Garcia, Frank. “Pottermania em Vancouver”. Cinescape, 16 de novembro de 2000.

Na entrevista coletiva de J.K. Rowling, são os adultos que sentam atrás das crianças da primeira fila. Quase meia dúzia de meninos e meninas estão brincando de repórteres, com suas canetas e blocos, fazendo perguntas à autora favorita das crianças sobre o fenômeno da saga de Harry Potter. Às vezes, os adultos que escutam as perguntas das crianças atentamente parecem confusos por sua habilidade em brincar na mesma caixa de areia. Na sala, os repórteres veteranos são de jornais locais e canais de televisão. Uma repórter de notí­cias televisivas, ela mesma uma mãe, sorri ao longo da “porção de jovens adultos” da entrevista coletiva enquanto mira sua câmera em uma jovem menina na primeira fila que faz perguntas. Realmente, ao término da entrevista, algumas entrevistas foram dadas pelas crianças para o repórter do “New Hour“, discutindo o seu amor por Harry Potter.

No dia 25 de outubro de 2000, só dois dias antes do encontro marcado como parte do Vancouver Writers and Readers Festival, J.K. Rowling reuniu os repórteres para discutir o roteiro de seu livro. Há pouco mais de 24 horas ela leu um capí­tulo do quarto livro para uma estimativa de 12.000 fãs no estádio Skydome de Toronto, no que acredita-se ser o maior evento de leitura já ocorrido.

“Eu acho que uma leitura ainda pode ser uma experiência muito í­ntima, até mesmo se muitas pessoas estão presentes”, disse Rowling. “Porém, inegavelmente, eu não posso ter muito contato com cada um. É uma luta para mim. Minha caixa de correios, como você pode imaginar, está cheia de pedidos para fazer leituras em livrarias, autógrafos em livrarias pequenas e visitas individuais nas escolas. E eu fazia isso. Era a parte mais divertida, exceto pelo processo de escrever.”

“Mas se eu fizesse isso agora, nunca mais veria minha filha. Eu nunca escreveria outro livro. Eu nunca comeria ou dormiria. Assim eu tenho que fazer o que melhor que consigo. Eu posso dizer, ‘bem, eu não lerei mais’, coisa que eu realmente sentiria falta. Ou eu poderia fazer leituras maiores onde eu alcanço mais pessoas de imediato, e esse é o modo que eu escolhi.”

“Ano que vem, eu não farei nenhuma leitura, provavelmente”, continuou Rowling, que afirma que as leituras de caridade serão a única exceção. “Eu só quero escrever, assim o Skydome é um big bang; faça uma leitura grande e então nós daremos um intervalo durante algum tempo, porque eu preciso escrever. Eu quero estar escrevendo. Assim, basicamente eu estou chegando nos limites da loucura. Então, eu irei para casa e a vida será normal novamente!”

Estatisticamente falando, o fenômeno de Harry Potter foi a história editorial mágica do ano. A revista “Newsweek” estima que só com quatro dos sete livros da série publicados, há 35 milhões de cópias impressas, com traduções em 40 idiomas. Em uma análise conservadora, estima-se que os livros venderam 480 milhões de dólares em três anos. A revista “Forbes” classifica Rowling como a 25ª em uma lista das celebridades mais poderosas. Isso é uma realização importante para uma mulher que conjurou um universo mágico enquanto estava na miséria.

“Eu pensei que tinha escrito algo que talvez um punhado de pessoas gostasse, então foi algo como um choque, no mí­nimo!” disse Rowling assim que sentou à mesa dianteira da sala, enquanto encarava seu público cativo na conferência. “Para mim, o máximo da minha ambição seria assinar um cheque em uma loja e alguém dizer, ‘Oh, você escreveu meu livro favorito!’, que eles reconhecessem meu nome, não que eu jamais esperei ser reconhecida fisicamente, claro. De fato, isso aconteceu comigo! [O balconista] disse para mim, ‘você é Joanne Rowling?’ e eu fiquei da cor da minha camisa. Isso foi ótimo.”

Embora os livros da saga de Harry Potter sejam vendidos como livros infantis, muitos adultos lêem também. Mas no final das contas, Rowling está escrevendo para ela. “Eu me pergunto, ‘o que você tem em mente quando escreve?'”, disse Rowling. “‘É sua filha, ou as crianças que você conheceu?’ Não, apenas eu. Eu sou muito egoísta. Eu só escrevo para mim. Assim, o humor nos livros é aquele que eu acho engraçado. Nesse ní­vel, estou surpresa que os adultos compartilhem do meu humor. Eu não esperava que isso acontecesse, então estou constantemente surpresa.”

