Hulbert, Dan. “Simplesmente loucos por Harry: fãs dedicados do jovem bruxo têm a escritora escocesa J.K. Rowling para agradecer”. The Atlanta Journal and Constitution, 22 de outubro de 1999.

Deixe as corujas voarem!

E deixe que elas espalhem a noticia – como elas fazem tão bem nos contos de Harry Potter, o garoto bom e normal que por acaso é um bruxo – aquela escocesa fabulosamente quente criadora de Harry, J.K. Rowling, está agora entre nós.
Ou estará em breve: seu vôo atrasou. Há mais notícias sinistras nesta noite fresca e limpa de outono que de seu pulso doído e paralisado de assinar livros. Mas não importa! Centenas de crianças estão cobrindo o que costumava ser o gramado da frente da Livraria Infantil Hobbit Hall em Roswell – muitas com a cicatrize m forma de raio, que é a marca registrada de Harry, pintada na testa – aglomerando-se entre vans com antenas de TV por satellite e torcendo por um olhar da autora tímida e delgada, enquanto ela desliza para a sala onde autografará seus livros.

“Ela ainda não está aqui!” grita uma pré-adolescente rouca para suas amigas do outro lado do jardim.

A verdadeira ação está no quintal. Aqui estão as 400 crianças, com os pais, que começaram a fila cedo o suficiente (seis horas atrás) para pegar ingressos para ver a mulher que eles chamam simplesmente de “Ela” (alguns parecem até saber que o J em J.K. vem de Joanne). A cena é alguma coisa entre um carnaval e uma estréia de Hollywood que atraí jovens (8 a 12 anos, em média). Seguranças murmuram cansados em um walkie-talkie. Um cara de kilt toca uma gaita de foles. Elvis, por assim dizer, ainda não entrou no prédio.

“Ela não virá até que a plataforma esteja limpa!” diz uma funcionária apressada da loja.

Estranho, neste dia e época, ver um público tão excitado por sagacidade, narrativa, personagem e valores morais (junto com alguma meleca de trasgo, só para ter graça). Todos a par daquela forma de comunicação que supostamente está acabada: a página impressa.

“Eu amo Harry porque ele é engraçado e tem coragem e tem a minha idade”, disse Jonathan Davis de Woodstock, 11 anos. “Ninguém prestava atenção nele na vida real, então ele vai para a escola de bruxaria e – olha só!”

Olha só, realmente: de repente Ela aparece, parada na plataforma elevada, como se ela tivesse aparatado magicamente ali. Rowling (rima com bowling, ‘rolando’ ou ‘boliche’ em inglês) se move e uma saudação vem da platéia. A autora mais quente do planeta (seus livros de Potter ocupam as três primeiras posições da lista de mais vendidos do The New York Times) então começa a assinar as cópias frescas de seu novo livro tão rápido quando seu punho engessado permite. As crianças parecem um pouco zonzas, passando através do pequeno cômodo lotado de cameramen da TV. Depois, um rapaz da região anda na direção dela em uma veste de mago escarlate e Rowling diz aliviada “Harry! Eu estava esperando por você! Você pode me ajudar a assiná-los”.

Tudo menos mundano.

No dia seguinte, seguindo uma massagista de punho profissional, procurando o quarto de hotel em que sua editora, a Scholastic Press, agendou suas entrevistas, a Rowling de 34 anos soa como alguém visitando a vida incrível de outra pessoa.

“Legal!” ela diz, examinando os arredores e a vista magistral: “eu gostaria de ter tempo para realmente ver esse lugar”.

Ao se sentar, ela descreve sua própria vida: Rowling tem uma filha, Jessica, 6, “e um Coelho chamado Jemimah e um hamster chamado Jasmine, e qualquer um que queria tirá-los das minhas mãos será bem vindo”. Não Jessica, claro. “Minha casa é bem mundana”, ela continua, e apesar de ela ter sido fotografada com uma gárgula de pedra na revista Time, “aquilo pertencia ao fotografo, e ele era o esquisito, não eu”. Sobre a vida afetiva, a autora divorciada diz, “eu adoro ler sobre a vida amorosa de outras pessoas, não sobre a minha. Então, sem comentários”.

Rowling tem um rosto que não se pode parar de olhar, com a beleza incomum de uma liderança romântica e perspicaz em um filme de arte. Alguém cujos momentos de deliciosa injúria se filtram através de um ar de gentil melancolia. Alguém que pode começar a escrever um romance nos versos de envelopes em um café na multidão, como é moda na velha Edimburgo – que por acaso é o que aconteceu.

Se Harry faz uma longa viagem – de uma infância orfã e miseravel no mundo trouxa (onde você e eu vivemos) para sua verdadeira missão como celebridade bruxa num universo paralelo – Rowling teve uma jornada igualmente impressionante. Há apenas alguns anos ela não tinha editora e estava entre empregos de professora, criando sua filha com o seguro desemprego (ela ficou pouco tempo precisando de caridade, mas a imprensa britânica enfatizou essa fase para criar uma lenda sobre Rowling).

Depois de três editoras britânicas passarem o seu livro, uma finalmente aceitou mas aconselhou Rowling a usar suas iniciais, por causa da teoria de que meninos não a leriam se soubessem que ela é uma mulher.

