Carey, Joanna. “Quem ainda não conhece Harry”. Guardian Unlimited, 16 de fevereiro de 1999.

É um dia ocupado na estação de King’s Cross: trouxas estão se agrupando em volta da máquina a vapor na plataforma 9 e 1/2. Sim, é o Expresso de Hogwarts, o trem que leva os alunos até a Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts em Harry Potter e a Pedra Filosofal. Está lá para comemorar a edição em brochura da seqüência, Harry Potter e a Câmara Secreta, e a plataforma está fervendo com aspirantes a bruxo esperando conhecer a autora J.K. Rowling.

Ela tem tido uma semana ocupada de cerimônias de premiação, eventos em livrarias, leituras, aparições na TV e sessões escolares. Eu falo com ela no trem enquanto ela volta para casa em Edimburgo. Ela não está exausta com todas essas crianças?

“Oh, não! Como ex-professora, é, simplesmente tão libertador ficar de frente para uma classe apenas para entretê-los. E é ótimo quando eles já leram o segundo livro; eles sabem quem é da Sonserina e quem é da Grifinória; e eles estão familiarizados com as regras de quadribol.”

J.K. (Jo) Rowling é inteligente em todos os pontos e tão subversiva quanto você pode imaginar: atualizada e encantadora também, em um longo casaco preto de veludo. Mas ela não gosta muito de entrevistas. Em 1997 ela atingiu as manchetes com o enorme sucesso de seu primeiro livro de Harry Potter. “Mas a publicidade me trouxe críticas”.

“Fui retratada como uma pobre, divorciada, mãe solteira, empurrando um carrinho por Edimburgo, recebendo uma renda suporte do governo, e escrevendo em parques de diversão e cafés enquanto o bebê dormia. Sim, é claro que eu percebo que era uma boa cópia; e sim, isto era verdade; mas eu me senti ofendida pela implicação do jornalista de que eu deveria ter saído e procurado um emprego adequado, ao invés de ficar sentada escrevendo. Não era uma opção fácil. Muitas pessoas não conseguiriam suportar aquelas condições. E da mesma forma que eu me sentia segura pela primeira vez desde o nascimento de minha filha, eu fui definida pelo que em vários sentidos foi a parte mais triste de minha vida. Já era bem ruim na hora, sem ter que reviver isso. Era terrível; por um bom tempo isto me impediu de escrever. Mas chega disto”.

Ela ri; e desliza gentilmente sobre uma carreira que inclui escola abrangente na Floresta do Deão; Universidade Exeter (“fantástica, se não fosse a chance de ser a ‘radical’ que eu planejei“). Dois anos na Anistia Internacional (pesquisando sobre direitos humanos na África); um curso TEFL em Manchester; um emprego para ensinar em Portugal (e um casamento que não deu certo, depois do qual ela veio para Edimburgo para ficar perto de sua irmã, e onde ela finalmente fez um PGCE e se tornou uma professora). “Mas eu sempre quis ser uma escritora, e qualquer lugar que eu estava, qualquer trabalho que eu tinha, eu estava sempre, sempre escrevendo como uma louca, e quando eu voltei de Portugal, eu não somente tinha um bebê de quatro meses mas também um terço de Harry Potter. Então eu tinha que termina-lo”.

Os tempos eram difíceis, a adaptação era horrível, mas ela não continuou nisto; ela fala, ao invés, sobre seu velho amigo Sean que emprestou dinheiro a ela para comprar um apartamento, e ela levanta um copo para o Conselho de Artes Escocês que permitiu que ela finalmente tivesse assistência infantil para que ela pudesse assim terminar o segundo livro. Muitas grandes editoras rejeitaram Harry Potter por ser “muito longo”, “muito lento” ou “muito literário”, mas a Bloomsbury o aceitou em 1996. E então no próximo ano ele foi comprado pela Scholastic nos EUA. Ela me faz rir descrevendo a noite que seu agente ligou de Nova Iorque para dizer que um leilão aconteceria: “Um leilão? Eu pensei… Sotheby’s Christies? Antiguidades? O QUE ele está falando? Então eu percebi, era meu livro. Aquilo foi maravilhoso. Eu fiquei como Elizabeth Bennett, sabe, ‘Ela sabia, antes de se sentir feliz’”.

