Rowling, J.K. “Prefácio para Magic: New Stories”. Ed. Gil McNeil. Londres: Bloomsbury, junho de 2002.

Magic é uma coleção de recém-criadas histórias curtas, publicados pela Bloomsbury para arrecadar dinheiro para famílias de mães ou pais solteiros. O livro é editado por Gil McNeil e Sarah Brown, com um prefácio de J.K. Rowling, e escrito por dezoito dos escritores mais populares e emocionantes da Grã-Bretanha, incluindo Andrea Ashworth, Kate Atkinson, Celia Brayfield, Christopher Brookmyre, Lewis Davies, Isla Dewar, Emma Donoghue, Maeve Haran, Joanne Harris, Jackie Kay, Gil McNeil, John O’Farrell, Ben Okri, Michele Roberts, Meera Syal, Sue Townsend, Arabella Weir e Fay Weldon.

Mais informações: http://www.bloomsbury.com/magic/
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Prefácio
de J.K. Rowling

Meu envolvimento como o National Council for One Parent Families aconteceu de uma maneira muito simples, ou tortuosa, dependendo de como você olha.

A versão simples envolvia Andy Keen Downs, o sub-diretor da instituição, sentando-se na minha cozinha geralmente desarrumada, pegando um bloco de anotações de sua pasta e embarcando no que tenho certeza de que seria um discurso maravilhosamente persuasivo, bem-construído e lindamente entregue.

“Andy,” interrompi, com a voz abusada pela qual os pais sozinhos podem ser frequentemente identificados, “vocês gostariam que eu fosse a Patrona, não é?”.

“Bem, estamos chamando de ‘Embaixadora’,” disse Andy, indeciso, impedido no meio do caminho.

“Tudo bem, eu farei isso,” disse, “mas poderíamos, por favor, discutir os detalhes a caminho da escola, porque o Dia Esportivo começa em cinco minutos”.

E então discutimos o Nacional Council for One Parent Families enquanto assistíamos a corridas egg-and-spoon (N.T.: jogo britânico no qual os competidores têm que carregar um ovo numa colher pequena e correr para a linha de chegada sem deixar o ovo cair), um começo altamente cabível, achei, para minha associação com uma instituição que é devota a ajudar aqueles pais cujas vidas são um ato de equilíbrio constante.

A versão longa de como me tornei Embaixadora inclui minha experiência pessoal de mãe solteira e minha raiva sobre a estigmatização de algumas seções da mídia. Essa história começa em 1993, quando meu casamento terminou.

Eu estava morando no exterior e tinha um emprego de período integral quando dei a luz à minha filha. Deixar meu ex-marido significava largar meu emprego e retornar à Grã-Bretanha com duas malas cheias de possessões. Sabia perfeitamente bem que estava caminhando em direção à pobreza, mas acreditei sinceramente que seria uma questão de meses até que voltasse ao meu padrão. Tinha dinheiro o bastante para fazer um depósito para um apartamento alugado e comprar um cadeirão para bebê, um berço e outras coisas essenciais. Quando minhas reservas acabaram, me estabeleci numa vida com pouco menos de setenta libras por semana.

A pobreza, como logo descobri, é muito parecida com dar a luz – você sabe que vai doer antes de acontecer, mas nunca saberá quanto até que a experimente. Alguns artigos de jornais escritos sobre mim chegaram perto de romantizar o período que passei com a ajuda compensatória, porque o clichê bem-costurado de uma autora faminta na sarjeta é tão mais pitoresco que a amarga realidade de viver na pobreza com uma criança.

As infinitas pequenas humilhações da vida sob benefícios – e lembremos que seis de cada dez famílias comandadas por pais sozinhos vivem na pobreza – recebem muito pouca cobertura da mídia, a não ser que sejam seguidas pelo que parece, nos jornais pelo menos, uma maré de sorte rápida, à moda da Cinderela. Lembro de chegar ao caixa do mercado, contar as moedas, descobrir que tinha dois centavos a menos para comprar uma lata de feijões cozidos e sentir que era obrigada a fingir que havia perdido uma nota de dez libras para o azar da moça entediada no caixa. Habilidades igualmente deploráveis foram exigidas na minha correria do cuidado maternal, onde fingia que estava examinado roupas que não podia comprar para minha filha, enquanto avançava ligeiramente em direção ao provador dos bebês, onde ofereciam um pequeno suprimento de fraldas gratuitas. Odiava comprar roupas para minha filha desejosa nas lojas de caridade, odiava depender da bondade de parentes quanto precisava de novos sapatos para ela; tentava furiosamente não sentir inveja dos quartos lindamente decorados e bem abastecidos das outras crianças quando íamos às casas dos amiguinhos para brincar.

