Goldwin, Clare. “J.K. Rowling nos seus dias de pobreza”. The Daily Mirror, junho 2002.

À primeira vista este é um conto de uma mudança da pobreza para a riqueza, que poderia ter vindo direto da imaginação da própria J.K. Rowling.

Uma pobre escritora que vive em um apartamento frio e bebe xícaras de café por horas em um café, onde ela se senta com sua filha e escreve os livros que um dia a fariam famosa e rica.

Essa é a versão popular da história da vida de J.K. Rowling, mas a verdade de ser uma mãe solteira não era nenhum conto de fadas para a autora de Harry Potter.

Isso se tornará aparente quando a Bloomsbury publicar Magic – uma coleção de pequenas histórias vendidas para arrecadar dinheiro para a Fundação Nacional de Famílias de Pais Solteiros (National Council For One Parent Families – NCOPF).

O livro, que será publicado próximo mês, é co-editado pela mulher do Chanceler Gordon Brown, Sarah, que também é patrona do NCOPF, e o romancista Gil McNeil.

Eles convenceram 18 dos mais aclamados escritores ingleses – incluindo Sue Townsend, Fay Weldon, Jo Harris, Arabella Weir, Meera Syal e Ben Okri – a contribuírem com uma história sem receber nada.

Jo Rowling é a embaixadora da caridade e escreveu o prólogo.

Nisso, ela deu sua mais séria descrição da pobreza e humilhação que ela enfrentou criando sua filha sozinha.

Graças a Harry Potter, Jo, 36 anos, é agora uma multimilionária que pode suprir todas as necessidades de sua filha.

Mas os ultrajes pelos quais ela passou como mãe solteira ainda estão fortemente presentes na sua memória.

“Eu me lembro de chegar para pagar as contas no supermercado contando o dinheiro, e de descobrir que faltavam dois centavos para poder pagar uma lata de feijões, sentindo que eu deveria fingir que perdi uma nota de £10 para a vantagem da garota aborrecida no caixa,” diz Jo.

“Eu fazia coisas parecidas nas minhas visitas à Mothercare (loja popular da Grã-Bretanha), onde eu fingia olhar roupas que não poderia comprar para minha filha”.

“Todas as vezes eu ia perto do fraldário onde eles ofereciam um pequeno suprimento de fraldas gratuitas.

“Eu odiava vestir minha filha com roupas doadas.

“Eu odiava ter que contar com a gentileza dos meus parentes quando eles davam novos calçados para mina filha.

“Eu tentava furiosamente não sentir inveja do quarto bem decorado e estocado de outras crianças quando nós íamos a casas de amigas para brincar”.

Jo tinha se mudado para Portugal em 1991 para ensinar inglês e conheceu um jornalista português. Eles se casaram em outubro de 1992, mas Jo se separou, já com sua filha, no ano seguinte.

“Minha história começa em 1993, quando meu casamento finalmente acabou,” Jo explica mais à frente. “Eu estava vivendo no exterior e trabalhando o dia todo quando minha filha nasceu”.

Deixar seu ex-marido significou deixar seu trabalho e voltar para a Inglaterra com duas malas cheias.

“Eu sabia perfeitamente que estava andando para a pobreza,” ela adiciona, “mas eu realmente acretidava que seria questão de meses antes de começar a andar com meus próprios pés.

“Eu tinha guardado dinheiro suficiente para alugar um apartamento e comprar uma cadeirinha de bebês, um berço e outras coisas essenciais.

“Quando minhas economias acabaram, eu passei a viver com menos de £70 por semana.

“Pobreza é como o nascimento de uma criança, você sabe que vai doer quando acontecer, mas você nunca sabe o quanto até que passe por isso. Alguns artigos de jornais chegaram a romantizar o tempo que passei sendo ajudada, porque o clichê de que eu escrevia morrendo de fome em um sótão é muito mais pitoresco do que a amarga realidade de viver na pobreza com uma criança.

“As pequenas humilhações sem fim de viver com favores – e lembre que seis a cada dez famílias são sustentadas por um pai ou mãe solteiros vivendo na pobreza – recebem pouca atenção da imprensa a não ser que aconteça uma mudança no estilo Cinderela”.

Como Jo estava para descobrir, achar um trabalho e cuidar de uma filha ao mesmo tempo é quase impossível.

“Eu queria trabalhar em meio-período,” ela explica. “Quando eu perguntava a meu agente de saúde sobre a possibilidade de deixar minha filha na creche estadual por algumas tardes na semana, ela explicou, gentilmente, que estes locais eram reservados para crianças consideradas ‘em risco’.

“Suas palavras exatas eram: ‘Você está indo muito bem’.

“Eu só podia ganhar no máximo £15 por semana antes que meu Suporte de Renda e Benefícios Habitacionais fossem cortados.

“O preço diário de uma creche particular era tão caro que eu teria que encontrar um trabalho de tempo integral que pagasse bem acima da média nacional. Eu tive que decidir se deixaria minha filha na maioria de suas horas acordadas com outra pessoa, ou se ela seria cuidada pela própria mãe sem muito luxo.

“Eu escolhi a segunda opção, mesmo sentindo que constantemente teria que justificar minha escolha toda vez que alguém me fizesse a suja pergunta: ‘Então o que você faz?’. A resposta honesta para essa pergunta era que eu estava sempre preocupada – eu dedicava horas para escrever um livro que eu duvidava que seria algum dia publicado, me esforcei para me segurar na esperança de que nossa situação econômica iria melhorar.

“E quando eu não estava muito cansada para sentir fortes emoções, eu estava inundada de raiva pela imagem passada por alguns políticos e jornais de mães solteiras como fracas adolescentes em busca do Santo Graal – os apartamentos cedidos pelo governo – enquanto 97% de nós havíamos a muito tempo deixado a adolescência”.