E porque está escrevendo para ela, Rowling explica que mantém brutalmente as histórias como foram inicialmente organizadas. “A coisa que me mantém em curso, acima de todas as outras, é que eu quero terminar esses sete livros e olhar para trás e pensar em tudo que aconteceu, porém muito deste furacão girou ao redor de mim, eu fiquei ciente do que quis escrever. Este é meu Santo Graal; que quando eu terminar de escrever o livro sete, possa dizer, com as mãos no coração, ‘Eu não mudei nada. Eu escrevi a história que pretendia escrever. Se eu perder leitores no caminho, bem, que assim seja. Mas eu ainda contei minha história. Aquela que eu quis escrever.'”

“Que, sem desejar soar muito sentimental, é o que eu devo a meus personagens, que não sejamos afetados pela adoração ou pela crí­tica. Eu penso que seria perigoso começar brincando com a galeria. Não penso que seja sábio escutar muitos elogios ou críticas. Já disse que, depois de escrever, que é facilmente minha coisa favorita, a razão de eu continuar saindo e fazendo essas leituras é encontrar os leitores. Acho que eu tenho a mais agradável relação com os fãs do mundo. Eles são pessoas muito agradáveis.”

Contudo, seu processo de escrever não é tão rígido que não haja nenhum espaço para modificações ou diversão. “Os livros não são planejados assim em detalhes meticulosos que eu não possa me divertir enquanto estou escrevendo”, disse Rowling. “Eu invento materiais conforme avanço. Muitas criaturas e objetos mágicos são inventados enquanto estou escrevendo o livro. Mas o que é planejado é o esqueleto do enredo. Eu modifico ligeiramente, mas tenho que fazer o ponto A apontar para B porque obviamente, eu não posso fazê-lo ir para C, D, E, F [primeiro].”

Encontrar e cumprimentar as pessoas em suas viagens proporciona para Rowling muitas aventuras. Rowling disse que autógrafos de livros são “poços sem fim”. “Você começa assinando, e não termina!”. Se houver uma coisa sobre todo fenômeno de Harry Potter que a pega de surpresa bastante, provavelmente é isso: “Eu nunca tive uma criança rude para comigo, o que pra mim é incrível. Nem uma vez tive que chamar a atenção. Eu nunca tive uma criança pedindo por mais do que eu podia dar. Jamais tive uma criança [por] quem eu não sentisse nada além de afeto. Milhares delas.”

Aliás, os adultos são uma história diferente. “Na última excursão, no Reino Unido, eu finalmente perdi minha paciência”, sorriu Rowling. “E eu tenho um fusí­vel bastante longo para com meus leitores, mas no meio do caminho de uma fila de cerca de 1.000 pessoas, eu tive que fazer uma exceção. Esta era uma exceção para ver minha filha, logo não era uma coisa que eu quisesse perder. Do meio pro fim da fila, havia um sujeito com toda a parafernália de Harry Potter que conseguia segurar nas garras dele, e queria tudo personalizado. E eu disse a ele, ‘se eu fizer isto para você, 12 crianças do final desta fila não terão seus livros assinados’. E ele discutiu, e eu perdi minha paciência. Mas é o “eBay“, sabem? “eBay” [e poder leiloar todas essas parafernálias] explica muito disto.”

“A pergunta mais questionada vem dos adultos”, disse Rowling. “‘E qual é o segredo? Qual é a fórmula?’. Eu nunca analiso isso. Penso que seria perigoso para mim começar a analisar dessa maneira. Número um, deixaria de ser divertido. Número dois, eu não estou segura se eu sei. As pessoas corretas para perguntar são os leitores.”

As perguntas obscuras e profundas aparecem ocasionalmente de quadrantes improváveis. “Me perguntaram em Nova Iorque, ‘como funciona a economia dos bruxos?’. Agora, na realidade, eu sei como trabalha, mas ninguém tinha se incomodado em perguntar antes, então isso foi muito satisfatório ter a chance para explicar. De maneira previsí­vel, um jornalista de Wall Street na verdade me perguntou isso!”