Ela está eletrizada, mesmo que um pouco confusa com os desenvolvimentos mais recentes; há um filme a vista, ela tem ganhado grandes prêmios de literatura, e as vendas agora passaram a marca de meio milhão. Como ela consegue isso? “Eu suponho que seja principalmente publicidade,” ela diz um pouco vagamente. “Eu acho que as crianças contam sobre ele para algum outro”.

Com esta trama galopante, ótima abundância de magia, humor caprichoso e um grande olho para detalhes, a rica mistura de Rowling de bravura, amizade e aventura são o centro de dois clássicos ingredientes para ficção infantil; os feitos de um órfão e um internato.

“Obviamente isto já foi feito antes,” ela diz, “mas Harry TINHA de ser um órfão, para poder agir sozinho, sem medo de desapontar seus pais, desapontá-los? E Hogwarts TEM que ser um internato; metade das coisas importantes acontecem à noite! E há a segurança. Ter uma filha minha reforça minha crença de que as crianças mais que tudo querem segurança, e é isso que Hogwarts oferece a Harry”. Ela abre mão de, considerando que com sujas masmorras, banheiros assombrados e invasores cruéis, o aspecto de segurança de Hogwarts talvez “não aparente imediatamente” mas, ela acrescenta rapidamente, “há algumas regras bem rígidas”.

Seqüências bem-sucedidas são notoriamente difíceis de se alcançar mas o segundo livro é ainda melhor do que o primeiro. Há sete livros planejados e Rowling já escreveu o último capítulo do último livro antecipadamente. Ela indica giros inesperados pela frente enquanto Harry, o jovem bruxo, cresce: “E ele realmente cresce; no livro quarto os hormônios irão aparecer (eu não o quero preso em um estado permanente de pré-adolescência como o pobre Julian no Famous Five!). E a luta entre o bem e o mal irá se intensificar; haverá mortes — eu pensei muito sobre isso — estou bem consciente dos jovens leitores, mas o mal não é algo que você pode se lidar levemente — há conseqüências, há vítimas. As crianças sempre perguntam se Harry terá seus pais de volta, mas algumas coisas, mesmo no mundo mágico, são irreversíveis”.

Descrevendo essas complexidades, ela fala de algumas de suas próprias crenças e inspirações (incluindo seu envolvimentos com a Igreja da Escócia, e, em particular, sua longa admiração pela autora loucamente incomum Jessica Mitford, que fugiu para a Guerra Civil Espanhola aos 19 anos, era membro do Partido Comunista Americano e uma defensora apaixonada dos direitos humanos). “Eu li Hons and Rebels aos 14 anos e ele mudou minha vida. Eu nomeei minha filha Jessica depois dela, e dei a ela aquele livro como presente de batismo.”

Enquanto o trem vai rapidamente adiante eu penso sobre Harry Potter, um herói de bom caráter, popular, vivendo na trágica sobra da morte de seus pais, educado na segurança de um internato antigo. O livro sete o verá chegar à maioridade (e encarar seu destino) — certos paralelos ocorrem a mim? Eu pergunto a Rowling sua visão da monarquia. Ela ri: “Oh meu Deus! Eu não acredito que você disse isso! Meu amigo sempre me alerta sobre entrevistas — aconteça o que acontecer [ele diz], pelo amor de Deus NÃO deixe que eles te façam chegar à família real!”

Mas, ah! O trem parou em Edimburgo.

Harry Potter e a Pedra Filosofal, Bloomsbury €4.99. Harry Potter e a Pedra Filosofal (edição adulta), Bloomsbury €6.99. Harry Potter e a Câmara Secreta, Bloomsbury, €4.99.

Traduzido por: Frederico Oliveira em 06/02/2006.
Revisado por: Helena Alves em 20/06/2006 e Antônio Carlos de M. Neto em 08/03/2008.
Postado por: Fernando Nery Filho em 05/05/2007.
Entrevista original no Accio Quote aqui.