Queria trabalhar em meio período. Quando perguntei para minha assistente de saúde sobre a possibilidade de uma creche num par de tardes por semana, ela explicou, muito gentilmente, que os lugares para bebês eram reservados àqueles considerados ‘de risco’. As exatas palavras dela foram, “você está lidando muito bem”. Eu ganhava um máximo de quinze libras antes de minha ajuda compensatória e benefício do lar serem cortados. Creches particulares de tempo integral eram tão exorbitantes que precisaria encontrar um emprego de período integral pagando melhor que a média nacional. Tinha que decidir se minha bebê seria levada a alguém para ser cuidada na maior parte de suas horas acordadas, ou se seria cuidada por sua mãe em um ambiente longe de ser luxurioso. Escolhi a última opção, apesar de sentir constantemente que tinha que justificar bem minha escolha sempre que alguém me fizesse a pergunta nojenta, “O que você faz?”.

A resposta honesta para essa pergunta era: eu me preocupo continuamente, devoto horas a escrever um livro que duvido de que seja publicado algum dia, tento segurar a esperança de que nossa situação financeira vai melhorar, e quando não estou exausta para sentir uma emoção forte, mergulho numa raiva por causa do conceito de mães solteiras de certos políticos e jornais, tão incapazes quanto adolescentes na busca do Santo Graal, o apartamento estatal, onde 97 de nós já há muito deixamos a adolescência.

O sub-texto da maior parte da difamação de pais solteiros é de que as famílias de dois pais são intrinsecamente superiores, ainda que, durante meu período como professora na escola secundária, tenha conhecido um número de crianças destrutivas e estragadas, cujas casas continham dois pais. Há aqueles que ainda acreditam na definição de “verdadeira” família, que acreditam que o casamento é o único contexto “correto” no qual ter uma criança, mas nunca senti a mais remota vergonha de ser uma mãe solteira. Tenho medo de ficar orgulhosa demais do período em que fiz três trabalhos com uma só mão (o trabalho sem pagamento de dois pais e o trabalho assalariado de professora – pelo qual, por acaso, consegui fazer minha pós-graduação, devido à generosidade de um amigo que me emprestou dinheiro para cuidar da minha filha). Há uma riqueza de evidência para sugerir que não é ter pais solteiros, mas sim a pobreza que faz com que algumas crianças vão menos bem que outras. Quando você tira a pobreza da equação, as crianças de pais solteiros podem ir tão bem quanto uma criança com uma família de dois pais.

A fuga da minha família da pobreza para a sorte tem sido tão bem documentada que estou totalmente consciente, a cada santo dia, do quanto tenho sorte; sorte porque já não tenho que me preocupar com a segurança financeira da minha filha; porque aquele que costumava ser o dia do benefício chega e ainda há comida na geladeira e as contas estão pagas. Mas tive um talento que pude exercitar sem gastos financeiros. Qualquer um que pensar em me usar como um exemplo de como pais solteiros podem sair da armadilha da pobreza pode também apontar para Oprah Winfrey e declarar que não há mais racismo na América. Pessoas iguais a mim estão enfrentando os mesmos obstáculos para uma realização completa de seu potencial todos os dias e seus filhos estão perdendo oportunidades junto com eles. Eles não estão pedindo esmola, não estão fazendo projetos com apartamentos estatais, estão simplesmente pedindo pela ajuda que precisam para libertar sua vida dos benefícios e apoiar seus próprios filhos.

Foi por isso que não precisei ouvir os argumentos bem-ensaiados de Andy no Dia Esportivo. Eu já me decidira a pôr minhas ideias em prática desde que experimentei a realidade de ser uma mãe solteira na Grã-Bretanha.

O National Council for One Parent Families não é nem anti-casamento (afinal, quase dois terços dos pais solteiros já foram casados) nem um propagandista para “fazer tudo sozinho”. Ele existe para ajudar pais a criar seus filhos sozinhos, por exemplo, nas repercussões do término de uma relação ou a morte de um parceiro, quando as crianças encaram um novo tipo de família e um dos pais é deixado para lidar com o trabalho de dois, frequentemente com uma renda consideravelmente reduzida. Ele proporciona uma assessoria inestimável e apoio prático numa ampla variedade de problemas afetando pais solteiros e seus filhos, e tenho muito orgulho de estar associada com ele.

Os lucros da venda deste livro serão direcionados à instituição Magic Million Appeal, cujos fundos ajudarão a manter a grande gama de serviços oferecidos a pais solteiros que não querem mais que fugir da armadilha da pobreza enquanto criam crianças felizes e bem-ajustadas. Gostaria de oferecer meus mais profundos agradecimentos aos escritores das histórias extraordinárias que se seguem, e a cada um que, comprando este livro, contribui com nosso apelo. Você está oferecendo esperança a famílias que são mais tidas como bode-expiatório que apoiadas – famílias que podem seguir em frente sem o estigmatismo típico dos Dursley, e um pouco mais de magia em suas vidas.

Traduzido por: Renan Lazzarin em 08/01/2009.
Postado por: Vítor Werle em 22/01/2009.
Entrevista original no Accio Quote aqui.