Lockerbie, Catherine. “Todos a bordo do expresso de Hogwarts!”, The Scotsman, 11 de Julho de 2000

“O Expresso de Hogwarts, uma locomotiva a vapor escarlate brilhante, já estava lá, nuvens de vapor saindo dela, através da qual os muito estudantes e pais na plataforma pareciam fantasmas negros.”

É claro, a fumaça em espiral saindo da grande locomotiva escarlate envolve os passageiros que esperam em uma cena de todo arquétipo cinematográfico ou literário. Aquele garoto com os cabelos vermelhos correndo rápido plataforma abaixo deve ser Ron Weasley, o melhor amigo de Harry Potter. Será que terão bruxas vendendo bolinhos de caldeirão a bordo?

Na verdade, tem porcelana chique e o melhor bacon, sendo preparados para a autora estrela. O interior tem a rica elegância de uma outra era, um casulo de madeira escura e amavelmente envernizada, um mundo mágico e fechado onde se fala sobre um mundo mágico e fechado. Lá fora, nuvens de vapor saem pelos campos de trigo. Dentro, JK. Rowling fala de trens, a dolorosa pressão da fama e o menino bruxo mais conhecido do mundo, sem barreiras.

A linda e luxuosa réplica do trem é meramente o tour promocional da autora, embora seja a mais imaginativa de todas. O trem pode ser a parte mais visí­vel da máquina da publicidade, mas a febre de Harry Potter tem sido espalhada vigorosamente nas últimas semanas. Uma série de estratégias, incluindo um muito elaborado véu de segredos e a recusa a liberar cópias do livro para a imprensa e algumas lojas antes, têm elevado o ní­vel de expectativa a novas alturas. Na verdade os jovens leitores iriam agarrar o livro às centenas de qualquer maneira; mas o boca-a-boca do recreio já não é suficiente para vender a mais negociável das mercadorias, um novo livro de Harry Potter.

Quando Rowling finalmente apareceu na estação Waverley de Edimburgo, na noite passada, como o seu herói da ficção, ela fez um incrí­vel número do desaparecimento, a autora sumiu da vista de centenas de fãs ansiosos quando sorrateiramente escorregou pra fora de um dos vagões traseiros dentro de uma Mercedes dourada que a esperava. Mais uma vez, a máquina da publicidade havia feito seu trabalho, enquanto a autora se manteve misteriosa como sempre. No entanto, há algo de apropriado para o cenário. O jovem Harry, agora em sua quarta e maior e mais perigosa aventura por vir, veio à sua existência em um trem.

“Harry Potter nasceu em um trem” diz Rowling. “Foi seis meses depois da morte da minha mãe e eu estava a procura de um apartamento em Manchester com o meu namorado na época. No caminho de volta para Londres, Harry simplesmente apareceu em minha mente. Foi o sentimento mais incrí­vel e maravilhoso. Eu vinha escrevendo por anos e anos, escrevi dois romances adultos, mas nunca tinha sentido esse tipo de emoção antes. Ele simplesmente chegou, totalmente formado”. Isso foi em 1990 (mesmo que Harry Potter só tenha sido descoberto em 1997). Uma década depois e ainda pode haver leitores no ocidente que ainda não estão familiarizados com o órfão de cicatriz de raio na testa. As estatí­sticas constantemente mostradas à fortuna de Rowling, dizem por aí­, é de 15 milhões, o recorde de vendas mundial logo será revisado. Harry Potter e o Cálice de Fogo, por si só estabelece recordes como um dos mais longos livros infantis já publicado na história, logo mandará dí­gitos e lucros para o espaço mais uma vez.

J.K. Rowling está quieta e pensativa no seu aconchegante cantinho do vagão iluminado. Vê a sí­smica e amedrontadora velocidade do seu destino, com acurada claridade intelectual e emoções ambivalentes. Essa é uma história velha, muito velha: há um preço a pagar quando se joga o jogo da mí­dia. No dia em nós falamos, o Daily mail, um jornal que Rowling odeia, noticiou um perseguidor que Rowling insiste que não existe, e ainda arrastou seu ex-marido de quem ela é completamente desconectada, para adicionar comentários à publicidade Hoo Ha!

Rowling sabe o que é retaliação, no entanto, particularmente em relação à mí­dia. O tio de Harry, Válter, é um sujeito grotesco com tendências violentas e de cérebro notadamente minúsculo. Não é difí­cil imaginar que jornal Rowling o faz ler.

É fácil achar todo tipo de ligação entre a situação de Harry no novo livro e a situação de sua criadora. Harry, também tem uma fama indesejada, na nova história ele faz 14 anos, e começa a sentir o peso disso, sabendo que tem que enfrentar. Ele tem que lidar com a mí­dia e as distorções revoltantes de uma repórter de tablóide chamada Rita Skeeter (uma caricatura ví­vida de quem a apontou… agora, afinal, a vingança está feita!).
Rowling sempre falou de uma proximidade entre ela e a sua criação (na sua saudade, por exemplo, de suas mães falecidas) mas agora isso estaria sendo usado como um espelho da sua própria vida?

