Weir, Margaret. “De magia e maternidade solteira”. Salon, 31 de março de 1999.

A autora campeã de vendas, J.K. Rowling ainda está tentando compreender a fama imediata que veio com seu primerio romance infantil.

Eu tenho que confessar uma certa influência: eu cresci em uma casa antiga e dilapidada de fazenda no município de Wicklow, Irlanda, um lugar com uma magia chuvosa não diferente do lar aconchegante e desmoronado da família mágica que aparece no segundo livro de J.K. da série Harry Potter. Eu também sou um anglófila terminal, tendendo a balbucios e a meias na altura do joelho. Então, quando meus gêmeos americanizados e tecnológicos largaram seus jogos de computador niilistas para ler sobre guarda-caças, duendes, comissários e salsichas, eu fiquei deliciada.

Como costuma acontecer com histórias sobre poderes mágicos, a popularidade do romance de estreia de Rowling, Harry Potter e a Pedra Filosofal, é um pouco nãoo-convencional – um incêndio que consumiu criança por criança, insuflado por sussurros em salas de aulas dos dois lados do Atlântico. O que torna tudo ainda mais fenomenal é que o livro, indicado para crianças de 8 a 12 anos, está atualmente pela 15° semana na lista de mais vendidos do New York Times (só para comparar, o último grande romance do gênero, o livro de Philip Pullman “A Bússola Dourada”, de 1996, foi anunciado como tal por Knopf em uma campanha exorbitante que fez dele um campeão de vendas, mas não o colocou na lista do Times).

Uma narrativa primaveril, fresca e emocionante, Harry Potter também é o número 1 na lista do Independent Booksellers, passando à frente de “O Testamento”, de John Grisham. Não é nenhum espanto que, na Inglaterra, os livros infantis de Rowling venham com duas capas diferentes – uma voltada para crianças e uma neutra o bastante para que os adultos possam ler os livros em público.

No próximo livro da série, Harry Potter e a Câmara Secreta, Rowling amplia o mundo fascinante da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts com surpresas por toda parte: um diário que escreve em resposta; retratos antigos que se enfeitam e enrolam o cabelo à noite; um guarda-caças barbudo com uma queda por animais de estimação que comem homens; um professor que morreu, não notou e continua ensinando como fantasma. Em certo ponto, Harry é advertido de que alguns livros são perigosos: uma velha bruxa em Bath tinha um livro que você nunca conseguia parar de ler! Você ficava vagando por aí com o nariz metido nele, enquanto tentava fazer tudo com uma mão só!

Rowling escreveu outro livro daqueles. A publicidade boca-a-boca foi tão forte que sua editora americana, Scholastic, anunciou que está adiantando a data de lançamento da edição norte-americana de setembro para junho.

Claramente, o editor se sentiu pressionado pelos fãs leais que já estavam comprando cópias na internet ou as contrabandeando do Reino Unido, onde o livro foi lançado em julho passado. A vice-presidente executiva, Barbara Marcus, também disse que a Scholastic planeja programar a data do lançamento para os outros livros da série mais perto das datas de publicação britânicas, por razões óbvias.

A história da criadora de Harry Potter, Joanne Rowling, é em si mesma um pouco mágica: ela estava em dificuldades financeiras e criando sua filha bebê sozinha enquanto terminava o primeiro Harry Potter; uma bolsa do Conselho de Artes escocês permitiu que ela fizesse isso. (Saber disso traz uma enorme alegria quando o próprio Harry escapa a pobreza espiritual de seus tios cruéis para subir a bordo do trem para Hogwarts e seu reino de infinitas possibilidades e tradições ricas, embora estranhas.) Salon esteve com Rowling na casa dela em Edimburgo, Escócia onde falou sobre fama momentânea, “trouxas” e maternidade solteira.

A cópia promocional de seu livro diz que vocé era uma mãe solteira lutando para escrever Harry Potter e a Pedra Filosofal. Você poderia contar mais sobre aquele tempo?
Na realidade, eu não era uma mãe solteira lutando o tempo todo que eu estava escrevendo o primeiro livro do Harry. Porém, durante o último ano, eu me vi mais pobre do que nunca. Obviamente, continuar escrevendo era um pequeno problema de logística: Eu tinha que fazer uso de todo o tempo em que minha filha, então bebê, dormia. Isto significou escrever durante noites e nas horas da soneca.
Eu costumava colocá-la no carrinho e caminhar por Edimburgo, esperar até que ela adormecesse e então me apressava para um café e escrevia tão rápido quanto pudesse. É incrível o quanto pode ser feito quando você sabe que seu tempo é muito limitado. Eu provavelmente nunca fui tão produtiva, se você julgar pelo número de palavras por hora.

Como foi perceber que o livro era um sucesso?

