta de três meses atrás eu estava em King’s Lynn, o que é uma pequena cidade com alguns mercados…

JKR: Eu sei, já passei feriados lá.

SF: E no Correio eu ouvi um garoto falando para a mãe “Não mamãe, este é o Pinewood International Studios”.

JKR: Oh eles estavam? Harry!

SF: Ele estava escrevendo e eu só estava…

JKR: Oh abençoado seja.

SF: Você sabe, você pensou, mas olhe King’s Lynn e ele estava contado para a mãe qual era o endereço…

JKR: Nós gostaríamos dele? Nós ainda não encontramos um…

SF: Não, ele era magro e com espinhas e cabelos vermelhos, infelizmente.

JKR: Oh, Rony.

SF: Mas ele pode ter sido um Rony, é claro – é verdade, é verdade, com um bom sotaque de Norfolk.

JKR: Por que não?

SF: Então, a busca por Harry ainda continua, não é?

JKR: Sim, e eu acho que talvez estejamos chegando lá.

Transcrição da Parte 9 (0:24)
SF: Finalmente, eu suponho, quando você vai começar o próximo? Isso não é… eu não estou atormentando você. Você merece um feriado.

JKR: Umm, conhecendo a mim mesma, eu direi… oh eu vou começar… eu vou dar um tempo. Eu disse isso depois de Azkaban. Eu vou dar um tempo – no dia seguinte eu comecei. Então, quando eu sentir o impulso eu voltarei a ele. O que eu imaginaria ser antes do que estou planejando no momento. Isso sempre acontece.

SF: Bem, muito obrigado.

N.T.:
(1) Comida grega feita a partir de ovos de peixes.

Traduzida por: Fabianne de Freitas em 27/11/2008.
Revisado por: Renata Grando em 16/12/2008.
Postado por: Vítor Werle em 18/12/2008.
Entrevista original no Accio Quote aqui.