Um tópico mais comum de que todos querem saber, mas a que poucas pessoas têm resposta, é: como você lida com a fama súbita? “Eu ainda estou aprendendo”, Rowling respondeu. “Eu definitivamente não diria que eu estou dominando isso. Diria que durante os primeiros dois anos nessa posição, eu estava em negação. Eu continuava pensando ‘isso vai passar’. E sobre [a época da] a publicação do terceiro livro, eu tive que aceitar que não iria passar tão cedo. Que é um lugar provavelmente mais saudável para estar. Irá embora. Isso é a natureza do jogo e eu verdadeiramente acredito que eu ficarei contente. E eu terei lembranças carinhosas do tempo em que eu era famosa. Quando eu tiver 90 anos, eu direi que o ‘Harry Potter já foi muito grande, você sabe!'”

“A curto prazo, obter alguma paz não será uma coisa ruim. As pessoas me dizem, ‘você pode caminhar tranqüilamente pela rua?’. Em Edimburgo, isso é exceção, realmente. Qualquer um pode se aproximar. Então as pessoas de Edimburgo são realmente legais e fingem não notar, ou eles não me notam mesmo. Eu provavelmente acredito na segunda opção. Comparado a uma atriz ou um político, eu realmente não tenho nada. Apenas para mim é um choque enorme. Porque eu não esperava por nada disso.”

Uma medida de quanto impacto os livros de Harry Potter tiveram sobre os leitores chegou na forma de 10 composições premiadas em uma competição comissionada pela Scholastic, a editora americana dos livros de Harry Potter. Foi pedido aos concorrentes uma composição que respondesse a pergunta, ‘Como Harry Potter mudou minha vida’. Cada redação premiada revelou histórias diversas, pungentes de seus escritores infantis. Todos os 10 vencedores foram premiados com um café da manhã com Rowling. As composições foram publicadas e produzidas no “USA Today” em 10 de outubro de 2000 (as histórias também estão disponí­veis no site do “USA Today“).

Apesar do sucesso, no início Rowling teve as suas dúvidas sobre o evento. “Quando eu ouvi que eles tinham feito isto, tenho que admitir que fiquei ligeiramente duvidosa”, disse Rowling. “Cí­nico. Eu pensei que esta era uma premissa alta, dizer a pessoas como Harry mudou a vida deles. Mas as redações eram bastante incríveis. Algumas histórias eram muito, muito comoventes e dolorosas. Eram sobre crianças que tiveram tempos muito difí­ceis. Eu não estou segura se quero compartilhar muito sobre isso porque as vidas dolorosas são delas.

“O mais engraçado, sem dúvida, era Scott MacDonald [um menino de 13 anos de Crownsville, Md.], que era um leitor verdadeiramente pobre, e então as suas notas melhoraram dramaticamente porque ele tinha lido os livros bastante, e a escrita dele melhorou. E ele me escreveu esta carta, ‘se você não acredita em mim’ por causa deste parágrafo em que cita as notas dele, ‘você pode chamar meu professor’ e ele deu o número e endereço completo. ‘Não me chame de mentiroso!’ [ele disse]. Ele era muito doce. Eu amei conhecê-lo”.

Os leitores e críticos elogiam a imaginação fantástica de Rowling em todos os livros. Discutir o poder de imaginação, Rowling notou, “É um sentimento opressivo. Um sentimento incrí­vel. Eu sinto que aquele pedaço é mágico. Vir aqui e sentar diante de um adulto ou criança que conhecem meus personagens para defrontar, que discutirá comigo sobre o que está dentro de minha cabeça, é a coisa mais maravilhosa. Realmente, realmente é!”

Jornalistas na entrevista estavam obviamente muito interessados em conhecer mais detalhes sobre livros futuros. Rowling deu algumas respostas. “Eu sei o que acontece à maioria dos personagens no passado dele e o futuro deles exatamente. Eu sei muito mais, realmente, do que o leitor precisa saber, mas isso me deixa confortável por saber que não há nenhuma surpresa para mim. Eu sei exatamente o que vai acontecer.”

