“‘Eu tenho mais orgulho dos meus anos como mãe solteira do que de qualquer outra parte da minha vida’”, 18 de setembro 2013.

Presidente do Gingerbread J.K. Rowling escreve exclusivamente sobre o estigma, os cortes de bem estar e sua experiência de ser mãe solteira.

Há quase vinte anos (é um choque escrever isto, porque tudo parece tão recente), eu virei mãe solteira. Como a grande maioria dos pais solteiros, este não tinha sido o meu plano. Minha tão desejada filha havia sido concebida e nascido enquanto eu estava casada, mas o fracasso daquele relacionamento fez com que, não muito tempo depois, eu estivesse vivendo de benefícios governamentais no inverno mais gelado que a Escócia via em anos. Eu morava na ensolarada Portugal antes de voltar ao Reino Unido, e a neve era meramente o primeiro choque no meu organismo.

Eu imaginava que estaria de volta ao trabalho em pouco tempo. De fato, foi por acreditar que eu teria um emprego fora de casa que eu trabalhei com tanto afinco para terminar o livro infantil que ninguém sabia que eu estava escrevendo (não queria que me dissessem que eu era iludida). No fim das contas, minha crença de que eu conseguiria um emprego pago em breve acabou sendo uma ilusão muito maior do que a esperança de publicar aquele livro.

Eu era formada e estivera empregada em período integral por toda a minha vida; eu não queria que a minha filha crescesse no meio da pobreza, mas o assistente social me disse que eu jamais receberia o benefício de uma creche pública porque ‘estava me virando bem demais’; creches gratuitas para bebês eram reservadas, naquela época, para crianças consideradas ‘em risco’. Eu tenho que concordar com a priorização de crianças cujas mães não conseguiam se virar, mas eu não tinha mais ninguém para cuidar da minha filha. Minha irmã trabalhava o dia todo, minha mãe estava morta, eu estava numa cidade desconhecida: onde eu deveria deixar minha filha enquanto ganhava meu dinheiro?

Acabei trabalhando algumas horas por semana numa igreja local, onde eu supervisionava o sistema de arquivos e digitava um pouco. A pastora permitia que eu trouxesse a Jessica comigo. Eu era paga, deliberadamente, a quantia exata que eu podia receber sem perder meus benefícios: 15 libras. Por tudo isso, eu era extremamente grata.

Minha lembrança mais marcante desta época foi o sentimento de que minha autoestima evaporava, não porque eu estava arquivando e digitando – havia dignidade em ganhar meu dinheiro, seja lá de que forma eu fizesse isso –, mas porque tudo aquilo culminava na noção de que eu era, agora, definida por muitos como algo que eu nunca escolhi ser. Eu era uma Mãe Solteira, e uma Mãe Solteira com Benefícios do Governo. O patrocínio era quase tão difícil de aguentar quanto aestereotipagem. Eu me lembro da mulher que foi à igreja um dia quando eu trabalhava lá que se referia a mim, enquanto eu ouvia, como ‘a Mãe Não Casada’. Eu fiquei meio irritada, meio incrédula: mãe não casada? Será que deveriam permitir que eu sequer entrasse na igreja? Será que ela me via como um tipo de pintura vitoriana, talvez ‘A Mulher Caída, Arquivando’?

Pais solteiros não eram populares em certos setores dos negócios ou da mídia no meio dos anos 90. Eu não conseguia suportar o ministro do governo da época contando um causo sobre ‘jovens moças que ficavam grávidas apenas para furar fila na busca por uma casa’. Artigos de jornal discutiam mães solteiras falando de famílias desestruturadas e adolescentes antissociais. Não importava o quanto eu fosse obstinadasobre os trabalhos que eu tinha durante o dia (mãe em período integral, trabalhadora em meio-período e romancista secreta), bombardeios constantes com palavras como ‘parasita’ têm efeito corrosivo. Presunções feitas sobre seus valores, seus motivos para trazer um filho ao mundo ou sobre sua capacidade de criar este filho chegavam ao fundo do seu ser.

Então, numa reviravolta súbita, sísmica e integral, eu estava nos jornais.

