Richards, Linda. “Perfil de Janeiro: J.K. Rowling”, Revista January, Outubro de 2000.

Quando J.K Rowling começou a escrever a história que viria a ser “Harry Potter e a Pedra Filosofal”, no iní­cio dos anos 90, ela não viu fama na sua bola de cristal. “Eu pensei em escrever algo que algumas pessoas poderiam gostar”, ela disse em uma conferência de imprensa, perto do fim de sua recente turnê norte-americana.

“Então isso tem sido algo como um choque”. O “isso” que ela se refere é o repentino e quase estarecedora fama que tem acompanhado o sucesso sem precedentes de sua série de livros Harry Potter. A tal fama que a sociedade ocidental geralmente reserva para estrelas do rock e atores muito conhecidos, mas nunca até agora para autoras de livros infantis. Joanne Kathleen Rowling nasceu no dia 31 de Julho de 1966 em uma cidade na Inglaterra chamada Chipping Sodbury. No momento, ela vive em Edimburgo, na Escócia, com sua filha Jessica, agora com sete anos.

O ní­vel de fama que alcançou não é de sua criação e, escutando ela falar, não é de sua vontade. Ela diz que ainda está aprendendo a lidar com isso. “Eu diria que nos primeiros dois anos que aparecia no papel, eu não me chamava de famosa. Eu não pensava em mim daquela maneira, mas para os primeiros dois anos, eu acho que estava em processo de negação. Eu ficava pensando que tudo ia acabar. Vai acabar.” Negação, no entanto, não levava-a a lugar algum, nem, ela diz agora, foi um perí­odo muito produtivo.

“Lá pelo terceiro livro, “O Prisioneiro de Azkaban”, que foi lançado na época em que Harry Potter foi capa da revista Time, eu tive que aceitar que provavelmente não iria acabar tão cedo. E isso é provavelmente uma maneira mais saudável de ver as coisas. Eu quero dizer, vai passar. Em alguma hora, vai acabar. É a natureza do jogo. E eu realmente acredito que ficarei feliz. E eu terei boas memórias do tempo que eu era famosa”. Enquanto isso, um dos pontos positivos de não ser uma celebridade da televisão é que ela não é sempre reconhecida em público quando começa a falar do trabalho diário, algo que foi provavelmente salvo pelo fato de ela ter pintado o cabelo vermelho que seus leitores associavam com a escritora de Harry Potter, de um loiro suave e mais escuro.

“As pessoas perguntam se eu consigo caminhar pelas ruas sem ser molestada. Muito facilmente. Em Edimburgo, são poucas as pessoas que chegam para falar comigo. Então, ou as pessoas em Edimburgo são muito legais e fingem não me notar ou querem me deixar sozinha, ou eles genuinamente não me notam. E eu acho que é provavelmente isso. Então, comparada com uma atriz ou um polí­tico, eu não sou nada. É que para mim é um grande choque, porque eu não esperava receber nada de fato”.

A fama que Harry trouxe para Rowling fez com que o ní­vel normal de interação entre o autor e seus leitores se tornasse quase impossí­vel. Primeiro tem a conferência de imprensa: pouquí­ssimos autores tem tantos pedidos pressionantes da mí­dia que são de fato chamados para aparecer. E aí­ tem as leituras. Um autor muito popular pode atrair centenas de fãs para uma bem promovida leitura ou sessão de autógrafos. O ní­vel de popularidade de Rowling faz leituras em livrarias serem praticamente impensáveis.

Tão impensáveis, de fato, que na parte de sua turnê no Canadá Rowling fez três leituras: uma em Toronto e duas em Vancouver, e todas em lugares de encontro geralmente reservados para eventos esportivos e concertos de rock. Rowling reconhece que estava nervosa antes da primeira leitura, e que sua leitura no Skydome de Toronto, “Me apavorou. Eu estava apavorada. Eu tinha que subir três degraus antes de chegar ao palco. Eu me sentia como se estivesse caminhando para a guilhotina. Então quando cheguei lá foi maravilhoso.

Ainda assustador, mas maravilhoso”. Embora ler para 16.000 jovens adoradores enquanto uma imagem maior que a sua vida está sendo projetada nas suas costas em um monitor gigante seja bem diferente do que ler para um grupo de escola de 30 ou até algumas centenas, Rowling acredita que “uma leitura ainda pode ser uma experiência muito ­íntima até se há muitas pessoas no lugar. No entanto, inegavelmente, eu não posso mais ter contato um a um”. Demandas de sua agenda impedem a autora nesses dias. “É uma batalha para mim.

