Branson, Louise. “A América está simplesmente louca pela charmosa criadora de Harry”. The Scotsman, 22 de outubro de 1999.

As multidões se aglomeram fora das livrarias, esperando por horas por um vislumbre dela. Todas as emissoras a disputaram. “Amanhã, teremos nossa entrevista,” anunciou a CNN. “Mexa-se Pokémon,” elogia uma típica manchete de jornal, se referindo à atual loucura das crianças americanas, “Harry Potter Está Aqui”.

Mas seria melhor escrever como “J.K. Rowling Está Aqui”. Já que, numa estrondosa turnê pelos Estados Unidos, ela está sendo saudada e celebrada com o tipo de entusiasmo americano que deve parecer para ela como ser lambida por um gigantesco labrador vestido com a bandeira americana e com uma língua bastante úmida.

O Washington Post diz que a recepção conferida a ela foi do tipo que você poderia esperar para uma “Spice da literatura”. J.K. Rowling – ou Joanne Kathleen Rowling – está se tornando uma figura quase tão popular, em sua visita aos Estados Unidos, quanto seu famoso personagem Harry Potter, herói dos três livros que atualmente se encontram nas posições um, dois e três da lista de mais vendidos do New York Times, com mais de 8,2 milhões de exemplares sendo impressos no país.

Histórias midiáticas têm maravilhado o público com exageros típicos americanos sobre seu conto dos-trapos-à-riqueza, e sobre o quanto ela se esforçou para escrever os livros em cafés de Edimburgo enquanto sua filha bebê dormia.

As crianças americanas dão a ela seus livros para que autografe e dizem o tipo de coisas às quais ela tem se tornado familiar. Como: “Quando leio seus livros tenho meio que um vídeo passando em minha cabeça. Eu consigo ver os personagens.” Ou: “Seus livros são mágicos.” J.K. Rowling sempre parece genuinamente comovida. “Céus,” responde com sinceridade. “É a coisa mais legal que alguém já disse quanto aos livros.” Os pais, também, repetem coisas familiares como, “Brad nunca leu antes; ele começou lendo os seus livros e agora é tudo o que ele quer fazer”.

“Fico absolutamente encantada,” responde a autora, como se estivesse ouvindo tal aprovação exuberante pela primeira vez. Rowling diz que teve uma grata surpresa em Washington, encarnada por uma garotinha que veio à sessão de autógrafos vestida de Hermione. Muitas outras meninas lhe disseram que Hermione era sua personagem preferida. Apesar disso, Hermione, disse ela, não vai tão bem na Grã-Bretanha ou nos outros lugares.

“Sempre penso em Washington e amo Washington por isso,” confessa Rowling. Por quê? Porque Hermione é “uma caricatura levemente baseada no que eu era aos 11 anos de idade… sempre levantando sua mão com uma resposta para a pergunta do professor. Naquela idade, eu era irritante. Eu me sobressaía”.

Mas nem todos da América adoram J.K. Rowling ou, no assunto, o próprio jovem Harry Potter – talvez era de se esperar de um país com tantos extremos, que incluem uma área de alcance bastante volúvel para crenças. Um dos personagens mais terríveis de Rowling é o sinistro bruxo Voldemort. Ele é a personificação do puro mal. Para alguns pais, ele é assustador demais. Eles ficam preocupados de que Rowling esteja promovendo a feitiçaria.

Na Carolina do Sul, a Secretaria da Educação está discutindo se os livros são apropriados para alunos das escolas. Elizabeth Mounce representa estes que esperam restringir os livros. “Não estamos tentando banir o livro,” diz, um tanto na defensiva. “Apenas achamos que há muito mal neles, muita violência”. Mounce disse que a bruxaria e os ferimentos foram demais para seu filho de 11 anos.

Rowling defende seus livros charmosa, porém firmemente, quando as acusações são mencionadas – como obviamente foram em todas as entrevistas. “Se você banir todos os livros com a bruxaria e o sobrenatural, estará banindo três quartos da literatura infantil”. Ela conta com exemplos de histórias sangrentas dos contos originais dos Irmãos Grimm para fortalecer seus argumentos. E se os pais não querem que seus filhos leiam os livros, diz, há uma solução simples: não os deixe ler.

As críticas, entretanto, são minguadas pelo grande feitiço lançado por Rowling no resto da América. A maior parte dos americanos dá de ombros e acha a oposição ao livro do mesmo nível de loucura que a do decreto da Secretária da Educação do Kansas de que a história bíblica da criação deveria ser ensinada nas escolas, ao invés da teoria da evolução. É válido de se comentar (e de simpatizar pelas pobres crianças envolvidas), mas é, de qualquer forma, uma besteira desviada.

Não que o encanto seja completamente sem costuras. “Ouvi que você disse que achava que tinha que matar alguém no Livro Quatro,” disse a Rowling uma pessoa que ligou para um programa na National Public Radio. “Por que você tem que fazer isso? Não é ruim ou desnecessário que as pessoas morram?”.

E uma preocupação mais fundamental começa a borbulhar devagar, mas com volume crescente: Rowling acaba de vender os direitos cinematográficos de Harry Potter à Time Warner. Ele está a ponto de se tornar outra comodidade da Disney, com brinquedos nas caixinhas do McDonalds, videogames, camisetas e canecas?

Um professor leu uma grande declaração na rádio pública. Seus alunos de 11 anos, disse, ficaram fascinados enquanto ele lia para eles um livro de Harry Potter. Mas quando ele sugeriu que fizessem um desenho, eles se horrorizaram. “Tenho uma imagem em minha cabeça de Harry Potter e não quero que ela se estrague,” disse um, e os outros concordaram. “Por favor, Sra. Rowling,” implorou o professor, “não desfaça sua magia”.

Rowling admite estar “nervosa”, mas disse que tem a aprovação final do roteiro. “Acho que a Warner são as melhores pessoas para fazerem o filme. Eles me consultam muito e têm um roteirista maravilhoso”. Uma das principais razões pela qual estava excitada, disse, era que teve por muito tempo uma imagem em sua mente do jogo de quadribol, jogado em vassouras na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. E ela está simplesmente morrendo de vontade de vê-lo nas telonas.

Pode ser divertido. Mas há muitas pessoas por aí esperando calorosamente que o feitiço mágico mais potente que Rowling lançou na era da TV – levando as crianças a lerem, mesmo, o mais maravilhoso de tudo, na América – não se quebre.

Traduzido por: Renan Lazzarin em 23/12/2008.
Revisado por: Daniel Mählmann em 04/06/2010.
Postado por: Vítor Werle em 10/01/2009.
Entrevista original no Accio Quote aqui.