Porém, personagens inventados às vezes podem levar uma vida própria e pega de surpresa os seus mestres. “Hermione me deu muita dificuldade!”, riu Rowling. “Ela realmente estava se comportando mal. Ela desenvolveu essa consciência polí­tica sobre os elfos domésticos. Bem, ela quis ir para seu próprio caminho, e por dois capí­tulos ela apenas perambulou. Eu só a deixei fazer isso e então esmaguei dois capí­tulos e mantive alguns trechos. Que eu gostei. Essa foi a maior dificuldade que qualquer um já havia me dado, mas foi divertido, então eu deixei que ela seguisse seu rumo.”

Em uma tentativa de espiar mais novidades no futuro de Harry, Rowling foi questionada se o jovem Potter se tornasse um líder. “Isso é estranho”, Rowling respondeu. “Minha filha é obcecada com isso. Eu não sei o porquê. Ela tem sete anos e mantém a declaração ‘que ele será um líder, não é?’ E eu digo, ‘Talvez ele não queira ser um líder…’, ‘Não, ele vai!’ É engraçado dizer isso. Eu não vou lhe contar o que acontece.”

Também surgiu uma pergunta sobre os parentes não-mágicos de Harry, os trouxas que sempre torturaram ou maltrataram Harry, por causa do medo da magia. Por vingança, Harry torturou magicamente seu primo Duda. “Eu gosto de torturar”, disse Rowling. “Você deveria manter um olho em Duda. É provavelmente muito tarde para tia Petúnia e tio Válter. Eu sinto pena de Duda. Poderia brincar com ele, mas, de verdade, sinto pena dele porque eu o vejo tão maltratado quanto Harry. Embora, possivelmente, de um modo menos óbvio. O que eles estão fazendo com ele é inepto, realmente. Eu penso que as crianças reconhecem isso. Pobre Duda. Ele não está sendo preparado para o mundo, nem de modo racional nem compassivo, então eu sinto pena dele. Mas há também algo de engraçado nele. O rabo do porco foi irresistí­vel.”

Como a entrevista estava para acabar, havia tempo para dois comentários finais: “Que tipo de criança eu fui? Baixinha, gorda. Óculos de Saúde Pública muito grossos. Isso não significa nada para você, significa? Óculos livres da Saúde Pública eram como fundos de garrafa. É por isso que o Harry usa óculos. Tí­mida? Sim, eu era uma mistura de insegura e mandona. Eu era muito mandona com minha irmã, mas totalmente quieta com estranhos. Muito apegada a livros. Terrí­vel nos jogo esportivos. Aquela parte sobre Harry de poder voar tão bem é provavelmente cumprimento de meus desejos. Eu era muito descordenada. Eu nunca ficava mais feliz do que quando [estava] lendo ou escrevendo. Queria ser uma bailarina dentro de pouco tempo, o que é, em retrospecto, muito embaraçoso, porque eu era virtualmente redonda.”

Finalmente, em suas últimas palavras, Rowling disse, “eu escrevi o livro para mim. Eu nunca esperei fazer isto. Isso que foi feito [tão bem] é maravilhoso. Quer dizer, se eu posso acreditar honestamente que criei alguns leitores, então sinto que não estava somente ocupando espaço nessa Terra. Eu me sinto muito, muito orgulhosa. Mas eu não tive a intenção de fazer isso e minha primeira lealdade, como eu digo, é à história como eu quis escrever. Eu estou esperançosa que meus leitores ficarão com ela.”

Se preparando para sair, Rowling quase passava da porta quando uma menina jovem no iní­cio da fila estica seu braço com um esboço de um desenho. Rowling olha. Ela hesita e caminha para pegar o desenho e vê-lo. Ela pega uma caneta e oferece autógrafos. Os fotógrafos e cameramens de televisão se aglomeram depressa ao seu redor documentando o evento, enquanto as crianças e os jovens, animados, abrem os livros e preparam-se para uma sessão de autógrafos improvisada. Um fotógrafo abaixa-se, enquanto observa com a máquina fotográfica, tentando conseguir o ângulo certo. Depois de assinar alguns livros, Rowling e seu pessoal saem da sala em um dia no qual ela executou duas leituras para um total de 10.000 fãs ansiosos no Pacific Coliseum.

Nota do editor: Cinescape é agora uma parte do Fandom.com.
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Traduzido por: Juliana Maron dos Santos em 18/03/2007.
Revisado por: Adriana Pereira em 19/04/2007 e Vítor Werle em 02/03/2008.
Postado por: Fernando Nery Filho em 29/04/2007.
Entrevista original no Accio Quote aqui.