Minha caixa de correspondências, como você pode imaginar, está cheia de milhares de milhares de pedidos para leituras em livrarias, para sessões de autógrafos em pequenas livrarias e para visitar escolas individualmente, e eu costumava fazer isso e era a maior diversão que eu tinha, fora escrever. Mas se eu fizesse tudo daquela maneira agora eu nunca veria minha filha, eu nunca escreveria outro livro e provavelmente não comeria ou dormiria então eu tenho que podar algumas coisas. Eu posso dizer que não farei mais leituras, o que eu sentiria muita falta.

Ou eu posso fazer grandes leituras e alcançar um público grande de uma vez só. E esse é o caminho que escolhi seguir. No próximo ano, provavelmente não farei nenhuma leitura. Eu só quero escrever. Então, de uma forma, o Skydome foi apenas um grande estouro”. Embora a série Harry Potter continue no topo das listas onde quer que seja publicada e venda mais do que quase tudo o que já foi escrito, Rowling rejeitou tudo isso para dar textura a si mesma em sua escrita. “Eu acho que tive sorte com isso, eu planejei a série há tanto tempo atrás que está quase escrito em pedras: quase nada pode afetá-la. Ainda escrevo em cima do plano que fiz em 1995”.

O seu plano original de escrever um certo número de livros na série Harry Potter é o que a manteve no curso. “Eu quero terminar estes sete livros e olhar para trás e pensar que o que quer que tenha acontecido, não importa quanto o furacão tenha dado voltas ao meu redor, eu permaneci fiel ao que eu queria escrever. Esse é o meu Cálice Sagrado: que quando eu terminar de escrever o sétimo livro, eu possa dizer com a mão no coração, que eu não mudei nada. Eu escrevi a história que eu queria escrever. Se eu perdi leitores ao longo do caminho, que seja, mas eu ainda assim contei a minha história. A que eu queria. Sem permitir que soasse sentimental, isso é o que eu devo aos meus personagens.

Que nós não seremos desviados, nem por adoração ou por crí­ticas”. Embora as sementes de Harry tivessem sido plantadas no iní­cio dos anos 90, Rowling não colocou todas as peças juntas e começou a escrever antes da metade dos anos 90, quando estava vivendo em Edimburgo, criando a sua filha, Jessica, sozinha. Sem poder ter nem uma máquina de escrever usada – muito menos um computador, Rowling escreveu os rascunhos inicias de “Harry Potter e a Pedra Filosofal” à mão. “Eu sabia que queria ser publicada. E, na verdade, escrever livros é algo em que você tem que acreditar para continuar. É um trabalho correto sem agradecimentos quando ninguém está pagando a você para fazer aquilo.

E você não sabe realmente se algum dia vai aparecer nas livrarias, então eu acreditava muito. Mas eu também era muito realista. Eu sabia que as vantagens não estavam ao meu lado porque, uma escritora desconhecida, entende? É difí­cil. É difí­cil ser publicada pela primeira vez, então eu perseverava. Eu amava escrever e por isso sentia que tinha que tentar”. A escritora encorajou outros que seguiriam seu caminho. “O que eu sinto é, se você realmente quer fazer isso, você vai fazer. Você vai encontrar tempo. E pode não ser muito tempo, mas vai conseguir.

Obviamente se você tiver trabalhos de casa ou outras atividades, não terá grandes espaços de tempo, mas se você realmente quiser, vai fazer”. Ao mesmo tempo, ela aconselha, não esperem que seja tudo perfeito na primeira vez. “Você tem que se preparar para desperdiçar muitas árvores antes de escrever algo realmente bom. É assim que é. É como aprender um instrumento. Você tem que estar preparado para tocar notas erradas, ocasionalmente, ou muitas vezes. É apenas parte do processo de aprendizado. E leia muito.

Ler muito realmente ajuda. Leia qualquer coisa que você tiver em mãos”. Sobre sua escrita, Rowling diz que, de algumas maneiras, ela apenas escreve o que vê em sua mente. “Eu tenho uma imaginação muito visual. Eu vejo uma situação então eu tento descrevê-la o mais ví­vido que eu puder. E eu amo escrever diálogos. Diálogos surgem como se eu estivesse ouvindo uma conversa”. A autora sustenta que não está muito surpresa pelo fato de que adultos gostam de seus livros tanto quando as crianças gostam.

“Quando eu escrevo os livros, eu escrevo-os para mim. Sempre me perguntam, ‘Quem você tem em mente quando você escreve? É sua filha ou alguma criança que conheceu?’ Não. É para mim. Apenas para mim. Eu sou muito egoí­sta: só escrevo para mim. Então o humor nos livros é realmente aquilo que eu acho engraçado”. Talvez não seja surpreendente o fato de que adultos seguidamente perguntem para Rowling o segredo de seu sucesso.

“Eu nunca analisei isso dessa forma e acho que seria perigoso começar a analisar isso ou pensar nisso dessa forma. Eu não quero que deixe de ser divertido e ‘número dois’ eu não tenho certeza se sei, depois de tudo”, ela acrescenta, “as pessoas certas para perguntar isso são os leitores”. “Harry nasceu quase completamente formado”, diz Rowling. “Eu não tive que parar para pensar muito sobre meu herói”.