Eventualmente, Jo teve a possibilidade de dar aulas após uma amiga ter lhe emprestado o dinheiro para a creche. E ela explica que acredita que não tem motivo para ter vergonha por ser uma mãe solteira. “O significado de muitas das dívidas de pais solteiros é que casais são basicamente superiores ainda, durante o tempo em que eu fui professora em uma escola, eu conheci um grande número de crianças com problemas, que tinham pai e mãe em casa.

“Há aqueles que ainda acreditam que a ‘contagem de cabeças’ define uma família ‘real’, que acreditam que casamento é o único contexto ‘certo’ para se ter filhos. Mas eu nunca tive a mais remota vergonha por ser mão solteira.

“Eu tenho a ousadia de ter orgulho da época em que eu tinha três empregos – o trabalho não pago de ser mãe e pai ao mesmo tempo, e o assalariado de professora.

“Há muitas evidências que sugerem que não é por serem criadas por pais solteiros, mas sim pela pobreza que algumas crianças têm desempenho inferior a outras.

“Quando você tira a pobreza da equação, percebe que crianças de famílias de pais solteiros podem ir tão bem quanto filhos de casais”.

Jo não se esqueceu do quão longe ela chegou da época em que não tinha dinheiro para compra uma simples lata de feijão e rezava para um bom tempo para que a conta do gás não fosse alta.

“Eu estou complemente ciente, todos os dias, do quão sortudo eu sou,” ela escreve.

“Eu tenho sorte por não ter que me preocupar mais com a segurança financeira da minha filha, porque os dias de favor acabaram, e ainda tem comida na geladeira e as contas estão pagas.

“Eu tinha um talento que podia ser exercitado sem gastar dinheiro. Qualquer um que pensasse em me usar como exemplo de que pais solteiros podem ficar ricos saindo das armadilhas da pobreza poderia também apontar a Oprah Winfrey como sí­mbolo de que não existe mais racismo na América.

“Pessoas como eu estão sofrendo os mesmos obstáculos para uma completa realização do seu potencial todos os dias e seus filhos estão perdendo oportunidades.

“Eles não estão pedindo esmola, eles não estão barganhando os apartamentos cedidos, estão simplesmente pedindo pelo suporte que precisam para se libertar da caridade e poderem sustentar seus próprios filhos”.

Jo se tornou embaixadora da NCOPF dois anos atrás e ela doou £500.000 para a caridade.

Ela diz: “A Fundação Nacional de Famílias de Pais Solteiros não é contra casamentos nem diz que se deve ‘passar por isso sozinho’.

“Ela existe para ajudar pais que criam seus filhos sozinhos, por exemplo, em conseqüência do término de um relacionamento ou a morte do parceiro, quando as crianças encaram um novo tipo de família, e um pai ou mãe é deixado com a função dos dois – frequentemente com uma queda de renda.

“A fundação fornece inestimáveis conselhos e apoio prático em uma grande variedade de assuntos que afetam pais solteiros e seus filhos – e eu estou muito orgulhosa de ser associada a ela”.

Como Jo explica no prólogo, seu envolvimento sucedeu de maneira apropriada para uma mãe solteira.

“Andy Keen Downs, o vice diretor da associação, veio me ver e sentou-se em minha como sempre desarrumada cozinha, pegou uma pilha de notas de sua pasta e começou com, o que eu tenho quase certeza, um discurso maravilhosamente persuasivo e bem construído.

“‘Andy,’ eu interrompi, com aquela voz perturbada pela qual pais solteiros podem ser reconhecidos, ‘você gostaria que eu fosse uma embaixadora, não gostaria?’.

“‘Ok, eu farei isso, mas a gente poderia, por favor, discutir os detalhes no caminho para a escola, porque o dia de esportes começa em cinco minutos’.

“Então nós discutimos sobre a Fundação Nacional de Famílias de Pais Solteiros enquanto assistíamos à corrida de ovos equilibrados em colheres.

“Foi um começo altamente de ajustes, eu sentia, que minha associação a uma fundação que era voltada a ajudar aqueles pais que estavam constantemente fragilizados.

“Mas eu não precisava ouvir os bem ensaiados argumentos persuasivos de Andy durante o dia de esportes. Eu já tinha me decidido de que era hora de colocar meu dinheiro onde minha boca sempre esteve desde que eu tinha experimentado como era ser mãe solteira na Grã-Bretanha.

“Eu gostaria de oferecer meus mais profundos agradecimentos para, não somente os autores deste livro, mas a todos, que, comprando este livro, contribuem para nosso apelo”.

O lucro da venda do livro irá para o ‘Magic Million Appeal’ da caridade, cujos fundos irão ajudar a manter a grande extensão de serviços oferecidos a pais solteiros, que queiram sair da pobreza enquanto criam crianças felizes e bem ajustadas.

“Você está oferecendo ajuda para famílias que geralmente já sofreram além do suportável,” Jo conclui, “famílias que poderiam render muito mais se lhes fossem oferecidas um pouco menos da miopia dursleyana e um pouquinho mais de mágica em suas vidas”.

Magic, editado por Sarah Brown e Gil McNeil, custa £6.99. Para cada edição vendida £1 irá para o ‘Magic Million Appeal’, que pretende arrecadar £1 milhão para criar melhores serviços de informações para pais solteiros.

Traduzido por: Lucas Emmanuel em 04/08/2006.
Revisado por: Antônio Carlos de M. Neto em 21/03/2008 e Fernanda Midori em 10/01/2011.
Postado por: Fernando Nery Filho em 30/04/2007.
Entrevista original no Accio Quote
aqui.