Ainda não havia escapatória do rótulo de mãe solteira; ele me perseguiu até a estabilidade financeira e a fama da mesma forma que havia se agarrado a mim na obscuridade e na pobreza. Eu virei ‘Mãe Solteira Escreve Livro Infantil Ganhador de Prêmio/Ganha Contrato Americano Recorde/Consegue Direitos para Filme’. Um dos primeiros jornalistas a me entrevistar me perguntou se eu não havia sentido necessidade de procurar um emprego em vez de ‘sentar em casa e escrever um romance’. Por algum milagre, eu resisti à quase esmagadora tentação de espancá-lo e, eventualmente, decidi canalizar minha frustração de forma mais positiva ao me tornar patrona do que, à época, era chamado de Conselho Nacional para Famílias com Um Pai (agora, Gingerbread).

Independentemente do fato de me tornar uma Mãe Casada novamente em 2001, eu continuo como presidente da Gingerbread, uma incrível organização de conscientização para pais solteiros e seus filhos. Infelizmente, o trabalho dela é mais necessário do que nunca nos dias de hoje, numa recessão muito pior do que aquela que enfrentei quando voltei ao Reino Unido nos anos 90.

De acordo com uma pesquisa da Gingerbread, em 2011, 87% dos pais solteiros acreditam haver um estigma em torno da paternidade ou maternidade solitária que precisa ser combatido, e um em cada três pais diz que eles já foram vítimas disso. Eu acho a máxima ‘preguiçosos vs. batalhadores’ um tanto ofensiva quando se trata de pais solteiros, que estão constantemente trabalhando para cuidar de seus filhos. Tal retórica tira a confiança e a autoestima daqueles que querem, tão desesperadamente quanto eu quis, voltar ao mercado de trabalho.

Uma declaração de um ministro do governo no ano passado, que dizia que ‘os mais pobres deverão estar preparados para arriscar mais – eles têm menos a perder’, é muito desconexa com a realidade de pessoas lutando para manter as cabeças sobre a superfície. Em alguns casos – e eu fui um deles –, o que você tem a perder é comida suficiente para comer, um teto sobre sua cabeça: os fundamentos da vida e existência, multiplicados por um milhão quando são a saúde e a segurança de seu filho que estão em xeque.

No meio de tudo isso, uma incerteza maior assombra famílias já instáveis: o espectro do crédito universal, o carro-chefe da reforma no sistema de bem-estar do governo. A Gingerbread já está destacando preocupações. Está tudo nos detalhes: as lacunas nas provisões de cuidados infantis para família mais pobres, pais solteiros menores que 25 anos perdendo suporte vital para seus filhos, a dura realidade de que mais pais solteiros vão sair perdendo do que ganhando com o novo sistema – incluindo muitos que trabalham. Este detalhe se torna incrivelmente importante se é a diferença entre comer três refeições por dia ou passá-lo em branco.

Enquanto isso, o mantra do governo de que o trabalho é a melhor saída da pobreza é crescentemente mais vazio, com quase uma em cada três crianças, cujos pais solteiros trabalham meio-período, ainda crescendo na pobreza. Em vez de focar nas cada vez mais ‘medidas drásticas’, é o investimento em empregar pais solteiros que irá permitir que eles trabalhem e saiam da pobreza e assegurem uma poupança real desta lei do bem-estar. Nada extremista: creches acessíveis, treinamento decente, empregadores que aceitam flexibilidade de turnos, e uma revisão rigorosa dos salários mal pagos. Eu certamente me identifico com os resultados de uma pesquisa realizada no ano passado, que revelou que os custos das escolas infantis permanecem como o maior obstáculo a ser vencido, seguido de perto pela escassez de empregos flexíveis: exatamente os problemas que eu enfrentei quando a Jessica era pequena.

O governo tem o potencial para mudar as vidas não apenas de pais solteiros, mas também de uma geração de crianças cujas ambições e potenciais não devem se dissipar na pobreza. No meio tempo, eu diria a qualquer pai solteiro que esteja atualmente sofrendo o peso do estereótipo ou do estigma que eu tenho mais orgulho dos meus anos como mãe solteira do que de qualquer outra parte da minha vida. Sim, eu tive patrocínio e escrevi os primeiros quatro livros de Harry Potter como mãe solteira, mas nada me deixa mais orgulhosa do que o que a Jessica me contou recentemente sobre os primeiros cinco anos de sua vida: ‘Eu nunca soube que nós éramos pobres. Eu só me lembro de ter sido feliz’.”

Traduzido por: Luly Miranda em 28/07/2014.
Revisado por: Bárbara Waida em 28/07/2014.
Postado por: Pedro Martins em 31/07/2014.
Fonte: Gingerbred.