Gleick, Elizabeth. “O bruxo de Hogwarts”. Time Magazine, 12 de abril de 1999.

À parte, talvez, da cicatriz em forma de raio em sua testa, Harry Potter parecerá familiar a qualquer um que tenha lido um conto de fadas decente. Harry, 11, é um órfão que vive com sua tia e tio, Petúnia e Válter Dursley, e seu filho Duda. Será que vale a pena dizer que os Dursley são tão terríveis quanto se pode esperar de pessoas chamadas Dursley – eles fazem com que a meia-família de Cinderela parece meramente mal-humorada numa comparação – e que o jovem Duda é um tirano gordo e estragado que fica quebrando os óculos de Harry?

Felizmente, adentrando alguns capítulos em Harry Potter e a Pedra Filosofal de J.K. Rowling, que a Scholastic Press publicou em setembro último, nosso herói recebe uma carta via coruja informando que ele é, na verdade, um bruxo famoso e que tinha uma vaga na prestigiada Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. E com isso, o leitor e Harry são subitamente levados juntos a um mundo onde tudo é fabulosa e vividamente original, como aqueles criados por C.S. Lewis, Roald Dahl ou, desse grau de importância, George Lucas.

A integridade da visão de Rowling pode explicar a estupenda popularidade de Harry Potter. Publicado primeiramente na Grã-Bretanha em 1997, o livro tem recebido toda sorte de prêmios. A Scholastic pagou US$105.000 pelos direitos nos EUA, e ele tem estado desde então na lista de mais vendidos – lista de mais vendidos de livros adultos, diga-se de passagem – por 15 semanas. A seqüência, Harry Potter e a Câmara Secreta (que será lançado nos EUA em junho), chegou ao topo das listas britânicas de mais vendidos, e alguns fãs americanos impacientes têm começado a encomendar exemplares através da subsidiária britânica da Amazon.com. A Warner Bros. adquiriu os direitos cinematográficos para o que está planejado ser uma seqüência de sete livros (um para cada ano de Harry em Hogwarts).

A autora inglesa de primeira viagem Rowling – Jo para seus amigos – conjurou um universo paralelo mágico e independente que se assemelha muito aos internatos britânicos, exceto que Harry tem aulas de Poções, poltergeits rondam os corredores, e Harry tem que mostrar seu verdadeiro temperamento. “Sei muito mais do que qualquer leitor terá que saber,” diz Rowling, uma mulher de 33 anos de aparência travessa. “Sei os nomes de todos os times de quadribol”. Quadribol, para os não-acostumados, é um tipo de futebol, mas é jogado no ar em vassouras, e algumas das bolas atacam os jogadores.

Rowling, uma mãe solteira que escreveu parte do primeiro livro de Harry enquanto vivia de caridades, se sente como se tivesse escorregado no buraco do coelho no País das Maravilhas. Filha de pais de classe média que moravam perto de Bristol, ela começou a escrever secretamente aos seis anos, e depois da universidade teve uma série de empregos, principalmente como professora. Mas nunca considerou escrever para crianças até um dia em 1990, quando “Harry simplesmente surgiu em minha cabeça completamente pronto”. Naquele mesmo ano, no entanto, sua vida desvaneceu. Sua mãe morreu por esclerose múltipla aos 45 anos, e Rowling foi surrupiada e demitida de seu trabalho. Ela se mudou para Portugal para ensinar inglês. Lá, encontrou e se casou com um jornalista e teve um bebê. O casamento logo se rompeu, e Rowling levou sua filha de quatro meses, Jessica, a Edimburgo, onde vivem até hoje.

Rowling se encontrou no dilema clássico de uma mãe solteira. Ela não podia pagar uma creche, então não podia ir ao trabalho, e quando tentou colocar Jessica numa creche estatal, lhe disseram que ela estava “cuidando muito bem”. Por quase um ano, até que ela encontrou um emprego de professora, Rowling viveu de assistência pública. Todo dia, para escapar do seu apartamento úmido e não-aquecido, ela levava sua bebê ao café mais próximo e escrevia, bebendo uma xícara de café.

Em 1995, depois de achar um agente no diretório de escritores, uma editora britânica ofereceu a ela um pequeno adiantamento de cerca de US$4.000. “Tenho mais sorte do que o normal nos padrões de pessoas comuns, não apenas nos de mães solteiras,” diz Rowling. “O crucial é que eu tinha um talento que não precisava de dinheiro algum”.

Rowling acredita que Harry se tornou um sucesso estrondoso porque nunca escreveu com um “público alvo” em mente. Os livros certamente funcionam em vários níveis. Eles são repletos não apenas de personagens familiares à maioria das crianças, mas também de piadas inteligentes sobre gnomos de jardim e xadrez bruxo – jogado com peças vivas (“Elas não paravam de gritar conselhos variados, o que o confundia: ‘Não me mande para lá, não está vendo o cavalo dele? Mande ele, podemos nos dar ao luxo de perdê-lo'”). Como Rowling explica, “Se é um bom livro, qualquer um o lê. Não tenho nenhuma vergonha de ler coisas que amava na minha infância.” O Mágico de Oz deve ter um espacinho reservado na prateleira para os bruxos de Hogwarts.

Traduzido por: Renan Lazzarin em 23/12/2008.
Revisado por: Daniel Mählmann em 16/05/2010.
Postado por: Vítor Werle em 10/01/2009.
Entrevista original no Accio Quote aqui.