“Então eu apareci na TV, os meninos continuaram lendo como loucos, e essa teoria se foi pelos canos abaixo”, diz Rowling com uma risada rouca.

“Eu estava há seis meses criando o Harry (em 1990) antes de me perguntar porque eu não o fazia como uma heroína, já que sou obviamente fêmea”, ela continua. “Mas então eu já era tão apaixonada pelo Harry, e acreditava tão fortemente nele, que eu não poderia mandá-lo sair com um vestido. É engraçado, quando eu estava ensinando (francês), eu me encarregava das turmas de meninos porque eu considerava o meu forte. Só recentemente alguém me perguntou por que eu não tenho personagens femininos importantes e eu fiquei ofendida, Hermione é como uma caricatura de mim aos 11 anos, mas então, tem muito de mim no Harry também”.

O terceiro membro da intrépida turma de Harry, lutando contra o mal escondido na escola de magia Hogwarts é Rony Weasley. “Ele é baseado no meu antigo amigo, Sean, um colega de escola que ainda é uma espécie de irmão adotivo hoje”, Rowling diz calmamente. “Por alguma razão eu gastei muito tempo da vida em fortes grupos de três. Eu acho que existe muito medo na vida das crianças – mesmo as mais felizes – e os livros mostram como elas podem enfrentar seus medos. Mas eu mesma, quando criança, tive sorte de ter dois ótimos amigos-meninos. Eu tenho as melhores memórias, as mais felizes de nós três juntos.

Letrado fantasticamente

Se Harry está se tornando um bem doméstico atualmente, traduzido para 28 línguas, com 8,2 milhões de cópias impressas apenas nos Estados Unidos, ele está para ter uma fama ainda maior nos cinemas. Rowling tem a clausula dos sonhos de todo autor – aprovação sobre o roteiro final! – com a Warner Bros. Filmes para a realização de “Harry Potter e a Pedra Filosofal”. Com carros voadores, monstros assustadores, jogos de parar o coração de Quadribol (uma louca variação de Pólo com vassouras) e transformações mágicas, esse primeiro livro de Potter de 1997 tem todas as possibilidades de um filme de uma produção do Spielberg.

E ainda assim a característica mais milagrosa dos livros é que eles são indubitavelmente livros – livros bons, letrados, sem tirar proveito de bobagens. A linha imaginativa é vasta. A inteligência é árida (quintais de bruxos são “desgomizados”), a sátira afiada. É a pura alegria de Jabberwock numa linguagem onde as personagens são chamadas por nomes como Snape, Filch [roubar], Voldemort [ladrão da morte; quem a enganou, em francês] e Peeves [irritar-se; Pirraça] (o poltergeist chato). Como “Os Ventos nos Salgueiros” – um dos poucos clássicos infantis amados por Rowling – Potter constitui uma maravilhosa leitura para adultos pela mesma razão que cativa as crianças: ele acredita que elas têm cérebros.

E correndo por baixo das ações óbvias está uma mensagem espiritual, exemplificada nos destemidos sacrifícios que a mãe de Harry fez por seu filho antes que o primeiro livro começasse.

Então não é surpresa que um contração de dor cintila no rosto da autora cada vez que ela é perguntada pelas diretorias escolares – em quatro estados, inclusive Carolina do Sul – que não aceitaram a série Potter por causa das acusações de estar relacionada com bruxaria e ocultismo.

“Eles não entendem”, diz Rowling, membro da Igreja Escocesa (Presbiteriana), cansada. “Eles tem todo o direito de controlar o que seus filhos lêem, mas não o de controlar o que os filhos dos outros lêem – isso é censura. Veja: eu não acredito em bruxaria. Muitos dos termos dos feitos e encantos e afins eu inventei. A bruxaria é apenas uma metáfora para esse outro mundo de possibilidades, além da convenção, que a mente pode alcançar”.

Rowling, que planejou mais quatro livros para Potter e vai lançar outro no próximo verão, tem sido descrita recentemente como uma das mulheres mais ricas do mundo. O primeiro rubor do sucesso alcançou sua vida.

“A publicidade dizia que eu estava terminando o meu segundo livro – de repente, pela primeira vez em mim vida, eu estava em pânico, incapaz de escrever. Mentalmente constipada. Típico de mim, realmente: alguma coisa maravilhosa acontece e eu sou a última a acreditar nela”.

“É estranho”, Rowling continua, “como, quanto mais as pessoas amam os livros, elas se sentem no direito de interferir. Um adulto me disse ‘Você não pode matar tal personagem’. Finamente eu me disse ‘não é bom pensar o que os outros querem, apenas siga o seu inconsciente e escreva o que você quer’. E ai a escrita fluiu novamente”.

E haverá uma grande mudança no estilo de vida?

“Estamos nos mudando para um novo apartamento, 10 minutos do outro em Edimburgo”, Rowling diz com o seu – alguns podem dizer misterioso – sorriso. “Jessica tem um quintal muito pequeno para brincar e ela precisa de um maior”.

Traduzido por: Patrí­cia Abreu em 04/07/2006.
Postado por: Fernando Nery Filho em 04/05/2007.
Entrevista original no Accio Quote
aqui.