Soa um pouco falso, mas nada se emparelhou com o momento em que eu soube que aquele “Harry” seria realmente publicado. Essa era a realização da ambição de minha vida – ser uma autora publicada -, éra o ápice de tanto esforço da minha parte. O mero fato de que eu veria meu livro em uma estante de livraria me fez mais feliz do que eu posso dizer.
Eu era muito realista sobre a probabilidade de fazer uma carreira como escritora de livros infantis – eu sabia que era excepcionalmente raro qualquer pessoa conseguir viver disso – e não me preocupei. Eu rezei para que conseguisse ao menos dinheiro suficiente para continuar escrevendo, porque eu estou cuidando de minha filha sozinha. Eu estava esperando que pudesse lecionar meio período (antes dessa época, eu trabalhava como professora de francês) e ainda escrever um pouco.
Três meses depois da edição britânica, meu agente me chamou mais ou menos às oito horas uma noite para falar que estava em andamento um leilão em Nova Iorque para os livros. Havia cinco interessados. Eu fiquei gelada com o choque. Quando ele ligou de volta às 10 da noite, havia seis. às 11 da noite meu editor americano, Arthur Levine, me ligou. As primeiras palavras que ele disse foram: “Não se apavore”. Ele realmente sabia o que eu estava passando. Fui pra cama e não consegui dormir. Por um lado, eu estava obviamente satisfeita, mas a maior parte de mim estava gelava. Pela primeira vez na minha vida, eu tive bloqueio de escritor. As apostas pareciam ter subido muito, e eu atraí muita publicidade na Inglaterra para a qual estava totalmente despreparada. Nem em meus sonhos mais selvagens eu imaginara meu rosto impresso nos jornais, com títulos chamativos, que quase todos eles tinham, com as palavras “mãe solteira sem dinheiro”. É duro ser definida pela parte mais difícil de sua vida. Mas aquele aspecto da história é, felizmente, passado na Inglaterra; os livros agora são a história, o que me cai muito bem.

Em seus livros, a escola Hogwarts é inacreditavelmente fantástica, desde sua floresta proibida, campos de Quadribol e infinitos calabouços de castelo, até seus retratos falantes e a própria cama de dossel do Harry. Você vê a escola como um santuário potencial para crianças?
Sempre me perguntam se eu fui para um internato e a resposta é “não”. Eu fui a uma uma escola estatal diária “compreensiva”. Eu não tive nenhum desejo de ir para um internato (entretanto se fosse Hogwarts, eu teria aceitado em um instante). A escola pode ser um santuário para crianças, mas também pode ser um lugar assustador; crianças podem ser excepcionalmente cruéis umas às outras.

Nessa era de pais muito envolvidos, você acha que a noção de internato e a autonomia que ele oferece poderiam representar quase um tabu fascinante para crianças e pais?
Eu penso que isso é definitivamente verdade. O estado de Harry como órfão lhe dá uma liberdade que outras crianças só podem sonhar (cheias de culpa, claro). Nenhuma criança quer perder os pais, contudo a idéia de se livrar das expectativas dos pais é fascinante. O órfão em literatura é livrado da obrigação de satisfazer seus pais e da percepção inevitável de que seus pais são seres humanos imperfeitos. Há também algo libertador sobre ser transportado ao tipo de famí lia substituta que o internato representa, onde as relações são menos intensas e os limites talvez sejam mais claramente definidos.

Algum personagem ou cena de Harry Potter se originaram de sua experiência como mãe solteira?

Muito de Harry Potter e a Pedra Filosofal foi escrito e planejado antes que eu me achasse como uma mãe solteira, então eu não acho que minhas experiências naquela fase influenciaram diretamente o enredo ou as personagens. Acho que o único evento em minha própria vida que mudou a direção de Harry Potter foi a morte de minha mãe. Eu só percebi completamente quanto de meus próprios sentimentos sobre a perda de minha mãe eu tinha dado o Harry ao reler o livro.

Em seu primeiro livro, as bruxas e feiticeiros parecem ligeiramente estranhos quando eles estão no mundo “trouxa”, ou normal, usando capas com dúzias de bolsos. É para lembrar os leitores das pessoas sem-teto?
Não necessariamente de pessoas sem-teto, embora aquela imagem não seja distante do que eu estava tentando sugerir. Os feiticeiros representam tudo aquilo que o verdadeiro “trouxa” mais teme: eles são claramente desajeitados e estão confortáveis em ser assim. Nada é mais irritante para o conservador verdadeiro do que o desajustado sem vergonha!

Sua experiéncia no ensino lhe ajudou a escrever para crianças?
Eu lecionei durante uns quatro anos, principalmente para adolescentes. Entretanto, são minhas próprias recordações de infãncia que influenciam meu estilo; eu acho que tenho lembranças muito vivas do que sentia aos 11 anos. A parte clássica de minha graduação na Faculdade de Exeter me forneceu muitos nomes bons para personagens, porém, não era esse exatamente o uso que meus professores esperavam.