“É por essa razão”, a autora diz, “que a estrela do Quabribol em Hogwarts, não é uma Harriet ao invés de Harry”. Ela ri quando acrescenta que, “na época em que eu parei para pensar ‘Porque é um menino?’, já era tarde demais. Ele já era muito querido por mim como garoto e, claro, eu tinha Hermione e eu amo a Hermione. E eles não podiam fazer nada sem a Hermione. Então, eu sinto que ela é um personagem muito forte, mas ela é baseada em mim”. Quando criança, Rowling era “baixinha, gorducha, óculos com lentes grossas da Saúde Nacional”; “óculos gratuitos eram como fundos de garrafa, é por isso que Harry usa óculos. Eu era tí­mida. Eu era uma mistura de inseguranças e muito mandona. Muito mandona com a minha irmã, mas muito quieta com estranhos.

Lia muito. Terrí­vel na escola. Essa história toda sobre Harry conseguir voar tão bem é provavelmente um desejo realizado”. Rowling acrescenta que ela adoraria ter descoberto que ela podia fazer algo fí­sico realmente bem. E ela nunca estava mais feliz do que quando estava lendo ou escrevendo. Rowling: “queria ser uma bailarina em um certo ponto da vida, o que é vergonhoso olhando agora, porque eu era virtualmente esférica”. A versão em filme do primeiro livro de Harry Potter recentemente entrou em produção. Marcado para lançamento em 2001, está sendo dirigido por Chris Columbus, que também trabalhou em “O Homem Bicentenário”, “Lado a Lado” e outros filmes de persuasão divertida e cordial. Rowling inicialmente hesitou a possibilidade de ter um filme baseado em seus livros.

Foi apenas cerca de dois anos depois de ela ter sido abordada sobre uma versão cinematográfica que ela finalmente disse sim. “Porque eu queria que os livros estivessem bem estabilizados antes de qualquer pessoa fazer um filme. Mas, egoistamente, eu queria viver e ver o filme acabado porque eu queria poder assistir o Quadribol, o jogo parecido com futebol jogado em vassouras no qual Harry é adepto”.

Embora eles apenas estejam começando as filmagens, Rowling está entusiasmada com o projeto do filme e “minha opinião foi pedida sobre vários tipos de coisas onde eu realmente não pensei que seria consultada. Eu sou grata por isso, obviamente. Mas eu também estou muito certa de que não tem nada a ver comigo, tem a ver com os leitores. Eu acho que eles me vêem em frente a um milhão de crianças querendo ver tudo feito do meu jeito. Então isso é o que me dá o poder que eu tenho. Eu tenho o roteiro aprovado, e até agora o roteiro parece ótimo”. Rowling está otimista que a versão cinematográfica será verdadeira com seu livro.

“Eu quero dizer, se tudo que está no livro estivesse no filme; nós ajeitamos isso, teria três horas. Só Deus sabe o que vai acontecer se eles tentarem filmar o livro quatro”. Porque aquele livro, “Harry Potter e o Cálice de Fogo”, tem mais de 600 páginas”. A escritora diz que “quando eu encontrei o roteirista pela primeira vez, ele era a pessoa que eu estava mais avessaa conhecer, antes mesmo de vê-lo porque, você sabe, ele ia despedaçar o meu bebê.

E a primeira coisa que ele disse para mim foi, ‘Você sabe quem é o meu personagem favorito?’, e eu realmente, realmente achei que ele fosse dizer Rony. Eu quero dizer, eu amo o Rony, mas o Rony é muito, muito fácil de amar: todo mundo ama o Rony. E eu fiquei tensa com isso. E ele disse, ‘Hermione’ e presumivelmente, eu derreti. Eu pensei: ‘Se você entender Hermione, nós poderemos trabalhar juntos.'”

Através da quase incrí­vel elevação da popularidade dos livros de Harry Potter, perguntaram a Rowling se ela estava ciente que era parte de uma cruzada para leituras e alfabetização. Ela nega isso, mas não sem algum orgulho. “Eu escrevi o livro para mim. Eu nunca esperei que acontecesse isso. Se acontece, acho que é maravilhoso.

Se eu puder honestamente pensar que criei alguns leitores, então sinto que eu realmente não estava roubando espaço nesse planeta e me sinto muito, muito, muito orgulhosa. Mas eu não planejei fazer isso e minha primeira lealdade, como eu digo, é com a história como eu queria escrever”.

Traduzido por: Leticia Vitória em 10/03/2007
Revisado por: Adriana Pereira em 20/04/2007 e Antônio Carlos de M. Neto em 22/03/08
Postado por: Fernando Nery Filho em 29/04/2007
Entrevista original no Accio Quote aqui.