Na verdade, muito disso é mera coincidência. Os sete livros de Harry Potter estavam planejados desde o começo, e Rowling é extremamente protetora com a estrutura dos sete livros, chegando a recusar a proposta da Warner para transformá-los em filme, pois ela temia que a versão cinematográfica roubasse e deturpasse seus planos dos livros. Rita skeeter estava construí­da no quarto livro muito antes que os tablóides começassem a bater em sua porta para arrancar uma confissão do seu ex-namorado “ex-usuário de drogas confesso”. Rowling diz que os muitos efeitos da fama, positivos ou negativos, não afetam sua escrita atual, com a pequena exceção de Rita Skeeter.

“Eu amo a Rita!”, ela declara. “Este foi o único momento que fatores exteriores influenciaram na escrita. Normalmente, e isso é a absoluta verdade, eu não sinto nada quando escrevo. Com a Rita, todo mundo pensaria como a minha resposta a intromissão dos tablóides, mesmo que na verdade ela tenha aparecido originalmente no rascunho para o primeiro livro. É irônico que eu venha usar a personagem quatro anos depois, dado a tudo que tem acontecido comigo. Ela não foi inventada como uma resposta; mas eu admito que adorei escrevê-la, foi a que eu mais adorei.”

Rowling quis ser escritora desde o começo. “Eu não lembro de querer ser outra coisa na vida que não fosse escritora”, ela diz. “Eu tenho memórias claras da minha infância, e eu me lembro quando era muito pequena dizendo pra minha mãe que queria ser uma princesa. Ela me explicou que aquela não era uma opção de profissão, então como eu queria escrever, eu escrevi meu primeiro ‘livro’ aos seis anos, minha mãe o guardou.”

Agora ela tem 34 anos, e nos últimos três impossí­veis e curtos anos, se tornou uma famosa e bem conhecida escritora. Ela também conhece, depois da euforia inicial de ser simplesmente publicada, o aspecto menos positivo dessa vantagem. “A primeira vez que a imprensa veio me entrevistar (quando foram vendidos os direitos para a América) eu tive o que posso apenas descrever como um ataque de pânico de um mês. Eu congelei completamente. Nunca antes eu fiquei com bloqueio por tanto tempo. Era como se eu tivesse sido puxada para fora da minha “pedra” e eu não estava gostando nem um pouco disso.”

Para o terceiro livro, não houve turnê de divulgação, pela única razão de que ela estava escrevendo o que conhecemos agora como um dos maiores livros infantis de todos os tempos. Primeiro, que ela teve que jogar muita coisa fora e recomeçar, tendo que enfrentar um problema de estrutura da trama. “Não tinha nada a ver com ela ser folgada”, ela diz. Eu tive muito trabalho a fazer. Mas isso foi quando a palavra “reclusa” passou a ser meu sobrenome. Quando eu comecei a ser perseguida. Isso não é uma sensação legal. No entanto eu não quero deixar isso um drama maior, Não sou a Posh Spice.”

“Eu estou sempre fora trabalhando em cafés e bares”, ela diz. “para você ver como sou ‘reclusaâ’. Mas as pessoas de Edimburgo são as mais legais, boas e as mais relaxadas de todas, ou então ninguém me reconhece. Se as pessoas sabem quem eu sou, então me deixam em paz; e se aproximam-se de mim, o que é uma exceção à regra, eles são muito amáveis.”
É importante ressaltar que o fenômeno de Harry Potter é extremamente positivo. A própria Rowling é honesta quando perguntada sobre o dinheiro e se este se tornou um fardo: “todos os dias, todos os dias da minha vida nos últimos três anos eu tenho acordado agradecida, por não ter que me preocupar com dinheiro nunca mais.”

O apetite dessas crianças pelos livros, que Rowling vê como uma mensagem para o anticinismo e a anti apatia, é um dos mais esperançosos desenvolvimentos literários dos anos recentes.
Os elementos da negatividade, no entanto, são reais e não irão desaparecer. Ela irá um dia caminhar para longe da pressão? Ela pausa por algum tempo: “No dia que eu sentir que Harry Potter está estragando a vida da minha filha, eu paro. Se houverem dez milhões de crianças esperando pelo próximo livro de Harry Potter, eu não me sentiria muito feliz em dizer: Vocês tiveram sua parte, mas tem um criança que eu tenho que colocar em primeiro lugar, e esta é a minha.”

Jessica, de sete anos, parece estar caminhando ao seu próprio passo “ela é uma coisinha espevitada, e cresceu. Ela era muito, muito pequena quando tudo isso começou, eu não acho que ela tenha a menor concepção do quão grande é tudo isso. Honestamente, nem eu tenho. No dia em que eu sentir que não estou dando a ela uma vida feliz e saudável, eu paro.”

Em um dia como este, é fácil ver o lado benigno, o puro prazer de Potter. “Nos últimos três anos”, diz Rowling, “devem ter havido três dias em que senti o lado negativo pesar mais que o positivo, e quando eu realmente penso em tudo, isso não vale nada. Paro agora.” Ela pausa, rindo. “Apenas três dias em três anos, isso é ótimo, levando em conta tudo o que aconteceu.”

Harry Potter e o Cálice de Fogo, é publicado pela Bloomsburry,
Preço $ 14.99. Crí­tica completa será publicada sábado, no Caderno de livros.

Traduzido por: Débora Reis Pinto em 15/04/2007
Revisado por: Adriana Pereira em 24/04/2007 e Antônio Carlos de M. Neto em 22/03/08
Postado por: Fernando Nery Filho em 29/04/2007
Entrevista original no Accio Quote aqui.