Uma das personagens mais adorável do livro é Hermione Granger, uma das melhores amigas de Harry e rata de biblioteca cuja pesquisa invariavelmente o ajuda desvendar o mistério. Hermione faz a erudição parecer tão suculenta e necessária, e ainda assim ela é muito real, propensa a esmagar tipos com ego inflado. Como você a inventou?
Hermione foi muito fácil criar porque ela é quase completamente baseada em mim mesma aos 11 anos. Ela é realmente uma caricatura de mim. Eu não era tão inteligente quanto ela é, nem acho que eu fosse tão sabe-tudo, embora antigos colegas possam discordar. Como Hermione, eu era obcecada com o sucesso acadêmico, mas isto mascarava uma insegurança enorme. Eu acho que é muito comum que meninas jovens se sintam assim. Ao mesmo tempo, a queda dela por rapazes inadequados… bem, eu cometi meus erros nessa área. Só porque você tem um cérebro bom, não significa que você seja melhor do que qualquer um para manter seus hormônios sob controle!

Quais foram os livros mais memoráveis que você leu quando criança?
Meu livro favorito quando eu era mais jovem era “O Pequeno Cavalo Branco”, escrito por Elizabeth Goudge. Minha mãe me deu uma cópia quando eu tinha 8 anos; foi um dos favoritos da infância dela. Eu também amei “Manxmouse”, de Paul Gallico e, claro, as “Crônicas de Nárnia”, de C.S. Lewis.

Em ambos os livros de Harry Potter, seu vocabulário é extraordinariamente rico e inventivo. Como alguém encoraja as crianças a cultivarem um banco de palavras assim?
Eu sempre aconselho crianças que me pedem dicas para ser um escritor que leiam tanto quanto possível. Jane Austen deu a um jovem amigo o mesmo conselho, assim, eu estou bem acompanhada.

Você acha que o idioma inglês está mais vivo na Grã-Bretanha que nos Estados Unidos?
Parte do que faz um idioma “vivo” é sua evolução constante. Eu odiaria pensar que a Inglaterra pode imitar a França, onde eles têm uma faculdade para pessoas cujo trabalho é prevenir a invasão de palavras estrangeiras no idioma. Eu amo editar Harry com Arthur Levine, meu editor americano – as diferenças entre “inglês britânico” (do qual deve haver no mnimo 200 versões) e “inglês americano” (também!) é uma fonte de interesse e diversão constantes pra mim.

Ser mãe freqüentemente requer um tipo de generalidade ou de mil e uma habilidades – parte enfermeira, amiga, cozinheira, empregada, guarda-costas – com distrações infinitas. É tão diferente de escrever, onde normalmente são necessárias concentração e disciplina ferrenhas. Como você concilia as duas coisas?
Eu escrevo enquanto minha filha está na escola, e nem mesmo tento enquanto ela está perto; ela já está muito velha para sonecas.

Você tem qualquer conselho para mães solteiras batalhadoras?

Eu nunca fico muito confortável oferecendo a outras mães solteiras “palavras de ajuda”. Ninguém sabe melhor que eu que tive muito sorte – eu não precisei de dinheiro para exercitar o talento que tinha – tudo que eu precisava era uma caneta e um pouco de papel. Nem outras mães solteiras precisam ser lembradas de que já estão fazendo o trabalho mais exigente no mundo, e que não é reconhecido o suficiente pro meu gosto.

Eu li que a Warner Brothers comprou os direitos do filme Harry Potter. Como você se sente sobre Hollywood recriando seus personagens?
Uma mistura de excitação e nervosismo! Eu acho que “Harry” seria um grande filme, mas obviamente eu me sinto protetora a respeito dos personagens com os quais tenho vivido há tanto tempo.

Como você prevê o seu futuro?

Bem, eu vou continuar escrevendo, e isso é tudo o que sei. Eu fiz isso durante toda minha vida e é necessário para mim – eu não me sinto bem se não escrevo por um tempo.
Eu duvido que possa escrever novamente algo tão popular quanto os livros de “Harry”, mas posso viver tranqüilamente com esse pensamento. Até que eu acabe com Harry, terei vivido com ele durante 13 anos, e eu sei que será como uma perda. Então eu provavelmente ficarei de luto algum tempo, e depois seguirei para o próximo livro!

Traduzida por: Adriana Pereira em 11/04/2007.
Revisada por: Patricia M. D. Abreu em 24/04/2007 e Antônio Carlos de M. Neto em 08/03/2008.
Postado por: Fernando Nery Filho em 29/04/2007.
Entrevista original no Accio Quote aqui.